Se
querem saber, o rato que não havia roído a roupa da rainha tinha um nome,
registro e domicílio próprios, como sói acontecer aos ratos britânicos de
nascença, colonização ou adoção.
Seu nome era Regis, genitivo de Rex,
do Rei, conforme certidão passada em cartório aos seus pais, numa prova cabal
de que, na Grã-Bretanha, até os ratos cultuam a monarquia.
Regis, além da devoção para com a
rainha-mãe, Elizabeth, era fã ardoroso da princesa Diane, tendo vários de seus
posters espalhados pelas paredes de sua toca. Por isso, torna-se deveras
impossível descrever sua consternação, seu desespero quase, quando da morte
daquela pela qual era ratazanalmente apaixonado. Entrou em estado de depressão,
pensou até em suicídio, quando passava pela sua cabeça a hipótese do trono ser
ocupado pelo príncipe herdeiro, Charles.
O domicílio de Regis estava no
rés-do-chão de uma residência nas proximidades da Tower Bridge, aquela famosa
ponte sobre o Tâmisa. Ele estava também próximo da Tower of London, uma
fortaleza que havia sido transformada em museu. Regis visitou esse museu uma
única vez, quando recebeu a visita de parentes vindos do interior. Sentiu-se na
obrigação de levá-los até aquela antiga fortaleza, embora estivesse consternado
diante da complexidade do comportamento humano: constrói armas de destruição,
que provocam a morte de outros humanos e, depois, as exibe como troféus,
conseguindo dividendos com a visita de turistas. Aquilo que deveria ser motivo
de vergonha torna-se razão de orgulho.
Regis se sentia bem morando ali em
Londres, junto com seus familiares e amigos. Ele não se incomodava nem um pouco
com as variações climáticas, com as chuvas intermitentes. Enquanto rato de
razoável nível cultural, sabia que a capital britânica tinha muito a lhe
oferecer em termos de eventos em casas de espetáculos e museus: Cecil Sharp
House, Union Chapel, Royal Albert Hall, 02 Arena, Royal Opera House, Museum of
London, Bristish Museum... Apaixonado por futebol e torcedor do Chelsea,
frequentava o Stamford Brigde e o Estádio de Wembley.
Certo dia, estando em visita ao
Museu de Madame Tussauds, um museu de cera, Regis presenciou uma cena
divertida. Havia muitos turistas desfilando entre personagens da história e do
mundo do cinema. Entre eles, havia um brasileiro (Regis ficou sabendo por causa
de sua fala). Ele estava posando para fotos ao lado de personagens históricos e
artísticos. Quando ficou ao lado de Steve Spielberg para uma foto, muita gente
pediu para que repetisse a pose. Assustado, ele se deu conta de que, com boné,
ficava parecido com o diretor cinematográfico. Regis ouviu seu comentário com a
esposa, ao que parece:
- Está vendo só? Talvez Steve
necessite de alguém para representá-lo em alguma situação. Não custa nada fazer
uma investida nesse sentido. Quando estiver no Brasil, vou quebrar os traumas
de minha adolescência e fazer um curso de inglês para me tornar, quem sabe,
dublê de um famoso e ainda podendo faturar algum.
A
lembrança desse fato provocava em Regis um sorriso amargo. Já havia passado
muitos anos, mas ele não tinha como esquecer aquela que era a luz, o queijo
suíço de seus olhos.
Até o dia em que ele estava nas
proximidades da Loja Primark, com o olhar perdido no infinito, nem se dando
conta do burburinho de pessoas num entra-e-sai frenético, com sacolas
abarrotadas de compras. Em épocas passadas, não lhe passaria despercebida a
profusão de mulheres árabes e seus vestidos típicos. Ele haveria até de fazer
um comentário mordaz: “Olha onde vieram
parar os petrodólares!” Mas não naquele momento, quase atropelado por pés
apressados.
Foi, então, que aconteceu o
inusitado: uma mão se estendeu até ele e o pegou com cuidado. Tratava-se de um indiano,
acompanhado por uma mulher. Entorpecido e um pouco assustado, ouviu-o falar:
- Veja, Rajnandhini, sinto pela
maneira de olhar que este rato é a reencarnação de meu pai, Jayanti.
-
Suas palavras são sábias, Abhijat. Vamos levá-lo para o Templo de Kasni Mata,
onde ele poderá se tornar um kaba.
E,
assim, Regis foi levado para a Índia e alojado no templo de Kasni Mata, ou
Templo dos Ratos, onde se tornou um kaba, um rato sagrado. Lá, ele é tratado e
alimentado com todas as honrarias. Aos poucos, a dor pela perda da princesa foi
passando e, agora, já é visto passeando alegremente entre as salas. Caso você
queira visitar esse templo, não se esqueça de cumprir algumas formalidades,
como, por exemplo, a de tirar os calçados, mesmo tendo, depois, que pisar nos
excrementos dos ratos. Talvez possa identificar Regis em meio a mais de 15.000 outros.
Se prestar atenção, vai descobrir fácil: seu sotaque inglês é inconfundível.
OBS:
Einstein teve aquele insight sobre a Teoria da Relatividade observando
situações como a descrita acima. Ser rato pode representar uma bênção ou uma
maldição, tudo dependendo do contexto.
Etelvaldo Vieira de Melo
1 comentários:
Alguém já me contou a história que inspirou essa crônica...
Abraços, Eduardo.
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