LEMBRANÇAS DE VIAGEM - VOLUME 1

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Juntamente com Ingenaldo, Cinisvaldo, Rivaldo, Fridolino Xexeo, Loprefâncio Caparros, Percilina Predillecta, Genésia Solaris e Deusarina Rebelada, está Eleutério preparando as malas para uma viagem internacional. Há cerca de sete anos atrás, ele já havia experimentado aventura de tal fôlego, conhecendo três países europeus. Agora, ele pretende conhecer outros dois.
A motivação principal desta viagem continua sendo a mesma: ele quer passar por novas experiências, para poder relatá-las nas páginas deste blog. Ele pensa que seus amigos Leutirinos merecem tudo de bom e do melhor. Por isso, não mede sacrifícios, chegando a ‘raspar o tacho’ de suas reservas monetárias, além de requerer um empréstimo consignado. Sabe que, durante anos, ficará com uma mão (cacofonia, Vital?) à frente e outra atrás, até que suas finanças sejam restauradas. Eleutério só torce para que valha a pena tamanho sacrifício. A passagem que comprou é da classe econômica. Daí, ela veio com uma série de restrições. A bagagem, por exemplo, tem que ter dimensões minúsculas, seu peso não pode ultrapassar os ridículos 10 quilos. Eleutério tem ‘quebrado a cabeça’, usando da criatividade brasileira, para dar uma de ‘João sem braço’ (de onde veio isso?) e conseguir passar incólume pela vistoria.
Da outra vez em que viajou, não havia essa frescuragem toda, como acontece agora. Não havia restrição de bagagem. Conclusão: ele viajou com tanta mala (odisseia narrada em “Mala: Como Amá-la?”, de 12/01/2013), e elas provocaram tantos transtornos, que ficou traumatizado, só se recuperando depois de 25 seções de terapia com a sobrinha Dri. (Foi na narrativa dessa viagem que apareceu, pela primeira vez para os anais da Psiquiatria, o termo “Malastrose”: transtorno psíquico-somático decorrente de relação doentia com mala em viagens.)
Se existe uma vantagem em sua viagem atual, é que Eleutério vai estar leve, pelo menos no sentido físico da expressão. Como não poderá levar quase nada, estará desimpedido de fazer o turismo de compras. Consequentemente, não irá ostentar na testa aquela expressão facilmente captável pelos vendilhodogs, raça especializada em farejar as diferentes categorias de turistas e seu potencial de consumo: “Estou em estágio de turista; portanto, atacado de bobeira”.
Agora, que ele está preocupado com seu voo em classe econômica, isso ele está. Percilina Predillecta, sua dileta esposa, que também fará parte da comitiva, está levantando a hipótese de que nem um lanchinho vagabundo será oferecido durante as 10 horas de voo. Pelo que está vendo, Eleutério já vislumbra a alternativa de ter que preparar alguma matula, visando engambelar o estômago durante a viagem: uns pãezinhos recheados com queijo mozarela e fatias de mortadela, mais um preparado de Q-Suco (que ele chama de “Q-Susto”).
Pior do que isso, é ficar imaginando esta situação surreal:
Como ele (cacofonia, de novo?) é frequentador de ônibus, acontece muitas vezes de Eleutério ser surpreendido por pessoas vendendo balas e guloseimas no interior dos lotações. O que falta agora é, em pleno voo, alguém se apresentar, dizendo:
- Boa tarde. Meu nome é Elton e peço desculpas por incomodar vocês. Como estou desempregando e, não querendo cair no mundo das drogas, esta foi a maneira que encontrei para conseguir algum dinheiro para meu sustento e de minha família.
- Estou vendendo paçoquinha, 50 centavos cada, três por 1 real; bala de goma por 1 real; chicletes, bom para zumbido no ouvido, 1 real, três por 2 e 50; batata por 1 e 50; pele, de sabor bacon e churrasco, por 2 reais. Tenho também água por 2 e 50. Muito obrigado pela atenção. Tenham uma boa viagem. Fiquem com Deus.
Dirigindo-se a Eleutério, pergunta:
- E aí, patrão, vai uma bala jujuba?
Etelvaldo Vieira de Melo

SERÁ QUE DEUS APROVA A ESQUERDA?

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Imagem: adcausam.com
Circula na Internet um vídeo onde alguém disserta sobre a questão colocada acima. Ele me foi repassado por um vizinho.
Tal vizinho, ao longo do tempo, tornou-se um amigo. Entre suas qualidades, posso destacar a honestidade, sua disponibilidade em ajudar os outros e seu senso de humor. Diante de uma situação difícil, costuma dizer, enquanto ri: “É complicado!”.
Nos últimos tempos, tenho notado algumas mudanças em seu comportamento com as quais não concordo. Não sei se por influência do grupo religioso do qual faz parte, não sei se por opção ideológica, o certo é que ele tem me repassado textos e vídeos que afrontam minha visão do mundo, da sociedade e da própria religião. Quero dar conta de que toda essa mudança se deve a influência de terceiros, motivada por razões religiosas, ele que sempre demonstrou um profundo sentimento de religiosidade.
No vídeo desta semana, as primeiras palavras do apresentador foram: “Boa tarde. Será que Deus aprova a Esquerda?”
Numa primeira reação, quis apagar aquilo, julgando não ser honesto uma pessoa se propor refletir sobre determinado tema, partindo de um pré-conceito, de uma dúvida (“Será...”). Depois, pensei que seria melhor analisar aquela fala, buscando seus fundamentos. Quem sabe, teríamos ali uma argumentação consistente, baseada em razões verdadeiras. A tese proposta era: “Deus não aprova a Esquerda”. A partir daí, o autor deveria enumerar as razões que fundamentam tal assertiva.
Elas foram de duas naturezas: a primeira, baseada em proposições lógicas, racionais; a segunda, com base em citações bíblicas, apela para a fé.
Vejamos os primeiros fundamentos. Diz o discursador: “Quando a gente analisa, vê que a Esquerda só quer o que não presta: é aborto, legalização de droga, pedofilia, e por aí vai. Fizeram o que fizeram”.
Ele disse isso e pronto. Essas são as “provas” racionais de que Deus não aprova a Esquerda, ela sendo um saco de maldades, que só faz o que não presta, inclusive defendendo a pedofilia.
O termo “esquerda” aparece ao longo da fala do locutor com sentidos diferentes. Nesse primeiro caso, é evidente que ele só pode estar se referindo a uma ideologia. Como tal, é bom lembrar que o termo surgiu pela primeira vez em 1789, durante a Revolução Francesa. “Esquerda” e “Direita” eram usados para designar aqueles que se sentavam à esquerda e à direita nas assembleias: os que eram leais à religião oficial e ao rei, ficavam sentados à direita; os que eram contra, à esquerda.
Quando a Assembleia Nacional foi substituída em 1791 por uma Assembleia Legislativa, os “inovadores” sentavam-se do lado esquerdo, os “moderados” reuniam-se no centro, enquanto que os “defensores da Consciência da Constituição” encontravam-se sentados à direita.
Temos hoje várias ideologias políticas, tanto de Esquerda quanto de Direita. Grosso modo, aquelas priorizam o social, enquanto que essas cuidam mais do indivíduo particular; umas querem o Estado forte, para atender especialmente as minorias; outras, que o Estado diminua, deixando o controle nas mãos do livre mercado. Porque Esquerda e Direita são termos  de grande abrangência, não é honesto rotular de “comunista" todo aquele que é de Esquerda; do mesmo modo, é desonesto dizer que todos os de Direita são “fascistas”. No entanto, a desinformação no Brasil é tanta, que “liberais” são chamados de “comunistas”só porque defendem a Constituição e o Estado de Direito.
Quando enumera as razões ditas de fé, o orador emprega os termos "esquerda” e “direita” com o mesmo sentido político, desconhecendo que foram assim aplicados muitos séculos depois que a Bíblia foi escrita.
“Agora, vamos para a Bíblia, vamos pegar uma resposta do Livro sagrado. Lá em Eclesiastes, 10-2, diz assim: ‘Porque o coração do sábio se inclina para a direita, porém o do tolo se inclina para a esquerda’.
Evidente que “esquerda” e “direita” aqui nada têm a ver com as “esquerdas” e “direitas” das ideologias políticas. No entanto, é isso que o locutor quer dar a entender. Misturando os sentidos, ele perde a possibilidade de captar a mensagem verdadeira: “O coração do sábio se inclina para o bem, mas o coração do tolo, para o mal”.
Depois de ver o autor enumerando passagens bíblicas que confrontam direita e esquerda (por exemplo, o bom ladrão ao lado direito de Jesus na cruz), o que posso dizer de sua fundamentação de fé? Simples: faltou em sua exegese contextualizar as falas. Por causa desse erro fatal, cometido não sei se por má-fé, não sei se por ignorância, chega a soar como aberração esta lembrança: “no Juízo Final, (Deus) salvará os da direita ("Direita"), e aos da esquerda ("Esquerda") dirá: ‘Apartai-vos de mim, malditos, para o Fogo Eterno’.
O desfecho do vídeo é proposto assim:
“Se eu fosse você meu amigo de Esquerda, repensaria meus conceitos e mudaria de posição. Eu acho que a Esquerda não vai ter vez nunca, vai se lascar, viu? Perdoe a minha expressão, não vejo Deus em momento algum pendendo pro lado da Esquerda, haja visto que todo problema da humanidade, do universo, começou por um partido de esquerda lá no Céu. Alguém se posicionou na esquerda e foi expulso de lá, e hoje está na situação que está. Eu, hein, se fosse você vazava da Esquerda!”
Estou tentando “enxugar” o texto o máximo possível, procurando deixá-lo menos pesado. No entanto, não posso ficar sem mencionar duas coisas:
1) O autêntico religioso sabe que as escolhas políticas são da responsabilidade da consciência de cada um.
Alguém já disse que existe uma miopia no meio dito “evangélico” que leva os seguidores a satanizar tudo o que é classificado como “esquerda”, ao tempo em que os cega para os males do capitalismo e do individualismo exacerbado. Nesse universo estão os ingênuos, os de boa-fé, os crédulos, os simplistas e os dogmáticos. Além desses, estão também os aproveitadores e oportunistas, os desonestos, os exploradores, os lobos vestidos de cordeiros.
Especificamente sobre o vídeo analisado acima (quantos o viram? quantos lhe deram crédito?), vale lembrar as palavras do Presbítero André Sanches, uma de minhas referências na pesquisa sobre o tema: “Essa montagem que circula na Internet ou é uma espécie de brincadeira irônica de provocação entre ‘direita e esquerda’, ou é uma manipulação de alguém buscando ensinar o que a Bíblia não ensina, pois tira o texto de seu contexto e insinua algo que o texto não diz originalmente. Por isso... tomemos cuidado com o apoio que damos a produções como essa.”
2) Vivemos um momento conturbado no país, com o presidente e seus asseclas   espalhando mentiras e absurdos, com discursos de ódio e de desprezo para com os menos favorecidos. Somando a isso, temos declarações de pessoas que se dizem cristãs enchendo as cabeças de pessoas, como a de meu vizinho e amigo, com palavras de preconceito e falsos juízos. Numa hora assim, sou eu quem está a dizer: “- É complicado!”. Só que não estou rindo. O que sinto é vontade de chorar.
Etelvaldo Vieira de Melo

COMO DÓI!!!

Ivani Cunha

DUPLICATA

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Dileto leitor.           
O que eles querem de você é coragem. Travessia. Como falar sobre algo além das fráguas /águas/mágoas/ que dão à sua vida o ar da graça? Há um labirinto, ali, dentro/fora do contexto: imagens, sensibilidade, humour. Entretanto, é bastante difícil encontrar ainda Teseu ou Ariadne dispostos a lhe dar algum fio condutor.
Ouça: Você é trezentos ou trezentos-e-cinquenta personagens na lida cotidiana. Ironia fabular! Não caia na armadilha do herói Odisseu, quando encontra Polifemo e lhe informa seu nome etimológico:
- Poi Zé, Liliu! Sou NINGUÉM.
O receptor da sua obra existencial também é Ninguém. Cada pessoa há de devolver-lhe o livro de histórias sofridas
- ... porque NINGUÉM irá lê-lo, sujeito.
Desculpe-me pelas analogias, ao elencar isso tudo. Acontece que seu ego-Ícaro queimará asas projetando-o no Vasto Mar de Sargaços de Jean Rhys. Quem sabe - confuso cismará -, fiz um xixizim de gato nesses anos hesternos, pensando ter derramado o Rio Amazonas? Por que redigi esse baita livrão inútels de experiências vãs?
Console-se lendo Proust, que no comecinho da Recherche, ao mergulhar no chá um tico da Madeleine, já produz(IRA) sessenta folhas A498989898... na maquininha. Compôs sete volumes somando quatro! mil! páginas! que não até hoje não se apresentam pra lábia de leitor simples e trivial. O voluntário solitário francês nunca esteve nem aí pra NINGUÉM, fosse Cinefantasy, D&D, Beholder, tipo pequeno, médio ou grande porte. O nigucim do Grand Écrivain eram os cinco sentidos da paixão literária abraS(ç)ando-lhe a cama dia e noite por quatorze anos. Ali, era tal e qual OdisSEU (ou dele ou nosso).
Quem somos – é? -  a triste figura frente àquele colossal alteroso monumental genial Minotauro europeu? Com certeza, você pensará: (Então), Não sou nada, nunca serei nada, não posso querer ser nada? Lógico que pode. À parte isso, tenha em si todos os sonhos do mundo. (Siga) com o Destino (de escriba) a conduzir a carroça de tudo pela estrada do nada. (Assim, pretenda elaborar) a essência musical de todos os tolos versos.  Real/fictício, sonhe acordado, isso sim, tocando o melhor instrumento, representando-se outro no papel, estudando até... ................................................  a última linha do horizonte.                       
Continue muito bravo, leitor. Ralhe! Seja nada sabendo que transporta gens de grandeza. Se quiser, ria-se doutor da sua rósea bobajada.
- Sou mesmo besta, hein, Carlinhos?!
Devolva ao Editor o que realmente presta de jeito maneira. Permaneça quinze epitáfios marcelando em cova discursiva.
Se não... estremeça e berre: Eu que não tenho certeza, sou mais certo ou menos certo? Afinal, todo mundo pensa que é F. Pessoa, e no fundo é um fingidor. Pois EU sou ele e miríades d’Ele.
Graça Rios

SORRIDENTE, AINDA QUE SEM DENTE

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Sete Leiturinos me enviaram mensagens, querendo saber os detalhes da perda de dente do Eleutério, de como tudo ocorreu. Prestativo, nosso amigo me repassou os informes, que transcrevo a seguir.
O velho Protágoras já dizia que “o homem é a medida de todas as coisas”. Aparentemente, a frase parece se referir ao homem em geral, esse ser abstrato – em última análise.
Na verdade, ela diz respeito ao ser individual, particular: eu, você, seres únicos e indivisíveis.
Se sou a medida de todas as coisas, as coisas, as pessoas e o mundo ao meu redor só fazem sentido quando estou interagindo com eles; quando perdem minha referência, deixam de existir, ficam sem sentido.
Estou falando essas coisas porque me ocorreu uma situação aparentemente banal, mas divertida, e que envolve alguém de nome Protásio, o que me trouxe a lembrança do outro, o Protágoras. Tal situação pode parecer ridícula para alguns, mas devo dizer que perdi há muito o senso do ridículo. Desde que cruzei o “Cabo das Tormentas”, e que os desavisados chamam de “Melhor Idade”, minha filosofia de vida passou a ser: rir de tudo, principalmente de mim mesmo. Com isso, vou tocando a vida com leveza e bom humor.
Mas vamos ao fato.
Tendo comprado uma TV moderna e grandona, tomado de satisfação e alegria, enquanto assistia a um filme, preparei uma vasilha de granola (devidamente misturada com iogurte) para ser saboreada, enquanto a vista se encantava com imagens “4 k” (“k”: uma referência eletrônica, e não um valor em dinheiro, como emprega certo procurador da Lava Jato para seus proventos de “palestras”).
Diante de uma cena de suspense, tomado de ansiedade, dei uma mordida em algo duro, ao tempo em que algo estalava na minha boca. Enquanto um calafrio percorria meu corpo, pedi à língua para pesquisar o ocorrido. Prestimosa, ela se esmiuçou entre os dentes, sondando daqui e dali, até fazer a descoberta fatal: um dente, depois fiquei sabendo que era o 23, estava com a estrutura abalada, ameaçando desabar.
Assim que meu cérebro decodificou o ocorrido, uma série de reações psicossomáticas se desencadeou: ansiedade, medo, pavor, sudorese, taquicardia, mais a sensação de que o-mundo-estava-desabando-sobre-minha-cabeça.
Além de tudo isso, pensei:
- E eu que não sou nenhum deputado e pastor Marco Feliciano, que não   disponho de uma verba pública de 157 mil para tratar desse dente!
Olhei quase com ódio para a TV, peguei a vasilha de granola e despejei na pia da cozinha.
Indo para a cama, tentei conciliar o sono que, afinal, veio aos trambolhões, com pesadelos onde eu me via, ora em cadeira de dentista (que, rindo sadicamente, me apontava um boticão de meio metro de comprimento), ora estando rindo eu mesmo para pessoas conhecidas, com a boca com seis dentes intercalados, sendo três na parte superior da boca e três na inferior.
No dia seguinte, fui, como se diz, “correr atrás do prejuízo”. E foi aí que apareceu o Protásio, cirurgião implantodontista, que cuidou de colocar na minha boca um dente provisório, enquanto o definitivo ia ser moldado. Quando voltei para casa, recebi a recomendação de evitar pão, granolas, piruás e afins. Podia tomar um sorvete, que ajudaria na cicatrização.
Os dias subsequentes passaram bem, até que, em pleno sábado, dei uma mordida desencontrada e o dente provisório se soltou. Por pouco, quase o engoli.
Pensei comigo: - Fazer o quê? Até segunda-feira, é tolerar a falta, evitando olhar no espelho e, ocasionalmente, recorrendo a uma máscara, caso tenha que sair de casa.
Quem me viu banguela foi minha esposa, Percilina Predillecta. E foi ela quem me mostrou que tudo na vida, por mais desagradável e feio que possa parecer, sempre tem algo de bom e de bonito. Quando lhe disse que achava que ela não iria me amar mais, por causa da falha na boca, retrucou:
- Querido Eleutério, meu amor por você independe de seus dentes e de tantas coisas mais – dando a entender que já havia captado a minha essência, que me amava pelo que sou, e não pelo que aparento ser.
Sorri com a mais pura alegria.
P.S. Para o amigo Leiturino, deixo duas recomendações. A primeira vem do Doutor Protásio que, inadvertidamente, deixou escapar que os grandes amigos dos dentistas são os piruás, gelo e granolas. Cuidado com eles. Segunda: Se for o caso, caso queira medir a intensidade do amor de sua companheira, você poderá se sujeitar à perda de um dentinho qualquer. Caso ela, sua companheira, tenha uma reação como a de Percilina Predillecta, quando viu seu marido Eleutério sem o dente 23, também você poderá sorrir com a mais pura alegria.
Que tal a sugestão? Se for o caso, posso lhe repassar o endereço do Dr. Protásio, aquele que faz lembrar o Protágoras, aquele que dizia que “o homem é a medida de todas as coisas; das que são enquanto são, e das que não são enquanto não são”.
Etelvaldo Vieira de Melo

COMENTÁRIO CINEMATOGRÁFICO

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A cada semana, o cinema nos atrai e lá vamos direto para o Belas Artes. Nesta, assistimos ao filme O Professor Substituto (L’Heure de la Sortie), 2011, baseado no livro francês homônimo, de Christophe Dufossé. A direção coube a Sébastien Marnier, sendo estrelado por Laurent Lafitte (Pierre), Luana Bajrami (Apolline), Emmanuelle Bercot, Pascal Greggory, Grégory Montel etc.
Inicia-se o indicado ao Óscar com o suicídio seco de um professor, acometendo-se da janela lateral da Faculdade Saint Joseph, sob o olhar sem pânico, apenas surpreso, de doze alunos brilhantes, mas estranhos no comportamento. Vem substituí-lo Pierre Hoffman, meia idade. Conforme Festim Diabólico (Hitchcock), o grupo local de seis jovens institui uma espécie de seita privilegiada, excluindo os demais colegas, receptivos à dominação e muito couro. Emancipado, orgulhoso, treina formas de morrer, chegando ao ápice de experiências fatais entre si. Na sala de aula, ouvindo o sinal da diretoria, todos os pupilos desligam os celulares, preparando-se para ataques terroristas.
Aquele suicida, possivelmente, não suportara ver o universo sob a ótica dos doze discípulos pessimistas, porém apavorados. Entretanto, a especialização de Pierre (escrevendo tese a respeito d’ O Processo de Kafka, rodeado e comido por baratas metamórficas resistentes à hecatombe); essa especialização o teria capacitado à contemplação neutra da condição humana diante do caos. O fato derradeiro de Pierre segurar fortemente a mão da desafiadora líder Apolline significa aceitar o pacto de união grupal contra o Apocalipse premente.
Passado num ambiente de colégio limpo, todavia esdrúxulo, temeroso, o longa-metragem foi antevisto no livro de Freud, O Mal Estar da Civilização. Tentando auxiliar os jovens, Hoffman recebe diversas provocações por parte deles acerca da metodologia, competência, posição como substituto e, eventualmente, homossexual.
Por semelhante lado, posto entre o real e o espelho (vide o diálogo no banheiro), Marnier enfatiza, através de close e travellings, o caráter dual da presente conversa e a dubiedade do enredo. O segundo mestre, sempre de roupas pretas, salvando meia-dúzia de elementos da autodestruição, talvez esteja vivenciando uma obsessão por salvar a si próprio dela. Observamos que a cor escura na indumentária lhe revela o deslocamento marginal. Tal nota surge também na maior parte da película com a trilha sonora da dupla francesa Popmusic  Zombie Zombie, com o exótico coral cantando Free Money (música sobre dólares roubados, contrária a qualquer ensinamento), com os funcionários, lentes e diretores bizarros, com o clima ensolarado e depois sombrio ao longo da fita. Somemos a isso, a relação intertextual com o estado de tensão existente dentro e fora da França, submetida a constantes atentados terroristas.
Poderíamos dizer mais, contudo, saímos do Belas intranquila e certa de não bastar esperanças e boas intenções na lida com a geração millennial. Precisamos sair da atual zona de conforto, buscando, leitor e eu, compreender-nos, antes de compreendê-los.
Graça Rios

A MOÇA DO PIERCING DE LATÃO

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Imagem: tatuagenshd.com
Eleutério chegou a um ponto da vida que os desavisados chamam de melhor idade. Sendo assim, seus quilômetros rodados já são muitos, seu motor até já passou por retífica. Serviços de lanternagem ele não chegou a fazer: sua lataria apresenta amassados em vários lugares; sua pintura está desfigurada e os pneus estão, literalmente, carecas (qualquer escorregão é tombo certo).
Como aposentado, poderia estar com o burro amarrado na sombra, expressão que quer dizer: uma vida abonada e que, no Nordeste brasileiro, chamado de Paraíba pelo imprudente, recebe o nome de estribado. No entanto, tal hipótese só pode ser aventada para alguns, os da chamada elite – rol do qual ele nunca fez parte.
Como aposentado, Eleutério só sai de casa uma vez ou outra; normalmente ele satisfaz suas necessidades no bairro onde mora, com compras no Supermercado* (aquele que tem sempre um pertinho de você), na Panificadora** (de preço caro, mas de pão palatável, de pouco bromato) e no Sacolão*** (grande no tamanho, mas pequeno no preço). Quando vai à cidade, é para atender exigências ocasionais, como fazer compras no Mercado Central (ingredientes para a regular vitamina matinal: quinoa, semente de linhaça, chia, aveia – sem glúten, castanha do Pará) ou repor medicamentos na Drogaria¨¨ (Diltiazem 60, Somalgim 100, Timolol 0,5%, Sinvastatina 20, Losartana 25).  Vez ou outra, sai para consultas médicas ou compras.
(Se quer saber por que dá conta de sua vida com essa profusão de detalhes, ele explica: já que os aplicativos de Internet invadiram de vez sua privacidade, resolveu radicalizar e cair no domínio público; agora, sua vida é um livro aberto.)
Desta vez, ele está indo dar continuidade a um tratamento dentário, ocasionado pela perda de um dente e que foi provocada por uma bendita granola. Coisa desagradável, mas nada comparável com o que deve ter passado o deputado e pastor Marco Feliciano, que teve que desembolsar 157 mil com seu tratamento (valor “doado” pelo povo brasileiro, inclusive pelo assalariado, que teria que trabalhar 157 meses ou 13 anos, para dispor de tanto).
Quando chegou na estação MOVE, um ônibus já estava de saída. Eleutério entrou no veículo assim mesmo, com risco de ter de viajar em pé. Dito e feito. O ônibus estava cheio, e ele se ajeitou próximo a dois assentos preferenciais (“Para obesos, gestantes, pessoas com bebês ou crianças de colo, idosos e pessoas com deficiência” – dizia o cartaz afixado junto à vidraça do veículo). Os assentos estavam ocupados por duas mulheres: uma moça sentada na cadeira do canto, entretida com um aparelho celular, com os braços cobertos de tatuagens e com piercing no lábio inferior), e uma outra, sentada na cadeira externa, de pele clara e ostentando mais idade.
Logo que o ônibus começou a rodar, a ruiva se levantou. Eleutério pensou que ela ia descer no ponto mais próximo, mas não, ela estava oferecendo o lugar. Eleutério agradeceu a oferta. A mulher se justificou, dizendo:
- Eu fico constrangida se você não aceitar.
- Pode ficar tranquila, eu estou bem.
Enquanto isso, a moça de piercing e tatuagem nem “tchum”, ficou na dela, entretida com o celular, assistindo a um vídeo sobre maquiagem.
Depois de insistir por várias vezes, se oferecendo para levar a bolsa de Eleutério, a ruiva fechou os olhos, fingindo dormir.
Enquanto a viagem prosseguia, com o ônibus MOVE se deslocando feito minhoca por longas avenidas, Eleutério ficou pensando:
- Daqui a alguns anos, quando essas duas atingirem também a “melhor idade”, tenho quase certeza que, passando por uma situação igual a esta que experimento (ficando em pé diante de assentos preferenciais ocupados por pessoas mais jovens), teremos dois tipos diferentes de reação: 1) a ruiva ficará calada, até mesmo recusando com delicadeza, caso alguém lhe ofereça o assento; 2) a morena de piercing de latão irá aprontar o maior “barraco”, esbravejando pra todo mundo ouvir que o direito de assentar é dela, que é um absurdo alguém tomar seu lugar.
Eleutério, ao fazer tais conjecturas, está estendendo ao longo do tempo os efeitos da educação e de sua falta. Certamente ele não estará aqui para ver essa história, mas pede para deixar registrada sua premonição: enquanto os Marco Felicianos “metem a mão” no dinheiro público, a educação no país fica cada vez mais jogada às traças.  Tempos sombrios estão à espera de nossos filhos.
Etelvaldo Vieira de Melo

CORRA, MAS...

Ivani Cunha

TUDO DIA A MEMA NOITE

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Imagem: escolakids.uol.com.br
Kurole. Kule.
Emi nlo si ilê – Orisa.
Iansã, rainha dos morto.
Igba riru
ewe ni. Wo ni?
Home inventô um tar de Indeias Probitoro
Pumode cumbatê os saci pererê dos morro, as Emia benzida plas tia
Benta cum fuinha de funcho sujugada pra trais das cacunda.
Esse sobranceiudo iscritô, Muntero Lorbato, líndio perdão da esprança
dos povo africano de Angola, Congo e Bahia,
iscurraçado a sumi da ziscola, obra dos qui rechama isso di
pretonceto pretoceuto pretompreto precompreto.
Arrenego dos qui martrata as criança
das umbanda, dos candomblé.
Emi nlo si ile - Orisa.
Enyin maa já.
Nois é os diluivo noético nos litijo isclavizado plas trapaça dos
patrão.Traiz de vorta o bencriado Muntero Lorbato.
Suncê, Minininha do Cantuá, Diadurim, tomém traiz da cuizinha
um copo d’água presta Mãe de Santo.
Ngakho ubusuku
Obuhle.
Graça Rios

MANIPULADO E AMORDAÇADO

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Imagem: minilua.com
Estou assistindo a uma assustadora série pela Netflix de nome “Privacidade Hackeada”. Ela desvenda os bastidores da eleição presidencial americana em 2016, quando a ação da agência inglesa Cambridge Analytica contribuiu decisivamente para a vitória de Donald Trump.
De acordo com os testemunhos, em especial de Brittany Kaiser, ex-diretora de Desenvolvimento Empresarial da própria Cambridge Analytica, essa agência, usando dados armazenados de usuários do Facebook, conseguiu fazer um mapeamento do perfil dos eleitores americanos, com destaque para os que eram chamados de “persuasíveis”, isto é, aqueles eleitores cuja convicção não era firme e que, por isso, podiam ser manipulados. Para eles foi montada uma bateria especial de informações, propaganda e, notadamente, de fake News, notícias forjadas, enganosas. ”Nós os bombardeávamos com blogs, artigos nos sites, vídeos, anúncios... Todas as plataformas que pode imaginar. Até que vissem o mundo como nós queríamos. Até que votassem no nosso candidato” – disse uma das testemunhas.  E tudo deu no que deu.
Em certo momento de sua fala, Brittany Kaiser mencionou algo que me pareceu assustador: “As empresas mais ricas são as de tecnologia: Google, Facebook, Amazon, Tesla. E a razão pela qual essas empresas são as maiores do mundo é porque no ano passado dados superaram o petróleo em valor. Dados são os recursos mais valorizados da Terra. E essas empresas são valiosas porque elas têm explorado os recursos das pessoas”.
Para se entender o alcance destas palavras é preciso relacioná-las com o que disse Mark Zuckerberg, dono do Facebook, para a Comissão Judiciária e do Comércio do Senado dos Estados Unidos, quando o escândalo eleitoral veio à tona: “Minha principal prioridade sempre foi a missão social de conectar as pessoas, criando comunidade, fazendo o mundo ficar mais próximo”.
Sem dúvida, muito bonita esta fala. Ela mostra, no entanto, como é acertado o ditado que diz “de boas intenções o inferno anda cheio”. Quando o Facebook, a pretexto de aproximar as pessoas, começou a coletar dados de seus usuários, estava criando produtos que poderiam ser vendidos pra Deus e pro Diabo. Infelizmente, sabemos quem acaba comprando tudo: as agências de publicidade e seus anunciantes, políticos e pessoas inescrupulosas em busca de dinheiro, fama e poder.
A eleição americana é um retrato disso: eleitores tendo suas privacidades violadas de forma sutil e desonesta, sendo induzidas a dar o voto não necessariamente ao melhor candidato, mas àquele que se prestou a fazer um jogo de mentiras e manipulações.
Estará a Política condenada a ser cada vez mais um jogo de mentiras? O ser humano está condenado a se tornar cada vez mais uma marionete, um fantoche, uma “maria-que-vai-com-as-outras”?
Entre as pessoas com quem converso, muitas acham razoável trocar suas privacidades pelo uso gratuito do Facebook. Acontece que a troca não é tão simples assim: junto com a privacidade, estão vendendo a própria liberdade. Está passando da hora de resgatarmos nossos dados desses grandes grupos de tecnologia. Ninguém nasceu para ser massa de manobra. Nascemos para o exercício da Liberdade, ela que nos torna humanos, donos de nossas vidas e responsáveis por nossas decisões. As pessoas hoje estão se tornando sectárias, medrosas e rancorosas, estando confinadas em “comunidades” (guetos, na verdade), em permanente estado de hostilidade e de guerra com as outras “comunidades”. O discurso de tornar o mundo mais próximo é uma balela, um engodo. Se não abrirmos os olhos e não tomarmos uma atitude, estaremos semeando o caos e a destruição de nossa própria espécie.
Nota: Steve Bannon chefiou a campanha de Trump e também foi vice-presidente da Cambridge Analytica. Segundo Chris Wylie, ex-empregado da Cambridge, Bannon segue esta ideia: “Se você quiser mudar fundamentalmente a sociedade, primeiro tem que destruí-la. E somente depois de destruí-la é que pode remodelar os pedaços segundo sua visão de uma nova sociedade”. Curiosamente, Steve Bannon presta assessoria também a Jair Bolsonaro.
Quando observamos o presidente usando sistematicamente uma política de ódio e de medo, com discursos perversos contra as minorias, os nordestinos, as vítimas de massacres em presídios, os desaparecidos durante a Ditadura Militar, os que passam fome e os que vivem pelas ruas, talvez seja hora de irmos ajuntando os pontos, uma coisa com a outra, considerando que tamanha ignorância pode estar a camuflar uma certa lucidez, uma inteligência pensante. Talvez, quem sabe, isso seja uma estratégia para destruir de vez a tremeliquenta democracia brasileira. Talvez, quem sabe, seguindo roteiro traçado por Steve Bannon, aquele autêntico terrorista, aquele que prega a destruição da sociedade. Talvez, além de tudo, estejam achando que Judiciário, Legislativo, Forças Armadas e Grande Imprensa estão a dar respaldo para que o Mito puxe a espada e, tal qual o He-Man, esbraveje: “EU TENHO A FORÇA!”.    
Etelvaldo Vieira de Melo

MOVE AND MÓVEIS

Ivani Cunha
Nota de Esclarecimento: Em Belo Horizonte, MOVE é nome de um sistema de transporte coletivo.

MUDA BEM MAIS O CORAÇÃO DE UM INFIEL



                                              A Charles Baudelaire
Penso em ti, veloce rio Doce,
e mergulho em tua sina.
Antes, alva Garça,
roçavam tuas gráceis águas
                                    estas asas.

Hoje, ovos voos meus se vão.
Vão-se ribeirinhos mães-d’água relíquias bentinhos deuses cultos,
in memoriam.

(Penso em ti,
ao pensar minhas penas de fértil saudade.(

Extintos, brotarão ainda
pássaros peixes salamandras sapos macacos matas moluscos tamanduás
tartarugas tatus

                                                           ?

Tento escapar pelo céu irônico, cruelmente cinza,
à Hidra destrutora.
Senão,
ave turva
viúva

vaga nave                                                                                entrave,

hei sido sou serei
- sem viva luta -
luto vil, abjeto dejeto,
no covil do poluidor.
Graça Rios