VITÓRIA


Salve o Clube Atlético Mineiro,                                    
Imagem: imagensface.com.br
campeão da Libertadores.
Salve a nossa torcida,
lutadora,
e a alegria da espera compassada,
até a hora chegada.

Salve a bandeira,
branca como a luz,
e negra como ébano.

Salve aqueles que sabem
promovê-la.
Estrela, star, super-star
o Clube Atlético Mineiro
na noite de quarta-feira.

O nosso coração estava
tão aberto,
os jogadores estavam
em tempo alerta
e foi um show.
O time revelou-se em sua raça,
correu sob o impulso da massa
e ganhou.

Mas a vitória nunca se define
quando o futuro é incerto
e é um estigma.
Vamos, com fé, levar o grupo amado,
para a próxima,
o Bayern de Munique.



O VIRA-FOLHA, O VIGÁRIO E O VIRA-LATA



            Estou vivenciando agora, neste instante, o momento que antecede a um jogo de futebol, onde dois times decidem o título de Campeão das Américas. Lá fora, em todas as direções, pipocam, estouram, arrebentam foguetes. Em meio aos estouros, ouço gritos de guerra, como se toda a população da cidade fosse marchar de encontro a um inimigo feroz e perigoso. Não sei se vou ter o direito de assistir ao jogo pela TV, já que minha esposa acredita que eu iria torcer pelos adversários, embora eu jure - com os pés juntos, a mão direita estendida e espalmada, a esquerda voltada para as costas - que não, que serei solidário para com ela e o time da cidade. Ela simplesmente não acredita nas minhas palavras, já que, numa partida anterior, me viu dando chutes, enquanto assistia à transmissão, e esses chutes aconteciam justamente nas horas em que o adversário ia ao ataque. Está certo que cometi esse ato falho, ao mesmo tempo em que me dou conta de que coração e razão nem sempre andam lado a lado. Pelo que estou vendo, não vou poder assistir ao jogo, embora também não possa ir dormir, por causas dos foguetes e dos gritos. Falando nisso, ainda bem que estou em casa, protegido por quatro paredes, porque não existe algo que me assuste mais do que trovões e estouros de foguetes. Sobre os trovões, foram muitas e muitas vezes que fizeram com que me escondesse debaixo da cama. Os traumas quanto aos foguetes vieram da infância quando, acompanhando as procissões lá na minha pequena terra natal, eles eram arrebentados em profusão. Ao escutar um sendo atirado, só me tranquilizava quando olhava para o céu e via seu estouro uma, duas e três vezes. Se o foguete era de vara, meu medo ficava maior: e se aquilo, ao invés de subir, viesse correndo atrás de mim? O tempo passou, mas o medo persiste. Entretanto, eu me dou conta de não ser o único a ter tanto medo. Estou pensando nos cachorros que, tendo uma audição muito aguçada, devem estar sofrendo como nunca neste momento. Acho estranho a Sociedade Protetora dos Animais não ter se manifestado, pedindo uma proibição ou, pelo menos, uma limitação quanto à queima de fogos de artifício no dia de hoje. Agora mesmo, entre um barulho e outro, ouço um cachorro vira-lata latindo em desespero. Ninguém fez nada para aliviar seu sofrimento. Por que o Sr. Prefeito não tomou a providência de remover aqueles cães de rua, aqueles abandonados pela sorte, levando-os para um local distante por dois dias? Eu imagino que aqueles adotados por madames ou assumidos como filhos em muitas casas irão dispor da proteção de um fone ou de uma sala com isolamento acústico a lhes amenizar o desconforto diante de tanto barulho. Mas e os vira-latas, os renegados da sorte, os párias do mundo-cão, aqueles que vivem, literalmente, uma “vida de cachorro”, como irão sobreviver? Enquanto os cães uivam em desespero, cá estou impedido de ir para a cama e dormir o sonho dos anjos, sentindo-me coagido a ocupar meus pensamentos com os temas de futebol e reza. O futebol me faz lembrar daquela máxima do jogador que, de tão completo, bate o escanteio e sobe pra cabecear. Associando essa ideia com a da reza, estou me lembrando também daquele vigário que, a seu modo, cobrava o escanteio e subia pra cabecear. Assim ele fazia na sua paróquia, tocando o sino, espocando foguetes e celebrando a reza. Certo dia, de tão afoito, espocou o sino, tocou o foguete e estourou um dedo (o que me faz lembrar aquela piada antiga, mas boa – no jargão do locutor de um programa humorístico do rádio: a daquele sujeito que morava no 10º andar de um edifício. Toda noite, chegando ao apartamento, ele cuspia pela janela e se jogava na cama, até a vez que em que, distraído, cuspiu na cama e se jogou pela janela). Coitado (do padre, e não do personagem da piada), ele que respondia por uma paróquia pobre, fato que o compelia a sair tal qual bufarinheiro (vendedor de bugigangas ou mascate), visitando distritos e cidades pequenas, onde não havia o conforto espiritual de um pastor. Lá, ele se esbaldava, amealhando alguns trocados, celebrando missas no atacado e no varejo, colocando em dia as obrigações dos moradores com seus parentes defuntos. Numa dessas visitas pastorais e pecuniárias, participou de um almoço, onde mostrou outra de suas habilidades: a de comer demais. Estavam oito pessoas sentadas à mesa e a cozinheira começou a servir a refeição, colocando uma travessa de estrogonofe em frente ao padre, que cuidou de colocar em seu prato quase todo o conteúdo, aparentemente sem perceber que aquela travessa se destinava a todos os presentes.  “Muito obrigado – disse ele, - mas isso é muito para mim. Peço desculpas por deixar um pouco na travessa.” Olhando para o Monte Everest que havia se formado à sua frente, deu um sorriso de satisfação, deixando os demais presentes a ver navios. Certa vez, estive em sua casa e confirmei um pouco de sua sovinice: ele trancava a geladeira com cadeado, certamente temendo que alguém se aventurasse a lhe roubar os petiscos. Pensando bem, não me atrevo a dizer que ele, apesar de padre, cometesse o pecado capital da gula. Por que não considerar a hipótese de que estivesse, naquelas circunstâncias especiais, fazendo como um camelo a se abastecer para a travessia de um deserto, ou seja, para viver momentos de penúria em que o pão iria lhe faltar?  E, mesmo que cometesse o pecadilho da gula, não posso deixar sem registro ter sido ele  um homem com o coração do tamanho do mundo. Bom, chega de conversa, que, por hoje, é só. Vou providenciar um tampão para meus ouvidos e tratar de dormir, porque amanhã é um novo dia e tenho muitas coisas para fazer.
PS: Durante a madrugada e no dia seguinte, os foguetes continuaram estourando desesperadamente (para a torcida rival e os cachorros). Quando fui até uma padaria perto de casa, a fim de comprar um molho para uma macarronada, o gerente disse: “Está bem que a torcida manifeste alegria pelo título, até fiz algumas brincadeiras. Agora, entretanto, os torcedores estão passando dos limites.” Ao que outro presente observou, e eu transcrevo, só porque estou empenhado no registro da sabedoria popular: “Bem diz o ditado ‘quem nunca comeu melado, quando come, se lambuza’.”

Etelvaldo Vieira de Melo      

A ESPERANÇA


Imagem: forum.outerspace.terra.com.br
Esse bichinho verde
vertendo do coração.                                     
Fora essa incerteza
e essa indecisão.

Lá no alto
bela, bela, bela
resplende uma estrela
a única vista
nas grades do apartamento.

É uma estrela tão fria,
mas a vida não está vazia.

Passado o inverno,
vem o verão.
Os vencidos, nesse dia,
de novo vencerão.

Mas a estrela é tão fria,
mas o inverno é tão longo,
como ainda lançar o olhar?


A espera é sempre o lugar.  

O RAPTO DO RATO REGIS, AQUELE QUE NÃO ROEU A ROUPA DA RAINHA

 A existência desse rato inglês foi tornada pública em crônica postada em 01/12/2012. Passados quase oito meses, transcrevo a singular história de Regis, o rato que não roeu a roupa da rainha.

Se querem saber, o rato que não havia roído a roupa da rainha tinha um nome, registro e domicílio próprios, como sói acontecer aos ratos britânicos de nascença, colonização ou adoção.

Seu nome era Regis, genitivo de Rex, do Rei, conforme certidão passada em cartório aos seus pais, numa prova cabal de que, na Grã-Bretanha, até os ratos cultuam a monarquia.

Regis, além da devoção para com a rainha-mãe, Elizabeth, era fã ardoroso da princesa Diane, tendo vários de seus posters espalhados pelas paredes de sua toca. Por isso, torna-se deveras impossível descrever sua consternação, seu desespero quase, quando da morte daquela pela qual era ratazanalmente apaixonado. Entrou em estado de depressão, pensou até em suicídio, quando passava pela sua cabeça a hipótese do trono ser ocupado pelo príncipe herdeiro, Charles.

O domicílio de Regis estava no rés-do-chão de uma residência nas proximidades da Tower Bridge, aquela famosa ponte sobre o Tâmisa. Ele estava também próximo da Tower of London, uma fortaleza que havia sido transformada em museu. Regis visitou esse museu uma única vez, quando recebeu a visita de parentes vindos do interior. Sentiu-se na obrigação de levá-los até aquela antiga fortaleza, embora estivesse consternado diante da complexidade do comportamento humano: constrói armas de destruição, que provocam a morte de outros humanos e, depois, as exibe como troféus, conseguindo dividendos com a visita de turistas. Aquilo que deveria ser motivo de vergonha torna-se razão de orgulho.

Regis se sentia bem morando ali em Londres, junto com seus familiares e amigos. Ele não se incomodava nem um pouco com as variações climáticas, com as chuvas intermitentes. Enquanto rato de razoável nível cultural, sabia que a capital britânica tinha muito a lhe oferecer em termos de eventos em casas de espetáculos e museus: Cecil Sharp House, Union Chapel, Royal Albert Hall, 02 Arena, Royal Opera House, Museum of London, Bristish Museum... Apaixonado por futebol e torcedor do Chelsea, frequentava o Stamford Brigde e o Estádio de Wembley.

Certo dia, estando em visita ao Museu de Madame Tussauds, um museu de cera, Regis presenciou uma cena divertida. Havia muitos turistas desfilando entre personagens da história e do mundo do cinema. Entre eles, havia um brasileiro (Regis ficou sabendo por causa de sua fala). Ele estava posando para fotos ao lado de personagens históricos e artísticos. Quando ficou ao lado de Steve Spielberg para uma foto, muita gente pediu para que repetisse a pose. Assustado, ele se deu conta de que, com boné, ficava parecido com o diretor cinematográfico. Regis ouviu seu comentário com a esposa, ao que parece:
           
     - Está vendo só? Talvez Steve necessite de alguém para representá-lo em alguma situação. Não custa nada fazer uma investida nesse sentido. Quando estiver no Brasil, vou quebrar os traumas de minha adolescência e fazer um curso de inglês para me tornar, quem sabe, dublê de um famoso e ainda podendo faturar algum.

A lembrança desse fato provocava em Regis um sorriso amargo. Já havia passado muitos anos, mas ele não tinha como esquecer aquela que era a luz, o queijo suíço de seus olhos.

Até o dia em que ele estava nas proximidades da Loja Primark, com o olhar perdido no infinito, nem se dando conta do burburinho de pessoas num entra-e-sai frenético, com sacolas abarrotadas de compras. Em épocas passadas, não lhe passaria despercebida a profusão de mulheres árabes e seus vestidos típicos. Ele haveria até de fazer um comentário mordaz: “Olha onde vieram parar os petrodólares!” Mas não naquele momento, quase atropelado por pés apressados.

Foi, então, que aconteceu o inusitado: uma mão se estendeu até ele e o pegou com cuidado. Tratava-se de um indiano, acompanhado por uma mulher. Entorpecido e um pouco assustado, ouviu-o falar:
            
     - Veja, Rajnandhini, sinto pela maneira de olhar que este rato é a reencarnação de meu pai, Jayanti.
            
     - Suas palavras são sábias, Abhijat. Vamos levá-lo para o Templo de Kasni Mata, onde ele poderá se tornar um kaba.
            
E, assim, Regis foi levado para a Índia e alojado no templo de Kasni Mata, ou Templo dos Ratos, onde se tornou um kaba, um rato sagrado. Lá, ele é tratado e alimentado com todas as honrarias. Aos poucos, a dor pela perda da princesa foi passando e, agora, já é visto passeando alegremente entre as salas. Caso você queira visitar esse templo, não se esqueça de cumprir algumas formalidades, como, por exemplo, a de tirar os calçados, mesmo tendo, depois, que pisar nos excrementos dos ratos. Talvez possa identificar Regis em meio a mais de 15.000 outros. Se prestar atenção, vai descobrir fácil: seu sotaque inglês é inconfundível.

OBS: Einstein teve aquele insight sobre a Teoria da Relatividade observando situações como a descrita acima. Ser rato pode representar uma bênção ou uma maldição, tudo dependendo do contexto.
              Etelvaldo Vieira de Melo
                       
           




QUADRINHA

Imagem: lancesenuances.org
Por cima da casa
passou um avião.
Na asa estava escrito
 
 “Salve o Clube Atlético Mineiro  
Galo Forte, Vingador,
daqui a pouco Campeão
da Libertadores da América”.

DIÁLOGO DE SURDOS



Tenho comigo, no rol de minhas lembranças periféricas, um caso ocorrido na realidade dos fatos reais, e que não é fruto de fantasias do faz-de-conta, invenção de quem não tem o que fazer. Como os personagens são verdadeiros de verdade, temendo que um deles (ou os dois), estando eu passando pelas imediações do cemitério, saia do túmulo e queira tirar satisfação, eu - que já não posso mais levar um nisquinho de susto – vou tomar o cuidado de designá-los com nomes fictícios para transcrever o que sucedeu entre ambos.

Estava Liliu caminhando pelo meio de uma rua da cidade, carregando ao ombro um embornal e empunhando com a mão esquerda uma vara, tal como se sucede com os militares em desfile de 7 de setembro com os fuzis.

Liliu caminhava pelo meio da rua porque, naquele tempo, rua era feita para isso mesmo: para as pessoas transitarem, e não como acontece hoje, onde o pedestre mal consegue se deslocar pelo passeio.

Estava, pois, Liliu caminhando pela rua quando, da janela de uma casa, Gidinho o avistou e gritou:
               
                - Liliu, você está indo pescar?

Ouvindo o grito e julgando ter entendido o significado, Liliu respondeu:
                
                - Não, Gidinho, eu estou é indo pescar!
                
                - Ahhh – falou Gidinho -. Eu achei que você estivesse indo pescar.

Uma das revistas que tenho à mão, quando abro em meu cérebro uma das caixas vazias - o que ocorre, nesse caso muito regularmente, uma vez por dia – mostra em sua página 31, do dia 08/02/2012, uma sessão chamada Toma Lá Dá Cá (Revista Isto É ). Pela propriedade do tema, vale transcrevê-la:


MIRO TEIXEIRA, DEPUTADO FEDERAL PELO PDT- RJ
ISTO É – Por que o senhor defende um plebiscito sobre a reforma política?
MIRO – Acredito que o eleitor olhará com desconfiança qualquer projeto que seja feito por deputados e senadores. Pensará que os políticos estão cuidando da própria pele e tornando o caminho mais fácil para se eleger.
ISTO É – Mas os eleitores terão capacidade de escolher o melhor sistema eleitoral? Esse não é um tema muito técnico?
MIRO – Haverá um período de debates no qual a imprensa vai exercer um papel importante. E o TSE também vai atuar na elucidação das dúvidas.
ISTO É – O Congresso aprovará sua proposta de plebiscito?
 MIRO – A proposta está ganhando muita força. O vice-presidente Michel Temer já declarou apoio em nome do PMDB. E o PR e o PTB também.


Ah, deputado, se o senhor tivesse o dom da premonição teria se empenhado ainda mais para que o Congresso aprovasse sua proposta! Viu o que deu? O povo, através da voz dos jovens e que é a voz da Esperança, mostrou nas ruas que está cansado de tanta roubalheira, de tanta impunidade, de tanta corrupção. Esse Congresso acha que ainda estamos na época do “jeitinho”, de que dá “pra empurrar com a barriga”, que nos esquecemos facilmente das coisas. Foi isso que pensei ao ler declarações do próprio Michel Temer, aquele que prometeu apoio à sua proposta, dia 04/06/2013, logo após uma reunião de lideranças políticas: Não há mais condições de fazer qualquer consulta antes de outubro e, não havendo condições temporais, qualquer reforma que venha, só se aplicará para as próximas eleições”, disse Temer, após a reunião. “O que é inexorável tem que ser aceito”, ressaltou ele, ao informar que a base aliada do governo no Senado será ouvida ao longo do dia.

De tudo isso, eu depreendo que os sistemas Político e Eleitoral que aí estão existem para favorecer quem está lá dentro e aos seus sucessores, como acontecia nas Capitanias Hereditárias, com tudo de ruim e errado que podemos imaginar: corrupção, impunidade, corporativismo, desperdício do dinheiro público e por aí afora; que a Grande Imprensa também se locupleta, tira vantagem da situação, quando o povo é convocado, a cada dois anos, para encenar a farsa de uma eleição de cartas marcadas, e ela vende espaços nos jornais, revistas e tevês. Todo mundo leva sua cota de vantagem: os políticos, a imprensa, os empresários, as agências de publicidade e de pesquisa de opinião. Todo mundo, menos o povo que, agora, em junho, resolveu mostrar a cara para dar um basta nessa desordem e dizer que, daqui para a frente, o Brasil nunca mais será do jeito que era. Em junho, o Brasil virou uma página, com o povo mostrando ser ele o personagem principal da História, e não mais a classe política, os juízes e as lideranças religiosas.
            
Quando das manifestações, eu ficava imaginando um possível diálogo entre povo e políticos, nos moldes de um Diálogo de Surdos:
           
            - Queremos hospital!
            - Sim, o Brasil precisa de estádio de futebol.
            - Estou cansado de tanta corrupção!
            - É isso, vamos todos torcer pela seleção.
            - Padrão FIFA para a segurança da população!
            - É verdade: político só chega perto de povo em véspera de eleição.
            - Cadeia para os ladrões!
            - Salve,  salve a Copa das Confederações.
            - Queremos transporte, saúde e educação!
            - Numa corrente pra frente pro Brasil ser campeão!

Etelvaldo Vieira de Melo

COPA E CAPA

Imagem: montanhasm.wordpress.com

A palavra corrupção
me dá con-gestão.
A palavra liberdade
me leva uma saudade!
A palavra voto
me causa terremoto.
A palavra presidenta
me deixa sedenta, lulenta
agourenta com a gramática.
A palavra senado
me dói um bocado.
A palavra comandante
me ordena adiante.
A palavra prefeito
me rouba o direito.
A palavra futebol
me embrulha num rol.
A palavra Brasil
por causa dos bicos
(Sarney, Maluf, Collor & Cia)
me lembra um funil.
(Ou fuzil?)
(Ou canil?)
(Ou barril?)



CIÊNCIA & RELIGIÃO: UM DIÁLOGO POSSÍVEL E NECESSÁRIO


Muitas vezes, o peixe morre é pela boca. Ao lidar com palavras, corro o risco de me perder em temas nebulosos, aparentemente ingênuos, mas que acabam se tornando verdadeiras areias movediças. Procuro me conter, não por uma questão de medo, mas por entender meus limites e o desejo de tornar esses encontros momentos de descontração, humor, alegria.
Fazer confronto entre ciência e religião pode se constituir um tema explosivo. Ao analisarmos apenas duas citações sobre a questão, veríamos como ele pode ser complexo: É atribuída a Sêneca a frase de que “a religião é um pouco verdadeira para os pobres, falsa para os sábios e útil para os dirigentes”; já Richard Dawkins afirma que “Eu sou contra a religião porque ela nos ensina a nos satisfazermos ao não entender o mundo”.
Um médico disse para uma amiga que ela está na idade de prestar atenção ao momento presente, que ela não pode fazer as coisas distraidamente. Julgamos que o conselho vale para todos: prestar atenção ao momento, aproveitar o que a vida oferece de bom, enxergando as coisas em suas reais dimensões. Abrir bem os olhos, ser honesto com a gente mesmo, reconhecendo o que queremos de verdade.
A presente reflexão nasce do cuidado que estou tendo com tudo aquilo que tem acontecido em minha vida. Falemos, primeiro, das ciências.
A citação de Richard Dawkins mostra como o ser humano é pretensioso: ele quer entender o mundo! Nada de errado em querer tanto. Mas eu pergunto: em não sei quantos mil anos de história, conseguiu ele pelo menos um esboço de explicação racional satisfatória, plausível? A não ser que se aceite aquela que foi dada por Sartre de que o homem é um deus fracassado, uma paixão inútil! Agarro com unhas e dentes essa perspectiva de entender a vida, de entender o mundo de forma racional; daí, aquele princípio de que “aprendizagem é a arte de desocultar mistérios”. Mas mistérios podem ser de toda natureza, até mesmo sobrenaturais, por que não?
É isso que me incomoda no sectarismo, na forma dogmática como certas pessoas se posicionam diante da vida. E muitos o fazem em nome da ciência! Como bem dizia Will Durant: “A ciência nos ensina a curar e a matar; reduz a taxa de mortalidade no varejo e depois nos mata por atacado na guerra... por si só, não pode nos salvar da devastação e do desespero.”
Atacado por dores por tudo quanto é lado, qual Estado da Palestina frente a Israel, procurei um médico ortopedista e lhe fiz a pergunta crucial:
- Você acredita em Deus?
Ele deu um sorrisinho maroto e respondeu:
- É claro que não.
- Pois bem – falei eu. – Caso o senhor não resolva o problema dessas minhas dores, vou retornar para minha antiga religião.
Está claro que entendo certos problemas serem decorrentes da idade, mas me incomoda ver como pessoas e até profissionais conseguem matar um dos mais importantes dons da vida e que se chama “esperança”. A ciência e a tecnologia avançam de forma extraordinária, mas os homens da ciência, muitas vezes por causa de seu saber fragmentado, especializado, perdem de vista o ser humano como um todo, cometem deslizes fatais com o mau uso das palavras.
As palavras! É no campo das palavras que brota a semente e dissemina a religião. Porque é ali que ela se solta das amarras da verificação empírica, dos testes e das provas, para alçar voos nas altitudes dos desejos reprimidos, das carências, dos medos, das fraquezas. As religiões se multiplicam, os templos se espalham pelo Brasil afora. Com a globalização, importamos expressões estrangeiras e exportamos religiões. Outro dia, fiquei impressionado ao tomar conhecimento da quantidade de templos que uma matriz brasileira tinha espalhados pelo mundo. Falam que as religiões são tantas que um indivíduo, desorientado na busca de uma, acaba criando a sua.
De tudo que andei observando e pensando, vejo que tanto a ciência tem muito o que ensinar para a religião (abrindo os olhos da consciência ingênua, da manipulação e do fanatismo, chamando a atenção daquelas pessoas simples e crédulas para o perigo dos aproveitadores que as exploram financeiramente ou roubam seus votos para cargos políticos), como a religião tem a ensinar para a ciência, quando mostra que o ser humano, além da razão, é portador de sentimentos, emoções, fantasias e desejos.
Quase ao final desta reflexão, como se isso fosse possível, torno minhas as palavras de dois autores.
Primeiro, Jostein Gaarder, no seu livro A garota das Laranjas:
1º) “Eu próprio sou cientista e por certo não hei de ter espírito anticientífico, mas mesmo assim nunca abri mão da minha visão de mundo mítica e um pouco animista. Nunca deixei que Newton ou Darwin me roubassem o verdadeiro mistério da vida”;
2º) “Imagine, Georg, se do outro lado também existisse uma mão que a gente pudesse segurar! Mas eu não acredito que exista um outro lado. Disso eu quase tenho certeza. Tudo quanto existe é apenas passageiro, tudo chega ao fim. Mas, geralmente, a última coisa que a gente segura é uma mão”;
3º) “Sempre que a gente ‘morria’ nesse jogo (um jogo de computador), aparecia um novo cenário onde recomeçar. Quem garante que não há um novo ‘cenário’ para a alma? Eu não acredito, palavra que não. Mas o sonho do improvável tem nome. Chama-se ‘esperança’.”
Fábio de Melo, o segundo autor, posiciona-se, podemos dizer, na outra margem do rio, embora ele fale, recorrendo a Guimarães Rosa, em uma terceira margem, “casa das esperanças humanas, lugar onde os medos são consolados”. Numa de suas cartas, em Cartas entre Amigos, Sobre Medos Contemporâneos, livro escrito em parceria com Gabriel Chalita, ele afirma coisas que se aproximam do que diz o autor de O Mundo de Sofia: “Gabriel, o grande poder que o medo da morte exerce sobre nós parece estar ligado ao sentimento de absurdo e vacuidade que experimentamos... Uma terapia que considere as coisas do espírito é de fundamental importância na superação dos medos. A materialização das questões não resolve nossos conflitos. O materialismo e sua tentativa de suprir todas as necessidades humanas já chegaram ao extremos de sua inaptidão. Estamos com medo de viver, medo de envelhecer, medo de morrer. Estamos com medo de nós mesmos e de tudo que nos é próprio... A morte prevalece toda vez que perdemos as esperanças. O vazio, a falta de sentido, apressa ainda mais os efeitos da finitude em nossa vida”. No final desta carta, ele conclui, poeticamente: “Fico aqui. Quando posso, vou. Mas, quando não vou, dou um jeito de aprender a ficar. Eu me agarro às esperanças. Elas são muitas. Elas são tantas! Estão por todos os lados, mas costumam estar adormecidas. O segredo é gritar por elas. A esperança tem sono leve.”
Para mim, bom mesmo foi ter recorrido a um farmacêutico de longa experiência profissional e de vida, ainda motivado pelas dores pelo corpo. Ao final da consulta e de uma injeção cavalar, ele me disse:
- A ciência pode lhe fazer muito bem, mas Deus pode lhe fazer melhor. Você acredita nisso?
- Doutor, dizem que a fé remove montanhas. Depois dessa injeção, estou pensando seriamente em deslocar as montanhas que envolvem nossa cidade, corrompidas pelas mineradoras que as transformaram em uma casca de ovo, e trocá-las por outras novinhas em folha!
Não sei se me faço entender, mas é aqui onde quero chegar. O terreno de areia movediça, do qual falava no início e indigitava os riscos do sectarismo da religião e da ciência, também oferece a possibilidade de você seguir em frente: uma corda que se chama “esperança”. É ela que irá nos acompanhar pelos rios da vida, rios que irão, quem sabe, nos levar até o mar. Porque têm razão os antigos quando diziam aquela frase, imortalizada no poema de Fernando Pessoa: “Navegar é preciso, viver não é preciso”. A vida é pra ser navegada e nós não fomos feitos para ficarmos em suas margens. Ciência e Religião estão aí para alimentar as nossas esperanças; o que importa é aproveitá-las com inteligência.
Quando 2013 batia à porta, pedindo licença para entrar, postei – em 29/12/2012 – uma crônica chamada A Esperança Nossa de Todos os Dias. Seis meses depois, transcrevo uma das passagens: Ela, a esperança, resiste porque é o oxigênio da vida e nos permite acreditar no amanhã, apesar de tudo aquilo de ruim que conspira contra as possibilidades de ser feliz... Que, nesta passagem de ano, possa você reanimar a esperança que carrega consigo, uma esperança abalada, machucada diante de tantas decepções e maus exemplos. Não a deixe morrer, pois, quando morre a esperança, também morre todo sentimento de humanidade.
No final, havia o apelo de que a esperança fosse compartilhada, de que a honestidade valia a pena, que a vida deveria ser cuidada, que as sementes da alegria, da amizade e do amor fossem semeadas e o canteiro do mundo pudesse ser, sim, um jardim de felicidade para todos.
Etelvaldo Vieira de Melo