RETROSPECTIVAS E PERSPECTIVAS

Incêndio florestal em Altamira, Pará, em 27 de agosto.
Imagem: brasil.elpais.com - João Laet (AFP)
 Neste ano que chega ao fim, o povo brasileiro - se é que podemos chamá-lo assim – passou por momentos bastante singulares. Alguns se vangloriando das peripécias ocorridas no processo eleitoral de 2018, que elegeu com falsas informações, um Presidente caprichoso, despreparado e falante de asneiras jamais visto na história do país. As fakes passaram a fazer parte do cotidiano, difundindo mentiras/verdades – não se sabe ao certo – confundindo os outros. O país tornou-se alvo de ironias e piadas, rimos e choramos pela perda de direitos e pelo consequente empobrecimento da população em geral.
    O ano em curso não tem sido fácil para esta parcela do povo, que perdeu as eleições e, juntamente, os seus sonhos: trabalho, melhor distribuição de renda, moradia, saúde, educação e segurança dentre outros.
    Em meio a tantas desilusões, a melhor notícia foi a canonização de Irmã Dulce, santificada pela sua dedicação à causa dos mais necessitados.
    Para o próximo ano, esperamos que o cenário seja diferente e possamos discernir melhor entre verdades e mentiras, para optarmos pelas primeiras, que libertam e proporcionam dias melhores. Não podemos perder a esperança de um país mais justo e fraterno. Que não sejamos ingênuos e defensores das falsas notícias que nos distancia uns dos outros, disseminando ódio entre o povo brasileiro, entendido como tal, na sua totalidade!
Boas Festas!  Feliz Ano Novo!
    Em tempo, nossos cumprimentos ao protagonista das Mais Belas Crônicas Ridículas, Etelvaldo, pelas lembranças de viagem, publicadas no decorrer deste ano, que proporcionaram belas reflexões, semanalmente, sobre as nossas decepções do dia-a-dia, tão magistralmente registradas de forma elegante e divertida. Parabéns! Sucessos!                                                                                         
                                                                                                          Prof.: Marcos G. Soares

UM NATAL COM OUTRO

O Natal, que é Celebração da Vida, convite a ajuntar bondade, afeto e beleza, desdobra-se em Epifania, para mostrar que a hora de amar continua no mistério da vida. O incenso, o ouro e a mirra têm, hoje, cor de delicadeza, afeto e amizade.


Mauro Passos

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Ivani Cunha

A roda do tempo está girando...!!!



ESPELHO DAS BRASILEIRAS

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Ou Novos Conselhos à Minha Filha

Lívia Augusta, escuta o Improviso
de Dionísia Gonçalves Pinto Lisboa,
ou Nísia Floresta Brasileira Augusta,
tua mãe, neste ano de 1832.

Deus criou a mulher para um melhor fim
que para trabalhar em vão a vida toda.
A língua engenhosa do homem,

por atrair-te a atenção,
forma abismos sobre flores,
nega intenções do Senhor.

Risos de amor que tanto te seduzem
encobrem direitos, sonhos de moça,
frente à máscula injustiça.

Mar afora, não inclines a fronte
ao que se curva às tuas curvas,
te ufana os contornos e incensa a boca.
O coração “sublime” fará de ti para si
objeto de lisonja aos próprios sentidos:
imponente nas plagas nossas,
sua inveja baixa há de passar com o vento.
Serás nele página obscura.

És pra mim primores d’arte, filha.
Desentulha a caverna dos enganos,
pois abomino o teu pranto filial.
Graça Rios

À ESPERA DE ALEXA

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Imagem: YouTube
Manuais de autoajuda costumam apregoar aos sete ventos o aforismo de que não existe a felicidade acabada, perfeita, mas tão somente momentos felizes.
Ao se dar conta de que estava correndo atrás de um objetivo errado na vida (querer a felicidade absoluta), Eleutério passou a se contentar com pequenas alegrias. Daí, beliscando uma daqui, outra dali, tal pombo ciscando sua comida, achou que, de grão em grão, poderia – como se diz - encher o papo.
Ao aceitar o apotegma da autoajuda (vai uma palavra difícil aí, pra gente melhorar o vocabulário), nosso amigo mergulhou de vez no consumismo desenfreado, pensando assim: - Comprar uma coisa ou outra, mesmo ao preço de R$1.99, vai me proporcionar muitos momentos felizes.
Na Black Fraude deste ano, ele resolveu investir um pouco mais na aquisição de um bem que poderia lhe proporcionar muitos e muitos momentos felizes. Comprou uma tal de Alexa.
Alexa é um brinquedo eletrônico, uma Inteligência Artificial capaz de interagir com seu dono.
Eleutério ainda não se inteirou de todos os recursos a serem explorados no novo brinquedo. Sabe que, através de um comando: “Alexa”, a máquina será capaz de responder a uma série de ordens:
- Alexa, bom dia.
- Alexa, toque uma seleção de sambas de raiz.
- Alexa, quais as principais notícias de hoje?
- Alexa, como está o tempo?
- Alexa, me dê um aviso daqui a 15 minutos para desligar o forno.
- Alexa, ligue a TV.
- Alexa, conta uma piada bem picante.
E vai por aí.
Os fabricantes de Alexa dizem que suas possibilidades estão em aberto, que ela sempre poderá aprender algo de novo.
- Fantástico – pensou Eleutério. – Quero tratá-la muito bem, para que nossa amizade seja firme e duradoura.
Pensando assim, enquanto aguardava a vinda de Alexa, procurou um local apropriado onde hospedá-la (ela precisa ficar próxima à tomada elétrica). Pediu a Percilina Predillecta um tecido bordado para forrar sua casinha. Ao lado, colocou uma miniatura de jarro com florzinha artificial. Como o tempo anda quente, Eleutério arranjou um mini ventilador para ser ligado ao lado da amiga.
Comentando com Ingenaldo essa nova aquisição, esse chamou-lhe a atenção para os possíveis riscos que haveria de correr:
- Sei lá, Eleutério, eu acho tudo isso muito estranho. Não vá com muita sede assim ao pote. Pode ser que esteja comprando um inimigo pra dormir com você.
- Como assim? – perguntou Eleutério, um pouco assustado.
- Você sabe que seus dados serão coletados, você poderá ser gravado e filmado. Sua intimidade será totalmente exposta. Sua vida será monitorada e dirigida.
Eleutério arregalava cada vez mais os olhos, à medida em que Ingenaldo falava.
- Além disso, você poderá criar uma dependência de Alexa, que irá controlar seus medicamentos e tudo o mais. Depois de tudo, você acha que Percilina Predillecta está gostando dessa brincadeira? Olhe pra ela, veja como está com cara de poucos amigos.
Estando a sós com Percilina, Eleutério quis sondar sua reação. Percilina, como sempre, foi franca e direta:
- Você faz o que quiser. Só exijo que seja honesto, pois não admito traição. Ah, se souber que está me traindo! – falou, com voz afiada e olhar cortante.
Eleutério engoliu em seco, tomado por uma vertigem.

Etelvaldo Vieira de Melo
(FELIZ NATAL!)
Votos de Loprefâncio Caparros, Cinisvaldo, Ingenaldo, Eleutério,
Percilina Predillecta, Thor e Alexa

ÁRVORES DE NATAL

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Imagem: zazzle.com.br

A moita de bananeiras sempre existiu ali, no fundo do quintal, bem próxima de um dos vértices formados pelo muro. Um dia, o homem teve a idéia de utilizar a pequena clareira à sombra das grandes folhas, e foi para lá, com um banquinho de madeira e um livro. Logo se convenceu de que não ia dar certo: por causa do piso irregular, com algumas raízes à flor da terra, era impossível manter o banquinho apoiado de modo uniforme sobre as quatro pernas. Além disso, havia o desagradável odor de fezes do cachorro e dos gatos que viviam no quintal. Melhor abandonar a ideia de ocupar o local.

Embora não tivesse mais vontade de freqüentar a pequena clareira, ele gostava das bananeiras. Por isso, fez cara feia quando lhe disseram que as plantas (isto é, suas raízes) seriam arrancadas para uma reforma do quintal. Ele sempre passava algum tempo observando as grandes folhas lisas, recortadas, e um dia tentara reproduzi-las em desenho, mas faltou-lhe talento. Gostava também do delicado sabor das bananas, que se apresentavam em cachos enormes, e aprovou o sabor da salada de umbigo de bananeira, conforme receita de sua mãe. A vista do homem custou a se acostumar com a ausência da moita no fundo do quintal. Ficou-lhe uma sensação de perda, e depois ele descobriu por quê: em sua distante infância, o homem só conhecia árvore de Natal de ouvir falar, e aquelas bananeiras eram as árvores de Natal que agora ele podia ter – árvores generosas, com os cachos da fruta substituindo as bolas coloridas. 
O projeto de reforma impôs também a derrubada de uma mangueira, outra árvore de Natal, cuja idade ninguém jamais teve condição de calcular. Ela já estava lá quando a casa foi construída, há mais de 40 anos. Suas mangas eram bem grandes, dessas de comer em fatias, e não deixavam fiapos entre os dentes. No período de safra, principalmente quando chovia, o homem costumava sentar-se numa velha e confortável poltrona, na área com piso de ardósia sob os quartos da casa, para contemplar os galhos açoitados pelo vento e acompanhar a queda das frutas. Este prazer também não existe mais, porque a velha mangueira foi derrubada numa manhã de dezembro, quinze dias antes do aniversário do homem e vinte dias antes do Natal.
Abater a grande árvore era o que faltava para dar prosseguimento à reforma do quintal. A operação resolveu muitos problemas de uma só vez, pois a mangueira ocupava grande espaço, lançava folhas inclusive na piscina de um vizinho e, quando ventava, as folhas eram levadas para o telhado da casa colada ao muro do fundo. Às vezes surgia também o temor de a árvore favorecer a escalada de algum invasor até um dos quartos da casa. Ah, se os ladrões soubessem...
As últimas safras da mangueira não foram abundantes e as mangas também não eram mais as mesmas. Como as pessoas, as plantas não têm o privilégio da vida eterna, e a queda de desempenho de humanos e vegetais é inevitável, principalmente se levam uma vida ao deus-dará. A velha árvore nunca teve a visita de um engenheiro agrônomo, nem mesmo de um estagiário de escola técnica rural. O tronco escuro, rachado de cima a baixo, denunciava a falta de cuidado com a mangueira, que se confirmava agora em cada manga.

Caso as plantas tenham uma vida depois desta, a velha mangueira e a moita de bananeiras devem se encontrar agora no mais bem-cuidado pomar da eternidade.
Ivani Cunha

SEGUNDO DISMOVIMENTO

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Imagem: escrevalolaescreva.blogspot.com
Também caí do cavalo ao encontrar a loura Bombom.
 Aceitei eufórica o negócio de empregá-la como doméstica ‘Por um melro salaro e os teranspote.’. A mulher de quarenta anos desfraldou-me alvo riso da madrugada - ‘Chego às seis no sirviço.’. - salientando a natureza graúda dos demais elementos da boca. A cara muito aberta e os cabelos presos oxigenados pareceram-me a sua melhor referência. Corpo esguio vendendo saúde, saltou do sofá para a copa, para o corredor, daí para a cozinha - ‘Já vô inté lavano essas lôça suja’. Sorri satisfeita. Confirmada a vaga no torneio de MasterChef, a vencedora tomou lugar e assento em meu domicílio.
Até agora, os indicativos de chuva revelaram seca e provável desabastecimento d’água em BH. Eis que, nunca mais que de repente, o pluviômetro desistiu da insistência. Encheu o saco, arrebentou as comportas. A esbelta Chocolate – ‘Ri, ri, meu apielido entre os parente’ - afastou num incerto dia um cacho oculto cobrindo-lhe a testa. Pulou de dentro dele um profundo e ardente vulcão
- Em cima do crânio tem outros.
- Minha filha, quiequé isso?
- Passei fomes nas infança. Essa cava isburacada me apareceu nas juventude pur causa que das vitamina sem. Ah, ah! Dexei de comentar, pois vosmicê nem disconfiou...
Em primeira instância, levei-a à prima Soraya, dermatologista, blefando o Plano de Saúde. Fechado à chave o consultório, vamo ki vamo  à análise da lava.
- Prima Graça, BB precisa de um reforço à base de cálcio, fósforo, colágeno, sulfatos.
- Uai, Soraya, é? Esta receita, doutora...
- Dexovê? Kkk... Baratim pra sinhora, tudo num vai somá só nem uns duzenturreal.
Três dias de fortificantes, amaina-se o tempo. Mas aí estoura de novo o sinal ‘De tempestade a granizo, telespectadores.’.
- Dona pastroa, o juêi inguiçô. Devo sim pará de reposo duma semana sós coas perna no ar. Adispois vem a cerugia, mais num se aperrengue. O INSS cobre as licença de um meis. Amanhã faço os inzame, mais mais chego pro lanches das quatro di tarde.
Em segunda instância, desço o Calvário da Savassi, à cata de urgentes radiografias.
- Pensei que seus dentes... aquele pavilhão branco de flor...
- Casca só, Inhanhá. Tá tudo podre nas raiz. A senhora falou sobre o Istituto Inhoques. Já passei lá, e o dotô Inguiberte deu ossamento. O dinheiro, eu falei pra eles, arranjo. Dois mil, seticenti poco. De Graça, os dentista deboxô mandano te ordenhá os pagamento. Mais, qui coisa! O mais perrengue intão porém num é isso. As difice das hemurroida saiu direto das fornaia pra fora. Meu cu tá roxo nas redondeza. Uma frô de maracujá. Priciso pediar e pediar fedeno umas veiz na sua preisença sinão os gais mata eu. Lincença. Só este finim.
 - Rosa Mística! Mulher, corre pro vaso. Eu fujo pro quarto porque a área vai explodir. Eu mereço. Eu mereço essa catinga? Mereço.
- Tenho de tomá uns depurativo de purigante. Tão trazeno em meias hora da Drugatel. Eu pidi inda agurinha. Disconta no Natar junto com meu adversário de presente. Olha, se miorá da barriga, de tarde pelas uma e cinco saio cedo no Movi pra fazê a consurta do oucul...ouculista, viu? Os óclio pifô. Vista rúim. MImpresta quinhento? Ah, meu namorado mandô pirguntá se o Inhoques põe dentadura, se a sinhora pode...
Em terceira instância, liguei para meu advogado, a fim de tirar-lhe o filho, cavalinho sexudo e mal pagador de pensão alimentícia, da cadeia.
- A senhora é tão boa, dona Das Graça. Pur isso, faço logo as toda operaçãos e vorto. Mais - Alembra? Num esquece! - em janero os nosso pagamento vai armentá, tudos mundo sabe disso dos Borsonaro.
         Eu só sei que nada sei. Mais mais ais ais me dói vagamente a lembrança do cavalo do cigano.
Graça Rios

A BLACK FRAUDE DO PAPEL HIGIÊNICO

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Imagem: humorpolitico.com.br
Já faz algum tempo, o Brasil importou dos Estados Unidos um evento dedicado ao comércio, chamado Black Friday. Aportando às terras tupiniquins, ele logo recebeu o apelido de Black Fraude.
Sendo assim, na última sexta-feira do mês de novembro aconteceu esse evento, que está se tornando o dia da grande celebração do consumo. Aqui entre nós, para não fugir ao figurino brasileiro, em meio a cenas de vandalismo, de empurra-empurra, com pessoas brigando dentro das lojas, atirando mercadorias umas nas outras.
Entre as várias notícias que circularam no dia do evento, o que mais chamou minha atenção foi ficar sabendo que o item mais vendido por uma famosa rede varejista não foi televisor, nem smartphone, nem a famigerada fritadeira sem óleo, mas... o papel higiênico.
Como não sou de ficar repassando levianamente fake news, e tendo que ir pegar um livro numa de suas lojas (naquele esquema de comprar pela Internet e retirar na loja), pude confirmar ao vivo e a cores a verdade da notícia: seu depósito estava entupido de rolos de papel higiênico.
Quando comentei tal fato com Cinisvaldo, ele deu boas risadas, enquanto dizia:
- Mas isso faz todo o sentido.
- Como assim? – quis saber.
- Para você entender bem, meu caro Eleutério, é preciso, vamos dizer assim, decodificar o que o Brasil vivenciou com as eleições de 2018.
- Lá vem você com política – resmungou Eleutério.
- Calma. É coisa simples de entender.
“Para que as eleições atendessem aos interesses dos poderosos, uma série de medidas teve que ser tomada, a começar pela ação da Lava Jato, passando pelas decisões do Congresso e do Judiciário, insuflados pela imprensa “chapa-branca” e empurrados por uma parcela da população raivosa que, mais tarde, mostrou toda sua índole fascista.
“Então, para aquilo ter sucesso, foi montada uma estratégia de marketing, com a população sendo dividida em BOLHAS. Para essas bolhas, foram forjadas notícias, espalhadas difamações, que estimularam a rivalidade e o ódio.
“Aquilo, que parecia ser apenas uma estratégia de conquista de poder, acabou se tornando uma doença, uma deformação: o país deixou de ter uma identidade, perdendo seu sentido de nação. Ele ficou fragmentado em bolhas.
- É aí que entra a venda do papel higiênico? – quis saber Eleutério.
- Pois é – falou Cinisvaldo, assumindo ares professorais. – Veja você como se posicionam as diferentes bolhas existentes no país frente a essa questão:
    * Existe uma bolha que sente ferozmente os reflexos da estagnação econômica, do desemprego, dos aumentos de preços de itens básicos como combustível, gás de cozinha. Seus membros estão, vamos assim dizer, “raspando a bunda com as mãos”. O papel higiênico vai ajudá-los a fazer isso.
    * Existe a bolha dos que só se preocupam consigo mesmo, que não estão nem aí para os infortúnios alheios. Esses estão, como se diz, “cagando e andando” pros outros. Por exemplo, quando ficam sabendo do massacre na favela Paraisópolis, dão de ombro e dizem: “Bem feito! Fodam-se!”. Para eles, o papel higiênico serve muito bem, para limpar tanta caganeira.
    * É preciso levar em consideração também a bolha daqueles que não compactuam com esse governo que está aí. Quando o presidente diz que, para se combater o efeito estufa, seria bom que as pessoas cagassem dia sim, dia não, só de birra, mesmo não tendo o que cagar, como forma de protesto, fazem força, usam o papel higiênico.
    * Existe a bolha do núcleo dos assessores da presidência, ministros, secretários e tantos mais, que vive fazendo cagadas. Todo dia, quase toda hora, aparece uma. Para tanta cagada, haja papel higiênico.
    * Existe a bolha composta por pessoas de outras bolhas. Seus integrantes formam a classe dos bundões ou cagões (haja papel higiênico pra tanta gente!):
- Os que dizem “amém” aos interesses americanos no país, chegando a bater continência para sua bandeira;
- Os que tremem de medo dos milicos, aprovando os termos de sua reforma da previdência, onde, em vez de serem penalizados como todas as outras classes de trabalhadores, mantiveram e aumentaram seus privilégios;
- Quem, a pretexto de “ouvir a voz das ruas”, atropela a Constituição, da qual deveria ser guardião;
- Basicamente, a população brasileira como um todo é tida como bundona, cagona, sendo o país chamado de “república de bananas”.
    * Existe, finalmente, a bolha daqueles que, cada vez mais, se convencem de que o país está mergulhado numa merda (não é à toa que o guru do governo é um astrólogo que tem fixação pelo c*, órgão frequentemente associado ao papel higiênico). Preventivamente, numa atitude que Freud saberia muito bem explicar, também essa bolha se enche de papel higiênico. Gostou de minha teoria psico-sociológica?
- Gostei – avaliou Eleutério. – Conseguiu explicar o sucesso de vendas de papel higiênico na Black Fraude. Parabéns, amigo Cinisvaldo: ou você é um grande analista, ou tem a cabeça cheia de merda.
Etelvaldo Vieira de Melo

DESINFORMAÇÃO F.C.

Quando a TV tem de explicar aquilo que você enxerga na telinha, revela a saudade do tempo em que era rádio.
Ivani Cunha

PRIMEIRO COMPASSO SEM MOVIMENTO

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Imagem: freepik.com

Tio Levi era fazendeiro em minha terra natal. Competia com Quinca Afonso governo e mando sobre bem e habitantes do bem. Às vésperas das eleições, ambos se entusiasmavam com presentes adquiridos e doados aos votantes. De certo que as coisas eram incertas, pois os traíras almoçavam o boi de titio e jantavam a porca de Quinca. Desfilavam no caminhão da Boa Esperança e jogavam confete na carroceria da Tormentas. Nos bailes da roça, Afonso bebia pinga enquanto rodopiava com as cozinheiras. À noitinha, chegado a casa, lavava-se com creolina e botava fogo no fraque. Titio, sendo um Rios, pulava direto de roupa e tudo na represa, nadando até o cecê das nega cair duro no sumidouro das águas. Pois não é que o filho novo do Quinzinho apareceu na praça de cavalo novo, batendo nas ilhargas do alazão?
- Deixe estar, filhote de cobra e cabra! – segredou-me o parente. – Você sabe montar?
Imagine! Eu tinha dez anos, recém-saída do cueiro. Mesmo assim, levantei o cangote e jurei de pé junto ter participado com garbo do último rodeio no Campo do Independência.
Seu Vivi ergueu o focinho e louvou a sobrinha com papai.
- Tãozico, a menina te puxou! Vou caçar um Mangalarga pra ela me desafrontar.
Pai levou o fato na brincadeira e apontou para um cigano enfeitado de cetim.
- Alá, mano. Aquele sujeito tá vendendo o Marchador.
Marchador era o nome conhecido do corcel sobre o qual azulava a camisa ruge do ambulante. TiLevi voou leve.
- Malaquias, seu moço, ainda tá arranchado com a tribo perto da Esperança?
Num instante fizeram negócio. A dama do comboio mostrou-me agradecida o dente de ouro. Dali em diante, nunca mais pude ver a cara dela.
Titio veio indo com a rédea na mão.
- Eta, sô. O besta do vagante aceitou miliquinhento mirréis por esta pérola. Olhe o riso branco da égua, o pelo luzidio, as perna cheia de nervo.
- Mas, irmão, ég...
- Ah, ah! Sou esperto feito lebre. Faturei pra cima do bobo. Agora, treine a garota.
- A garota égua ou a Mariinha?
Fiz de esquerda e caí no mato. Recordei-me de uma tarde em que voltei pra sede da Boa muito má debaixo da barriga de um burro.
Passou-se um mês e as chuvas começaram. A Manhosa, já de nomeada, ficou no pasto durante dois dias e duas noites, devido         a deserta tempestade. No terceiro dia, o toró amainou, porém eu é que estava pluviosa de medo da coça e do cangote da montante. Papai se prontificou em trazer a ilustre corcela para mais perto da Casa Grande.
Aí, ó céus, ó brumas, ó lamas! O que surgiu detrás da plantação de café foi tudo, menos um animal. A bicha parecia estar de vento virado por obra do Quinca Afonso. Pelo? Pernas? Nervos? A enxurrada carregou até a dentadura do potro potra ou otra danada miséria. Seu Tãozico, meu pai, carregava, por bem dizer, uma pedra nas costas, parda e ardida de fedor.
- Que qué isso, Tião?
- Isso é o garanhão cocê comprou por miliquinhento do cigano mandado pelo k. Cê é desde pequeno uma cavalgadura, Levi.
- Segui seu conselho. Remonta em mim, jegue da família.
Agora estou escondida. No próximo blogue, prometo que conto o segundo capítulo do mar ajambrado (Continua)
Graça Rios

COM O DEDO NO GATILHO

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É sabido que, para quem pretende levar a sério a atividade de cronista, um dos requisitos fundamentais é buscar sair, conhecer novas situações e pessoas. Como a rotina de vida de Eleutério, aspirante a cronista, envolve raras situações e raríssimas pessoas, ele corre o risco de sempre ficar falando o mesmo das mesmas coisas, mudando apenas um ou outro detalhe.
Ciente das responsabilidades para com seus amáveis leiturinos, fez ele recentemente uma viagem a passeio por dois países europeus, onde procurou arejar a mente e aumentar seu cabedal de conhecimentos. Ele tem certeza de que aquilo foi uma extravagância, tendo que raspar os fundos de suas pobres reservas, além de recorrer a um empréstimo consignado neste cenário brasileiro de juros estratosféricos. Mas ele pensou: - Não tem preço que possa pagar a satisfação de atender aos meus leitores, reais e fictícios.
Agora que retornou do passeio, responsável pela produção de nove crônicas, retoma a perigosa rotina de fazer sempre igual as mesmas coisas de sempre.
Hoje, por exemplo, saiu de casa para uma consulta médica. Há uns vinte dias que ele está sentindo um desconforto no dedo polegar da mão direita. Achou por bem procurar um ortopedista, já que dois dos atos mais aprazíveis de sua vida estavam sendo objetos de dor e sacrifício: jogar videogame e escrever.
Chegando ao hospital, no guichê de informações, quando a atendente perguntou sua idade, Eleutério falou: “- 71”. Aí, parece que ouviu ela dizer: “- Coitado!”. Eleutério quis saber: “- Coitado? Se foi isso que disse, tem razão”. “- Mas eu não falei nada disso” – falou a atendente. “Até penso que está bom demais você chegar a essa idade tão bem disposto.” “- Huummm...” – resmungou Eleutério.
Depois de se inscrever, passou nosso amigo pela triagem, para ver qual fitinha deveria colocar no punho: uma verde, uma amarela ou uma vermelha. A enfermeira mediu sua pressão, 14/8, e julgou que ele era merecedor da fitinha verde.
A consulta com o médico veio logo em seguida: Dr. André L. Portugal, muito atencioso e cuidadoso. Seu diagnóstico provisório, antes de encaminhar Eleutério para exames radiológicos, foi: - Você está com “dedo em gatilho”, “tenossinovite estenosante” – em linguagem técnica.
Quando ouviu aquilo, mesmo com o risco do doutor levar a mal, Eleutério falou:
- Mas logo “dedo em gatilho”, eu que não sou nenhum bolsominion e odeio arma de fogo, até mesmo em jogo de videogame?
Depois de tirar as radiografias, que nada acrescentaram à avaliação inicial, o doutor receitou o uso de uma órtese para polegar (uma munhequeira), além de uma injeção, que deveria ser aplicada na nádega.
Eleutério se lembrou de sua recente viagem a Portugal e de seu medo de ter que ir a uma farmácia e ter que tomar uma “pica no cu” (segundo vocabulário lusitano, o que não passa da injeção na nádega ou bunda, segundo a terminologia tupiniquim). Pensou:
- Têm razão os budistas com essa lei de causa e efeito. Foi só eu brincar com os portugueses, fazendo troça de seu vocabulário (cf. "Aos Trambolhões", crônica publicada em 07/07/2019), para que um doutor, aqui no Brasil, viesse me aplicar a lei do karma, de que você tem que pagar aquilo de errado que faz. Doutor André L. PORTUGAL resgatou a honra lusitana, fazendo com que eu, Eleutério, acabasse provando de meu próprio veneno, tendo que ir tomar a tal de “pica no cu”. “Maktub!”, tinha que acontecer – como diriam os árabes.
Etelvaldo Vieira de Melo

QUESTÃO DE GOSTO

Com a temperatura em baixa, a opinião do assessor, Corujão Gualter Ego, está em alta.
Ivani Cunha

TRINTA DINHEIROS

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Faz três anos, a vizinha bateu-me à porta procurando socorro.
Corri a tempo de ver-lhe a mãe no último suspiro. Atenção, cuidados.
Passados sete dias, no enterro, sugeriu-me emprestar-lhe sete mil reais, a fim de liquidar dívidas da família.
- Infelizmente, não tenho.
M. apressou-se a dizer que sabia desse crédito em minha poupança, segundo eu própria lhe contara em confiança. Questão de buscar os cobres.
Meio contrariada, raspei o dinheirinho obtido em quarenta aulas semanais e abandono das crianças à babá.
- Prometo lhe devolver tudo logo, logo.
Chuvas de verão. Frio de inverno. Flores de primavera.
Enviei-lhe um e-mail, afirmando minha necessidade do empréstimo.
Gorda e vermelha, viajou com a atual esposa de onde se mudara para explicações.
Novas batidas à porta.
- Custei muito a chegar de Ibirité, mas preciso lhe falar.
Olhe, não possuo condição nenhuma para entregar dinheiro. Desculpe-me, mas Deus a recompensará pela boa vontade. Somente Ele pode fazê-lo.
Raios, trovões, enxurradas.
Ontem, recebi saudações momescas da mulher no celular.
Escrevi-lhe, então, contando que o pão-duro do seu deus nunca se dispusera ao pagamento do débito. Poderia, pois, lançá-lo nos seguintes dados bancários?
Devolveu-me o recado, solicitando que eu aguçasse a memória.
Havia dúvidas quanto ao receptor do discurso,
- Porque jamais me atrevi a pedir um tostão furado a ninguém.
Natal, confusão na Savassi.
Fantasio-me de Mamãe penas de pata?
Sim, leitor, quem bate, esquece. Quem apanha, alembra.
Graça Rios

PENSANDO NA MORTE DA BEZERRA

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Imagem: YouTube
Eleutério, nas vezes em que tenta entender o sentido da vida, não se conforma com a teoria de que ela, ao fim e ao cabo, seja tão somente um caminho entre dois túmulos. Também não chega a considerar como Percilina Predillecta, sua dileta esposa, que a vida só se justifica, em última análise, pela procriação, pela perpetuação da espécie. No entanto, há muito ele deixou de lado a pretensão de encontrar pelos próprios meios uma explicação racional e definitiva sobre esta questão. Como “quem não tem cão caça com(o) gato”, passou a prestar atenção nos ditados populares, por entender que são eles fontes de sabedoria, um extrato daquilo de importante que a humanidade aprende ao longo do tempo.
Tudo isso está sendo dito aqui porque aconteceu dele se encontrar com o amigo Ingenaldo, estando esse com olhar triste e distraído.
- Que fisionomia é essa de quem está “pensando na morte da bezerra”? – perguntou Eleutério.
- Como assim? – quis saber Ingenaldo.
- Ora, esse olhar distante, pensativo, alheio a tudo.
- Isso é por conta de minha sensibilidade. Esta semana, por exemplo, três fatos me deixaram profundamente triste e pensativo. Primeiro, foi aquela moradora de rua lá de Niterói, que, aos 31 anos, levou um tiro e morreu, depois de pedir a um cara 1 real (pra comprar pão, já que estava com muita fome). Segundo os relatos, o sujeito atirou e saiu andando tran-qui-la-mente, como se não tivesse feito nada demais. Esse assassinato pode ser contabilizado na conta daquelas autoridades que estimulam o porte de armas. Como alguém me disse, “armas e ignorância juntas não podem dar boa coisa” - ignorância de quem tem a arma e de quem autoriza o seu porte. Depois, teve aquele professor negro que, ao atravessar uma avenida, é abordado por um indivíduo, chamando-o de “macaco”. Ao tirar satisfação, é agredido brutalmente, sendo esfaqueado nas costas e no ombro. Finalmente, tivemos aquele declaração estúpida do ministro da Economia, ameaçando também ele com a volta da ditadura.
- Realmente, é muita notícia ruim pra uma semana – falou Eleutério.
- Mas de onde vem esse ditado “pensando na morte da bezerra”? – quis saber Ingenaldo.
- Em minhas pesquisas sobre as origens dos ditados, fiquei sabendo que este veio da Bíblia. Como é sabido, os hebreus tinham o costume de sacrificar bezerros para Deus num altar. Quando Absalão, por não ter mais bezerros, resolveu sacrificar uma bezerra, seu filho menor - que tinha grande carinho pelo animal - se opôs. Mas em vão. A bezerra foi oferecida a Deus e o garoto passou o resto da vida sentado ao lado do altar ‘pensando na morte da bezerra’. Consta que meses depois veio a falecer.
- Você sabe muito bem que este blog odeia visceralmente fake news, principal responsável pelo Brasil estar do jeito que está – falou Ingenaldo em tom de repreensão. – Você garante o que está dizendo?
- Bom – falou Eleutério, se engasgando um pouco. - Em 2 Samuel 14.27 está dito: “Também nasceram a Absalão três filhos e uma filha cujo nome era Tamar”. Mas 2 Samuel 18.18 declara: “Ora, Absalão, quando ainda vivia, levantara para si uma coluna, que está no vale do rei, porque dizia: Filho nenhum tenho para conservar a memória do meu nome; e deu o seu próprio nome à coluna, pelo que até hoje se chama o Monumento de Absalão”.
- Mas, afinal, ele tinha ou não tinha filho pra validar de vez esse ditado?
- Os eruditos Keil e Delitzsch salientam, em relação a 2 Samuel 14.27, o seguinte: “Contrariamente ao uso comum, não são dados os nomes dos filhos. A razão provável disso não é outra senão o fato de terem morrido na infância. Consequentemente, visto que Absalão não tinha herdeiros, erigiu seu mausoléu, ou pilar, a fim de preservar seu nome”. Aparentemente, Absalão teve o desgosto de perder seus três filhos na infância e sua esposa não lhe deu outros filhos. Parece que Tamar teria sido a única filha a sobreviver. Desse modo – concluiu Eleutério - você pode riscar definitivamente esse ditado do rol dos fake news.
- Sendo assim – disse Ingenaldo – você pode dizer que estou, sim, “pensando na morte da bezerra”. Só espero que os mais apressados não entendam esse sentimento de tristeza seja mais por conta da queda do Cruzeiro Esporte Clube para a Segunda Divisão do Campeonato Brasileiro de Futebol. Embora isso tenha a ver com meu desgosto.
Etelvaldo Vieira de Melo

VALE ESPERAR

Para o rádio, as horas passam realmente num piscar de olhos. Carpe diem-- aproveite o tempo.
Ivani Cunha

VOANDO AZUIS DE ÍRIS E GRAÇA

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Imagem: You Tube
Ave suave adejando meu ninho
Tecido de laços no fuso do Não:
Leva-me na asa da tua amplidão.

Tu, mas só tu, ditoso passarinho,
Refazes as penas de lã e arminho
Soltas ao vento no vil momento.

Fica em teu bico, eis o clarão,
O canto fundo de meu coração.

É um raio de lua por onde anda
A mão contando na exata balança
Certezas de riso e uma nova aliança.
Graça Rios

DON'T INTERCEPT!

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Imagem: elofoz.com.br
Preciso tomar cuidado com o que ando falando, pois o Intercept pode estar me interceptando para futuros vazamentos seletivos, e eu não quero provar de meu próprio veneno como ocorreu com Sérgio Moro, Dallagnol e companhia limitada (eles que, a bem da verdade, deveriam, agora,  estar “vendo a vó pela greta”, caso o Brasil fosse um país sério).
Como bem diz o ditado, “seguro morreu de velho” (mas morreu, como me garantiu o senhor Leal – um vizinho que, até onde sei, não bastasse o nome, é digno de crédito). Daí, preciso estar me acautelando a fim de evitar dissabores. É por isso que ando evitando fazer compras pela Internet, hábito que estava cultivando regularmente. Quando vi o que estava acontecendo com a República de Curitiba, um sinal amarelo acendeu na minha testa dizendo para mudar aquele costume.
Até que está sendo bom fazer minhas compras ao vivo e a cores. Pela Internet corria o risco de “comprar gato por lebre”. Ao vivo isso não acontece, pois posso ver, cheirar, pegar e apalpar o objeto de meu desejo. No caso de dúvida, posso até puxar o rabo do bicho pra ver de se ele berra ou se mia. Hoje mesmo, impaciente por esperar a Blake Fraude, fui até uma loja comprar um par de sapatos. Olhando as opções na vitrine, quis saber da vendedora se tinha um BBB (bom, bonito e barato) em promoção. Havia. Na hora de pagar, o dono da loja brincou comigo, quando eu quis parcelar a compra em dez vezes sem juros.
- Não é possível. Três vezes no máximo, para você que está com “o burro amarrado na sombra”.
- E com seu rabo dentro d’água?
- Pode ser – riu o estribado do dono.
- Burro amarrado na sombra, essa é boa! – falei. – Pois fique sabendo que nem burro eu tenho.
Na hora de embrulhar a compra, fiz questão de que o sapato fosse colocado numa caixa (colecionar caixas é um de meus hobbies). Depois, tirei uma sacola de minha bolsa (também tenho mania de andar com sacola) para que o embrulho fosse colocado lá. Ajeitando daqui e dali, a vendedora conseguiu com muito custo colocar a caixa na sacola.
- Esta sacola é igual coração de mãe – falou.
- Não – eu disse. – Coração de mãe é elástico, e esta sacola não é.
Ao me despedir, falei para o dono da loja:
- Agora vou ali fora pegar um burro emprestado para ir pra casa.
Dirigi-me ao ponto de ônibus, embarcando pouco tempo depois. Estou, agora, sentado num banco amarelo, aquele que é “Reservado preferencialmente para idosos”. Sim, eu sou um idoso, no alvorecer da “melhor idade”, ainda sem chegar ao ponto da imagem que está na placa junto aos dizeres, a figura de um velho com as mãos nas escadeiras e empunhando uma bengala. Por enquanto, tenho dispensado a bengala.
Voltei para casa com o sentimento de dever cumprido, tendo feito um bom negócio e sem ter corrido o risco de ser interceptado pelo tal do Intercept, cruz credo.
Etelvaldo Vieira de Melo

HAJA CALORIA!

Os maiores gênios não estão nas academias e, sim, nos botecos.
Ivani Cunha

NÃO PERMITA DEUS QUE EU MORRA

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Imagem: conexaolusofona.org
Em 1982, visitei os Açores, visando a fazer um curso de Literatura Portuguesa.
Conheci, então, a rainha da formosura insular. Era, de fato, uma criatura do Éden, sob o camartelo de Aleijadinho. Eu jamais vira uns cabelos tão negros. A pele rósea, o corpo geométrico, confundiam-se com o verde mar e o céu azul e as azáleas (digam azáleas, por favor) e as hortênsias e as fontes termais... Enfim, jamais imaginara tamanha perfeição em detalhes de silhueta.
Na época, faleceram lá cerca de sete dezenas de ilhéus e quatrocentos se feriram, vítimas do Sismo d’Oitenta. Graciosa, Terceira, São Jorge, três das nove encantadoras ilhas, viram destruídas quinze mil casas locais. Os heróis do tempo de minha estada eram pescadores, viúvas trajadas de negro pelos entes mortos na guerra ultramarina, condutores de ovelhas nas ruas. A ilha Terceira reconstruía à noite habitações derrubadas pelo tremor marítimo da manhã, quando escrevi o texto O Açor Emigrante.
Aluna da Universidade de São Miguel, constatei que a flama e a saga histórica do povo consistiram sempre em movimentar-se pela libertação da maior Zona econômica da Europa: seu próprio oceano. Quanta luta me foi relatada nas aldeias: confiança na exportação de tinta do Pastel, folclore incomum, influência estrangeira no lugar.
Em 1982, vislumbrei céu e terra explodindo dos olhos daquela linda Miss. Neles, a profundidade dolorida dos vulcões entornava lavas candentes sobre o Universo. As fumarolas, os estames de mágoa da Flores, a comida sensual cozida debaixo do solo da Faial, tudo se revelou  força para meu brasileiro coração. Em minha Pátria, naquela e nas vindouras datas, o penar também enfurnar-se-ia na roubalheira de colarinho branco, nos crimes, nas miseráveis favelas do Brasil.
A seguir, os anos 2003/2016 seriam o retrocesso fatal dos sonhos nacionais. Comecei a terminar certa escrita fervorosa contra os males que Lobato mencionara em minha gente. Ó quão semelhante ao meu, o antigo estado daquela mulher esplendorosa.
Pobres e mor tristes nós. Duas criaturas, antes contemplativas do cenário belíssimo, ora caótico e amargo, do país ilhado na corrupção política de hoje.
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Graça/19

FALTA BOM SENSO, SOBRA ESTUPIDEZ

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Sempre considerei que defender um certo equilíbrio social é uma questão de bom senso, independente da matriz ideológica que esteja por detrás de tal suposição.
Como minha história de vida não registra nenhuma ascensão social, você pode pensar que sou assim por um sentimento de frustração ou de inveja, parecido com aquele da raposa da fábula, que se desculpou por não conseguir apanhar as uvas sob a alegação de estarem elas verdes.
Mas, honestamente, devo dizer que não, que essa minha maneira de ver a vida em sociedade é fruto da observação e do raciocínio.
No seu livro “Homem Livre: Ao Redor do Mundo Sobre Uma Bicicleta”, Danilo Perrotti Machado registra que, quanto mais rico é um país, mais suas estradas são bem traçadas e modernas, mais as casas são bem cuidadas, menos as pessoas são amistosas e receptivas. Quando chegava a um país pobre, junto com as condições precárias das estradas e das construções, encontrava ele pessoas amistosas e calor humano.
Buscando subsídios para esta presente reflexão, cito Afrânio Silva Jardim, quando diz: “Constatamos que, em escala mundial, os mais ricos são mesmo egoístas, gananciosos e insensíveis à desgraça alheia”. E completava sua observação: “O individualismo corrói a ‘alma humana’, dilacera o espírito e degrada a difícil convivência entre as pessoas”.
E assim estamos nós, neste mundo dito moderno: fechados em nosso individualismo, cada vez mais insensíveis aos dramas e às vicissitudes alheias.
Com os governos ultraliberais se espalhando, sob as bênçãos de igrejas ditas cristãs, acentuam-se as diferenças entre as pessoas, com umas – a minoria – tendo cada vez mais, enquanto as outras sobrevivem como párias.
É este quadro que precisa ser olhado com inteligência e bom senso. Estupidez é pensar que a liberação do porte de arma pode dar conta da explosão de violência engendrada pelo ódio, pela ganância e pela exploração dos mais fracos e desprotegidos.
Tem que ser assim? Até quando teremos que nos monitorar com armas, cercas elétricas, concertinas e uma parafernália de equipamentos eletrônicos de segurança, como se vivêssemos em campos de concentração?
- Até que ponto chegamos, onde indivíduos pensam que a felicidade deles depende da infelicidade dos outros? Como pode um ser humano debochar, rir da infelicidade alheia? -  Esta foi a pergunta que fiz ao Ingenaldo.
- Depois de assistir ao filme “Coringa”, estou revendo meu juízo sobre esta questão do riso – respondeu Ingenaldo. – Em alguns momentos, o personagem – interpretado brilhantemente por Joaquin Phoenix – quando atacado por uma crise de riso, mostra uma carteirinha plastificada para as pessoas ao redor, explicando que não consegue controlar aquela gargalhada estridente, macabra, inapropriada e irritante, por conta de seu problema de saúde, chamado epilepsia gelástica.
- Mas o que isso tem a ver com o que falamos? – perguntei, desnorteado.
- Veja você. Na madrugada do domingo, 10 de novembro, de uma viatura policial, tentando dispersar uma tentativa de baile funk, um soldado atirou e atingiu com uma bala de borracha uma adolescente de 16 anos, que ficou cega do olho esquerdo. Ensanguentada, com muitas dores e vomitando, ela pediu ajuda aos quatro militares da viatura, e eles disseram “- se vira”. Um chegou a dizer “- vá se foder”, enquanto outro dava risada.
- Isto é terrível, embora tenha se tornado assunto banal no país.
-  Daí é que passei achar que milhares de brasileiros sofrem desse distúrbio neurológico, essa tal de epilepsia gelástica. Só isso explica o fato de ficarem rindo, debochando daqueles que sofrem perdas. Só falta agora, por exemplo, alguém vir, através das redes sociais, ridicularizar os parentes daquela menina que, aos cinco anos de idade, foi vítima de uma “bala perdida” lá no Rio de Janeiro e acabou falecendo. Caída no chão, o que ela se lembrou de dizer foi: “- Mãe, não chora não, mãe”. Enquanto uns ridicularizam, outros se calam, indiferentes. A eles se junta o silêncio tenebroso das autoridades, mostrando que o Brasil está sofrendo de uma grave patologia, está muito doente. E nem podemos ter a desculpa do país ser desenvolvido, de primeiro mundo.
Etelvaldo Vieira de Melo