Deus é o grande intervalo

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Imagem: YouTube


A penumbra da chuva seria esquecimento
isso eu tenho em mim.

Que esterco metafísico todos os propósitos,
raiva de ter vindo à memória oblíqua chuva!

Como um barco absorto
desfaço-me no tempo aonde andei perpétua,
um plagiário oásis na prolixa estagnação do sol. Entanto

perscruto uma série de sonhos de mim de alguém de fora de mim
e depois durmo -  água ansiosa estrela   rendição.
Graça Rios

APENAS UMA PROPOSTA

Ivani Cunha

AFINAL, ONDE ESTÁ O VALOR DE UMA PESSOA?

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Imagem: netsabe.com.br

Este texto pretende ser expressão de verdade, já que foi escrito com base em suposições.
Vi, imagine onde, um anúncio com os dizeres:
O importante é o que você diz. Não quem você é.
Dizia mais o distinto: “Uma denúncia anônima pode salvar vidas. Disque Denúncia 181.”
Já imaginou aonde eu estava?
Sim, esse anúncio fazia parte de um cartaz maior - afixado no vidro de um transporte coletivo - chamado “Jornal do Ônibus”. Estava eu, pois, dentro de um transporte coletivo, um ônibus ou lotação. Como o lotação é um daqueles lugares que me suscitam reflexões mais consistentes, minha mente foi logo sendo tomada por pensamentos. A seguir, vou descrever os que brotaram daquela frase, embalados por ronco de motor, freadas, buzinas e conversas, muitas conversas.
Considero perigosa a disseminação desse tipo de ideia, de que uma pessoa passa a valer pelo que ela diz, não pelo que ela é. Mesmo quando se trata de uma denúncia anônima e que pode salvar vidas.
Veja bem: nesse tipo de caso, não sou contra a denúncia anônima. O que condeno é a disseminação da máxima perigosa, que já está se tornando lugar comum em nosso pobre país, de que “os fins justificam os meios”.
Exemplificando meu ponto de vista, veja o caso da chamada Operação Lava Jato.
Desde o início ela me provoca ojeriza. No iniciozinho, até que ela me confundiu um pouco, sabe como é, esse tal de combate à corrupção. Depois, fui me dando conta de que a moralidade não passava de mero pretexto. Duas das razões de minha antipatia estão aqui (por favor, não torça o nariz; entenda que este texto pode ser um remédio amargo, mas que irá lhe fazer bem): 1º - ela defende a máxima de que os fins justificam os meios; 2º - espalha a ideia de que as pessoas valem pelo que elas dizem e não pelo que elas são.
Só por essas duas razões tal operação dá mais prejuízo do que lucro. Se não, vejamos:
- Você acha que é certo fazer justiça com base tão somente em denúncias ou delações, ainda mais premiadas? Não estaremos, agindo assim, premiando o desonesto, o bandido e a própria corrupção? (Não sei porque, mas, quando falo isso, veio ao meu pensamento uma citação de Kafka que vi num jogo de videogame – Resident Evil  Revelations 2: “Confissão e mentira são iguais: para confessar é preciso contar mentiras”.)
Aqueles que fizeram delações premiadas, e que conseguiram jogar fora os sentimentos de escrúpulo e de vergonha, acabaram se dando muito bem, não é mesmo?
No frigir dos ovos, a nação brasileira aprende mais uma nova lição: o crime pode compensar.
Nesse jogo da Lava Jato, mais político do que jurídico, os fins (botar os desafetos na cadeia, usurpar a vontade da maioria da população e colocar no poder os ‘amigos’) justificam meios “escalafobéticos” – como condenar com base em suposições.
Para os operadores da Lava Jato, não precisa ser honesto e nem aparentar ser honesto. O que vale é ter um dossiê contra pessoas influentes e que jogam no time adversário.
A Operação Lava Jato colabora e corrobora com a inversão de valores que assistimos hoje em dia. Amizade, confiança, respeito, honestidade e honradez são exemplos de valores que se tornaram cartas fora do baralho.  No mais, o que ela faz é resgatar práticas de regimes ditatoriais, como a figura do “dedo-duro”, agora afetuosamente chamado de delator.
Só me resta concluir com uma citação de Cícero em sua Catilinárias: “O tempora! O mores!”, frase que um esperto vestibulando de Direito traduziu por “Ó temporais! Ó mares!”.
Etelvaldo Vieira de Melo

O DIA DO ÍNDIO

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Imagem: pedagogiaaopedaletra.com

Aos 19 de abril, comemoramos o Dia do Índio. Serão eles ainda os donos do Brasil? O que sucedeu com seus costumes, tradições, língua e religião? Por que os Krenak  perambulam, nessa data, pelas ruas e escolas de Belo Horizonte, vendendo flechas sem pontas, facas sem gumes, adereços desbotados, chocalhos, danças da chuva que não têm?  Não deveriam então oferecer alimentos e flores aos deuses, e rituais à Mãe Natureza? Ora, após o “trabalho”, embebedam-se, colocam pedras nas ferrovias, picham edifícios, prostituem-se. Os Ianomâmis são dizimados, nesse Feliz Aniversário, pelas doenças e posseiros brancos. Os Xingus nem sabem se há poluição ilimitada no rio Amazonas e afluentes.  Desde que o rei de Portugal ordenou-lhes falar o Português, ao invés do tupi-guarani, os morubixabas só fazem macaquear a sintaxe lusíada, como diz Manuel Bandeira. Abati significava “milho”, mas agora é o início do termo “abatido”. Manioca sugeria a lenda de Mani, em sua oca. Jiquitiaia era “pimenta”; iautica, “batata”; mendobi, “amendoim”, porém a miséria calou os sentidos e a tribo (“junta de jovens millenius”) estaca o carrinho na porta da igreja – que preguiça! –, a fim de aproveitar a voz do padre (Amém!) e completar “Doim!” Tupã travestiu-se de cristão, o boitatá incorporou-se no boi esfomeado por soja e pasto, destruidores das florestas. O Curupira calçou botas ao contrário, a Iara preferiu morar no Parque Municipal, o Caipora ou Caapora virou azar ou catapora, endereçada aos pequenos Iracema e Peri (José de Alencar rola na tumba). Os banhos infindáveis nos igarapés e rios coloniais navegáveis tornaram-se suor e piolhos para os Karajás. Hábitos saudáveis de outrora transmudaram-se em drogas, malandragem, cadeia. Por aí vão...
Portanto, a comemoração no dia 19 deveria passar para o primeiro de abril. Os políticos mentem sobre os incentivos à FUNAI, a FUNAI mente sobre a aplicação deles na saúde e resiliência dos silvícolas. A data continua sendo motivo de roubalheira e extorsão pública. Assim como a árvore, a mulher, o negro, os indígenas possuem a marca da discriminação na Folhinha Mariana. Sem cafuné, jurema ou pajé, melhor seria realizar o Quarup, dia de enterro  do pele-vermelha que, caso não se Raoni, logo se Sting.
Graça Rios

APENAS UMA PROPOSTA

Ivani Cunha

COMO MEDIR LÊNIN COM TAL TOESA?

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Imagem: nanu.blog.br
Do veludo da voz
         mandei  fazer um vestido pretinho básico;
                  e uma blusa amarela
         tornou-se  o sol/ar do entardecer.
                  Gosto de exibir-me a top model do asfalto verdejante:
         assim ofereço à patriazinha um reality
show em forma de estilete para os dentes.
Atirai! Atirai! versos  podres: eu os coserei
à veste das nevascas em Brasília.
Esmagarei verstas com os bikinis da Gretchen
de Goethe,
quando te vir na fábrica
polindo com lixa esta estrofe de cem dedos,
antes de entrar em célula por mil anos.
Graça Rios




CONVERSA COM ELIANE BRUM

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Imagem ideiasembalsamadas.blogspot.com.br

Eu já disse, em certa ocasião, que a idade me tornou uma pessoa atrevida que se dá a veleidades de imaginar coisas, como “entrevistar” Flávio Gikovate e Millôr Fernandes. Continuo assim, tanto que a conversa de hoje é com Eliane Brum, escritora, repórter e documentarista. Fui encontrá-la nas “páginas” de El País, com seu artigo “Lula, o inconciliável”, de 11/04/2018.
Antes da “entrevista”, preciso adiantar que tenho andado um pouco arredio de grupos de rede social. Ultimamente, as manifestações têm sido tão raivosas que prefiro não ler nada. O trabalho que tenho é só de apagar as mensagens. Quando lia as postagens, estava sempre mal humorado, irritadiço e me sentindo “emburrecido”. Agora, pelo menos, estou respirando melhor. A própria Eliane Brum, para quem adianto um pedido de desculpas pelo atrevimento desta “entrevista”, dizia que “não podemos ter os neurônios infectados pelo ódio, já que uma das características do ódio é ser burro”.
ET: Eliane, vivemos um momento muito conturbado, de verdadeira guerra ideológica, com ódio e burrice aflorando à flor da pele. Em meio a tudo isso, chamou-me a atenção seu texto “Lula, o inconciliável”, que me pareceu sério e comprometido com a verdade. Creio que ele pode nos fornecer valiosos subsídios para entender e nos posicionar frente à atual conjuntura. Tomo a liberdade de transcrevê-lo resumidamente, ordenando as ideias no formato de perguntas e respostas.
Sendo o Brasil um dos lugares mais desiguais do mundo, como foi possível a eleição de Lula para presidente em 2002, ele que não era um representante da elite?
EB: Lula se comprometeu com o mercado a manter as principais linhas da política econômica. Este foi o pacto. Já sua mágica foi conciliar as desigualdades, promovendo melhoria das condições das camadas mais pobres, sem tocar na renda dos mais ricos nem fazer mudanças estruturais que atingissem seus privilégios.
ET: E quais foram as conquistas das camadas mais pobres?
EB: Enumerando algumas: - aumento real do salário mínimo; - redução significativa da miséria; - ampliação do acesso à universidade; - melhorias importantes no sistema único de saúde (SUS); - criação do Estatuto da Igualdade Racial; - garantias de crédito para os mais pobres.
ET: Por que essa mágica não deu certo?
EB: Porque num país tão desigual quanto o Brasil, não é possível fazer justiça social sem mudanças estruturais – ou sem pelo menos mexer na renda dos mais ricos, redistribuindo a riqueza existente.
ET: Como a elite do país vê a pobreza e a miséria?
EB: Eu me pergunto se há quem goste que o Brasil tenha tanta miséria e desespero. É duro não se incomodar com a miséria, a não ser que você seja um psicopata. Por mais segurança que se bote nas portas, por mais vidros blindados nos carros, a miséria acaba transportando os muros e ameaçando essa paz armada.
ET: Incomodar com a miséria não deixa de ser também uma questão de inteligência. Durante seus dois mandatos, Lula teve aceitação da elite?
EB: Sim. A elite se sentia bem vendo Lula dando mais visibilidade e popularidade internacional ao Brasil. Depois, durante o governo Lula, os ricos ficaram mais ricos.
ET: Lula conseguiu mais popularidade internacional do que FHC, com todos seus diplomas e títulos. No entanto, apesar de todas as conquistas sociais e de todo o crescimento econômico, a conciliação que ele vendeu se mostrou frágil, insustentável. Por quê?
EB: Já no governo de Dilma Rousseff, quando a economia piora, tivemos a perda da ilusão por parte dos mais ricos e de setores da classe média de que é possível reduzir a pobreza sem perder privilégios. A elite brasileira (econômica, política, intelectual) nunca esteve e não está disposta a perder privilégios. Depois, nos últimos anos do governo Lula e nos primeiros de Dilma Rousseff, os efeitos de algumas medidas sociais começaram a se fazer sentir: - a ampliação do acesso dos negros às universidades colocou os privilégios em xeque, já que mexeu em algo estrutural no Brasil: o racismo. Aí a tensão se tornou explícita.
ET: Explique melhor esse ponto.
EB: O Estatuto da Igualdade Racial, desde sua elaboração, foi combatido com fúria por setores da elite. A presença dos negros nos espaços do poder e em lugares simbólicos muito caros também para parte da classe média incomoda e muito. O avanço do protagonismo negro mostra o quanto mexer nos privilégios mais subjetivos é um tema explosivo no Brasil.
ET: O que os programas sociais e as ações afirmativas dos governos do PT proporcionaram ao país?
EB: Ações afirmativas contra o racismo e programas sociais (Bolsa Família, por exemplo) colocam algo muito potente, forte, em movimento. Se os bolsos das oligarquias e dos rentistas permaneceram cheios, algumas bases eram solapadas pelas beiradas. Por outro lado, tais programas e ações acabaram por colocar em risco a conciliação vendida por Lula.
ET: A sua mágica de conciliação...
EB: Mas não havia mágica. Havia uma fissura que expôs o óbvio. A questão mais profunda do Brasil continuava a ser a mesma: para ter conciliação de fato é preciso que uma parcela da população perca privilégios. E isso, para as elites e também para setores da classe média, era – e continua sendo – inaceitável.
ET: O que é privilégio?
EB: Privilégio é tudo que custa, é difícil perder. Mesmo quem tem poucos se agarra aos seus, o que explica um tanto de ódio mesmo entre pobres urbanos. Há sempre algo a perder, mesmo que seja uma pequena superioridade sobre o vizinho.
ET: Lula vendeu para o Brasil um projeto de conciliação impossível.
EB: Sim. E foi tal projeto permitiu que Lula se elegesse e reelegesse, mesmo após o “Mensalão”. Foi nessa conciliação que ele se lambuzou por vários anos.
ET: Sei que estou em falta com sua fala, notadamente quando se trata dos erros de Lula, e depois Dilma, com a Amazônia, em especial a Usina de Belo Monte. Isso é bom porque enseja o convite para que leiam seu texto na íntegra. Finalizando, só mais uma questão: qual o atual legado de Lula?
EB: Para compreender o legado de Lula, o conciliador, é preciso enfrentar o inconciliável em Lula.
ET: Muito obrigado, Eliane Brum.

Etelvaldo Vieira de Melo