LEITURAS

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Estou lendo                                             
o mundo que me rodeia
Leio nos olhos de outros autores
leio nas flores
que se abrem.
Leio nas diversas vozes
que dizem amizades
contemporâneas.
Leio no vento e no sol
as mensagens de vida.
Leio nos livros da biblioteca.
Leio a história da Coca-Cola
na tampinha esquecida
no meio da rua.
Leio nas estrelas
o destino do homem.
Leio na lua
a fartura do outono
e seus frutos.
Leio na TV.
Leio nas teses
ou nos contos de Maupassant.
Leio na orgia
das crianças na praça.
Leio na caminhada
dos velhos navegantes.
Leio o mundo
com suas montanhas
prisões risos e lágrimas.
Leio nas notícias
do jornal e do rádio.
Leio nos comerciais
leio no pão-de-queijo
de meu colega Etelvaldo
leio na vastidão
do universo
cada coisa
que meu olhar surpreende.
Tudo que existe
se transforma em texto
passível de leitura.

 

DIA DE ANO NOVO: MORADA DAS FANTASIAS E DESEJOS, DE SONHOS E ESPERANÇAS

         Estavam Realisvaldo e Risvaldo sentados em cadeiras em torno de uma mesa, sob uma árvore de jaca e bebendo suco de maracujá, enquanto aguardavam a vinda de Ingenaldo e Cinisvaldo para, juntos, comemorarem a chegada do Ano Novo.
           
- Este foi um ano muito atribulado para mim, por causa dos problemas de saúde – falou Risvaldo. – E coisas muito estranhas andaram acontecendo no mundo, particularmente no Brasil, mas confesso que ainda não tenho uma opinião clara sobre o assunto.
           
- As pessoas fazem ideia de que as mudanças acontecem como se fossem um arco-íris, mas quase nunca é assim – falou Realisvaldo, passando a mão sobre a barba malfeita. – O Brasil sofreu um impacto profundo em 2013 e acredito que este novo ano será ainda mais dramático. Estou seriamente preocupado, pois a ordem social foi comprometida e os fatos programados para o ano poderão agravar mais a situação.
           
- Vivemos uma nova ordem – ponderou Risvaldo. – As autoridades, mais por culpa própria (pelos desmandos, impunidade e corrupção), perderam o controle social. Com isso, as pessoas se sentem soltas, mas perdidas, porque lhes faltam referências.
           
- E isso é muito preocupante – concluiu Realisvaldo – pois pode levar o país ao caos, à anarquia. Um país vivendo um estado de anarquia, com o quadro de desigualdades sociais que temos, pode experimentar muito mais do que vandalismo e depredação.
           
- Este pé de jaca até que tem sua simbologia. Só espero que o suco de maracujá possa nos acalmar – arrematou Risvaldo.
           
- Ora, ora, até parece que estamos num velório – aproximou-se Cinisvaldo, tendo ao lado Ingenaldo e seus inseparáveis óculos azuis.
           
- Pois é – resmungou Ingenaldo. – Será que não estão ouvindo os estouros de foguetes? E você – dirigindo-se a Risvaldo – como anda a sua força?
           
- Pra dizer a verdade, estou com a sensação de que as pastilhas e as lonas de freio do meu carro já eram.
           
- Deixa de fazer chantagem – falou Cinisvaldo, enquanto bebericava um pouco de suco. – Você ainda vai rodar muitos quilômetros, zerando o velocímetro. E quanto ao Ano Novo, vocês têm algo a dizer?
           
- O ser humano necessita de ritos para tornar o ordinário algo extraordinário, sobrenatural – quase filosofou Risvaldo. – O rito da passagem de ano quer dizer isso, justamente. Já pensaram se, na vida, tudo acontecesse sem essas pausas que nos resgatam a alegria e os bons propósitos? As pessoas, Ingenaldo, têm mais que arrebentar foguetes. Quanto mais foguetes estouram nos céus, maior é o grau de alegria e esperança nos corações das pessoas.
           
- Muito bem dito, Risvaldo. De minha parte, espero que o Ano Novo seja de muita alegria – falou Ingenaldo.
           
- Eu quero realizar muitas descobertas, conquistas; quero que o ano seja de muita aprendizagem para mim – comentou Cinisvaldo.
           
- Minha pretensão é que o ano seja transbordante de amor – foi a vez de Realisvaldo. – Quero amar e ser amado por meus familiares, esposa e filha; quero dividir amor com vizinhos, parentes e amigos; quero ver amor transbordando no mundo.
           
- Particularmente, sonho com saúde e paz – concluiu Risvaldo. - Como não somos pessoas egoístas, vamos estender esses votos para todas as outras: que tenham um ano de muita alegria; que a vida proporcione a cada um a possibilidade de aprendizagem e crescimento; que o egoísmo ceda lugar nos corações para o amor; que amar seja um verbo conjugado por palavras e ações por todas as pessoas e que elas possam viver com saúde e paz.  Finalmente, vamos fazer votos de que, apesar das nuvens de turbulência, uma nova ordem social possa nascer, com as pessoas vivendo com maior dignidade e decência.
           
Os quatro levantaram seus copos de suco num brinde. Lá no horizonte, o sol de um novo dia começava a despontar.
Etelvaldo Vieira de Melo



            

NATAL DE HOJE

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As lojas estão enfeitadas
Para este Natal.
Em tudo o ar é de festa
Vai dar venda total.

Onde está escondido o espírito
Da festa natalina?
O comércio parece a meta
Para um ganho repentino.

Os anúncios já se espalham
prometendo saldos e descontos.
Enquanto isso, Jesus
É esquecido num canto.

O que é feito de Cristo
Nessas comemorações?
Afinal, é o aniversário
Do menino ou são convenções?

É preciso nesta data
Haver conscientização
De que a noção natalícia
Começa no coração.

A fraternidade humana
Deve ser levada a sério.
Não são compras ou comidas
Que fazem de dezembro um império.

Que dezembro seja o encontro
Com a alegria que virá.
Abaixo a mídia e o comércio
Que tudo quer transformar.

NATIVIDADE

Texto: Etelvaldo Vieira de Melo / Edição: Eduardo Yamassaka



OUTRA CANÇÃO DO EXÍLIO

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Oh, que saudades que tenho
Da minha flora querida
Das flores, das folhas, da mata
Que enfeitaram minha vida.

Havia sabiás, havia bem-te-vis
No interior onde nasci.
Vim morar em Belo Horizonte
E minha infância perdi.

Só vejo na praça os pardais,
Ave sem cor, do asfalto.
São restos da identidade
Deste país que foi alto.

Oh, que saudades que tenho
Do tempo de meus avós.
No quintal pousavam pássaros
Vindos do céu para nós.


VIÚVA-NEGRA

R
aimundinho de Geovita era um sujeito de muita artimanha, mais manha do que arte; sua idade era indefinida acima dos sessenta, mas demonstrava muita disposição, por causa da baixa estatura, um bigodinho saliente, um inseparável boné e um carrinho de mão, enquanto circulava pelas ruas do bairro, prestando serviço de capina nos quintais das casas.
           
Conheci Raimundinho por causa de uma limpeza no quintal de minha própria, indicado que foi por um vizinho, irmão seu de crença religiosa.
           
Logo fiquei sabendo de seu transtorno por estar casado com uma mulher que havia sofrido um derrame, estando entrevada em cadeira de roda.
           
Raimundinho falou do drama, dando a entender que o problema era mais sério para o seu lado, ele que se julgava com toda a disposição de ataque, já não mais podendo contar com a mulher para fazer as respectivas defesas.
           
Talvez em razão de seu impasse existencial, acabou desenvolvendo o hábito de terminar as frases com um risinho nervoso, que repicava por duas, três vezes. Certamente pela mesma razão, era só entusiasmo quando encontrava mocinhas de sua igreja, agindo igual a galinho novo em galinheiro cheinho de frangas.
           
Sem atentar para detalhes que abonavam seu comportamento, eu achava tudo aquilo muito estranho, especialmente quando não o via jogando conversa fora com outro homem, irmão de igreja que fosse. Mas eu pensava: Deixa pra lá, cada um sabe de si.
           
O tempo passou, como tudo na vida passa, e a mulher de Raimundinho partiu desta para aquela outra, deixando-lhe o sinal verde para que seu carro pudesse sair da primeira marcha, da qual estava refém até então.
           
Foi ele mesmo quem me contou tudo isso, tempos depois, com fisionomia aliviada, bigodinho aparado e pintado de preto (e sem o risinho aborrecido).
           
Para meu espanto, ele disse mais:
           
- Sabe que me casei novamente? Deixei a casa onde morava para meus filhos e estou morando na casa de minha esposa. Também voltei para meu antigo emprego de porteiro noturno.
           
Como aprecio algumas tiradas bíblicas, pensei comigo: Como bem diz o apóstolo, melhor casar do que abrasar. – Depois, olhando sua fisionomia satisfeita, de quem havia ganho uma partida de futebol e com o título de artilheiro: Não há nada nesta vida que não se ajeite, a não ser a morte.
           
Depois deste encontro, não vi mais Raimundinho. Tive notícias suas dias desses, quando me encontrei com um senhor amigo e, entre conversas de falar mal da vida alheia (um de meus inúmeros defeitos), fiquei sabendo de sua nova situação de vida.
           
Raimundinho havia se casado com uma mulher muito boa, excelente cozinheira. O detalhe preocupante é que ela já estava no seu quarto casamento, tendo todos os três maridos anteriores morrido de morte morrida, sendo o último deles pastor de sua própria igreja.
           
O senhor amigo me adiantou:
           
- Quando Raimundinho chega do serviço, deve tomar um banho e ir nuzinho para a cama com a mulher.
           
Ao ouvir aquilo, fui tomado de preocupação. Está certo que Raimundinho guardou muita lenha pra queimar, mas, no ritmo empreendido, vai acabar com o estoque logo. Coitado, não sabia que havia se casado com uma “viúva-negra”, aquela espécie aracnídea que devora os machos após o sexo. Alguém que seja mais íntimo de Raimundinho precisa alertá-lo do risco de vida que corre. Por acaso, estimado leitor, não seria você esse amigo?
Etelvaldo Vieira de Melo 

OS JOVENS E O ÁLCOOL


                              

Os jovens se entregam ao álcool                   
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diz o jornal.
Mas uma conversinha
um diálogo no lanche
uma palavrinha aqui
uma fala dali
podem modificar
a situação.

Não é culpa dos pais
dos professores
nem do menino.
Não é culpa de ninguém
mas as companhias...
Ah, as companhias.
Olho vivo na filhinha
com o namorado
que gosta de boteco.
É preciso estar atento
às más companhias.
Um encontro com Zé
um beijo com Mané
e o barco vai rolando
no aguaceiro.

Mas a conversa
fiada na mesa
pode dar caminho
a quem se desencontrou.

A notícia pode mudar
e o jovem drogado perceber
que a felicidade
encontra-se por trás do muro
que separa o adolescente
do mundo belo
em que vivemos.

E O PALHAÇO, O QUE É?

Espero que você, furtivo leitor, não tire conclusão apressada de que o texto a seguir seja uma reminiscência minha, uma lembrança de tempos de antigamente, enterrados nas valetas da História, eu que sou um sujeito novinho em folha, recém-saído das agruras da adolescência, onde comi o pão que o diabo amassou com o rabo, os chifres e seu garfo. Quem me relatou tudo isso foi o Risvaldo, sim, aquele mesmo, e com quem compartilho uma discreta amizade.
           
O que fez meu amigo destravar a língua foi eu ter feito a seguinte observação:

           

- Sabe que acabei de comprar ingressos para ir com minha namorada à apresentação do Cirque du Soleil?

 

           

Risvaldo olha para mim como se não estivesse me vendo e, tomado de saudade, começa a me relatar lembranças de sua infância. Confesso que, ao final da narrativa, pensei que, se o Cirque du Soleil me proporcionasse pelos menos 10% da emoção que experimentou meu amigo, já seria bom demais:   


Nos tempos de antigamente, era comum que circos de picadeiro e de tourada, assim como parques de diversão, fizessem turismo pelas cidadezinhas do interior, onde chegavam se arrastando, tal a penúria de suas condições financeiras. Os circos de picadeiro podiam ser avaliados pela quantidade de remendos em suas lonas. Quando aparecia um com lonas novas, só tal fato era suficiente para que as lotações se esgotassem.
        
Independente da quantidade de furos em suas lonas, a chegada de um circo ou de um parque era sempre motivo de comemoração, diante da perspectiva de algo diferente para uma cidade que vivia jogada às moscas.
        
Os parques apareciam raramente. Como a entrada era livre, eu era frequentador assíduo e não me cansava de ver apostadores tentando laçar maços de cigarro com argolas, outros tentando acertar tiros ou bolachas. O máximo de emoção acontecia com a Roda Gigante e com gangorras em forma de canoas, onde duas pessoas se revezavam puxando cordas.  Às vezes, um puxava tão alto que passava a sensação de que iria cair lá de cima. O desejo proibido ficava por conta do carrossel, onde eu esgotava toda minha cota de inveja, vendo outros meninos girando em cavalos de faz-de-conta.
        
Os circos de touradas eram ainda mais raros. Todos fracassavam, pois usavam bois das fazendas da região. Como nenhum tinha uma gota sequer de sangue espanhol, assim que eram colocados na arena, ficavam olhando calmamente para os toureiros e para a plateia. Não havia provocação que os deixasse enraivecidos. O vexame era inevitável.
        
Quanto aos circos de picadeiro, como bem diz o ditado “em terra de cego, quem tem um olho é diferente”, aquelas pessoas estranhas, desde a chegada, eram vistas com curiosidade e deferência. Sempre havia um rapaz de belas proporções - em geral, um trapezista - a quem todos davam o direito de namoriscar a mocinha mais atraente do lugar.
        
Quando o circo era de maior envergadura, seus principais artistas desfilavam em caravana pelas principais avenidas da cidade, assim que os mastros fossem fincados e as lonas levantadas, para dizer para a população que haveria espetáculo. E lá estavam o palhaço e seu acompanhante anão fazendo graças para os meninos; lá estava o rapaz musculoso - certamente um trapezista - a arrancar suspiros das mocinhas; havia também aquela mulher de maiô e aquele atleta de short collant, ambos a despertarem pensamentos sombrios em homens e mulheres; fechando o desfile – que surpresa, que aperto no coração! – vinha um leão enjaulado. Uma emoção indescritível tomava conta das pessoas.
        
À noite, o som do serviço de alto-falante se espalhava pela cidade, anunciando o espetáculo. “Respeitável público, não perca, em instantes, o início do maior espetáculo que esta cidade já viu. Venha rir com as travessuras dos palhaços Mingau e Fubá, admirar a coragem do Homem Bala, passar pelo suspense do Globo da Morte, emocionar-se com o drama ‘O Céu Uniu os dois Corações’ e muito, muito mais!” E a sirene toca, em desespero, uma, duas, três vezes.
        
E Risvaldo concluía: Lá de minha casa, eu ouvia tudo aquilo, com o coração doendo e umas lágrimas teimando em descer pela minha face. Eu me recriminava: Por que eu sou tão covarde? Por que não tenho a coragem de um Biriba, que sempre dá um jeito de entrar debaixo da lona? Durante muito tempo, eu me sufocava, ouvindo músicas, gritos e risos. Depois, eu me consolava e adormecia com o pensamento de que, daí a uns dias, quando a população da cidade estivesse quase toda depenada, o circo iria promover uma matinê a preços reduzidos e, até lá, quem sabe?
        
Quando, enfim, o circo deixava a cidade, nós, as crianças, cuidávamos de montar o nosso, geralmente debaixo de um bambuzal que havia no fundo do quintal de casa. Bambus eram utilizados para fazer a armação, enquanto a lona era de folhas das bananeiras. Certamente que tínhamos trapézio e palhaço, mas a atração principal ficava por conta de um primo que conseguia a proeza de deslocar o pescoço, igualzinho ao que fazia a moça do circo verdadeiro. Como eu não tinha nenhuma habilidade artística, ficava cuidando da bilheteria. Os ingressos eram folhas de pés de café. Ainda guardo uma toda ressecada dentro de um livro. Você quer ver, Ingenaldo?
Etelvaldo Vieira de Melo

 

AMOR, CINCO LETRAS QUE CHORAM



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Amor, cinco letras que choram                                                     
no hospital de Genuíno
na pressão alta de Genuíno
no espetáculo que se forma em torno de Genuíno.
Na caixa preta
das emendas parlamentares
no reduto de 8,8 bilhões destinados às campanhas.
Nas denúncias de desvio público
no cidadão que não tem
como vigiar
a falta de transparência
do Congresso e do Governo.

Amor, cinco letras que faltam
no uso dos recursos públicos
no escândalo dos anões do orçamento
na máfia dos sanguessugas
no mensalão entre outros.

Amor, cinco letras cruentas
nas campanhas eleitorais.
Quando se investigam aliados
afirma-se que o governo
e o ministro não os controlam.
Quando se investigam adversários
fala-se em instrumentalização.

Brasil,
um dos cinco países mais frágeis
na percepção do mercado
internacional.
Culpa da frouxidão
no trato da economia
nacional.
Maquiagem e truques contábeis
agravam os problemas.

Amor, cinco letras que querem
Preservar a estabilidade
E construir a infraestrutura
Para que o povo nas ruas
Conheça o sentido
Das manifestações.








PAREM O MUNDO, QUE EU QUERO DESCER


Este texto de ficção tem referência em fatos reais, todos eles am- plamente documentados. Não quer ser nenhuma espécie de fobia, não quer condenar ninguém.   Seu propósito é o de contribuir para tornar esse mundo menos poluído, mais humano.                 

Olhando para ela, vestida daquele jeito, ninguém arriscaria a hipótese de que estivesse indo para uma escola. Mas estava. Imagino que, lá, deveria sofrer toda espécie de bullying; ela deveria fingir-se indignada, puxando o vestido curtíssimo, como se ele fosse de borracha e pudesse ser esticado.
       
Em sala, conseguiria provocar muita comoção, quebrando a sequência lógica dos discursos dos professores e roubando a atenção dos alunos, com os mais afoitos tendo ímpetos de subir pelas paredes.
       
Caso alguém se desse ao trabalho de lhe perguntar o que estava fazendo ali, haveria de responder, sorrindo:
       
- Não está vendo que estou estudando? Quero garantir meu futuro.
       
Dentro do princípio de que os fins justificam os meios, estaria certíssima, já que seu QI era incapaz de captar aquelas fórmulas esquisitas - repassadas pelos mestres, haveria de usar seu QF para atingir seus objetivos. Aquele ambiente insosso da escola haveria de lhe proporcionar os meios, haveriam de ver.
       
Havia também a possibilidade de se aproximar do mundo do futebol e agarrar um jogador em início de carreira. Poderia ser um cara feio, mas ela iria mostrar a máxima de que “o essencial é invisível para os olhos”, iria se apaixonar pela sua beleza interior. Depois, caso alguém dissesse que havia se vendido, haveria de postas fotos sensuais nas redes sociais, como a dizer:
       
- Vocês acham que me vendi? Olhem pro meu corpo e digam se meu preço ainda não ficou barato! (*)
       
Entretanto, aquela perspectiva do mundo da bola, de ter que entrar em disputa com outras Marias Chuteiras, tudo isso a deixava desanimada, cansada antes da hora, ela que já não gostava nem um pouco de futebol. Cheia de pretensão, queria mesmo era entrar no mundo artístico, queria ser estrela de TV.
       
Certo dia, ela vai até a faculdade com vestido curto e justo, diferente demais para frequentar uma sala de aula, sendo, então, hostilizada, xingada de inúmeros palavrões. O caso vai parar nas redes sociais e ganha repercussão nacional. No mês seguinte, ela é expulsa e se torna manchete nos principais jornais do mundo. Era o trampolim que esperava para conquistar seu espaço na TV.
       
Hoje, ela se promove tornando pública sua vida íntima, num desserviço para com as causas femininas, envergonhando aquelas mulheres que lutam contra todas as formas de machismo ainda persistentes na sociedade. Aquilo que deveria ser segredo passa a ser compartilhado por revistas, jornais e programas de TV: remodelagem de nariz, lipo na barriga, correção de cicatriz em siliconado seio, ninfoplastia. Quem tropeça nesse tipo de reportagem, corre o risco de  ouvi-la falar:
       
- Ninguém me segura mais. – E, numa alusão àquela outra figura que fez leilão de sua virgindade: - Estou pensando seriamente nessa possibilidade, já que tenho tudo em estado de seminovo, principalmente a antiga couve-flor, agora uma borboleta, uma flor de laranjeira ou um botão de rosa.
       
Caso ela venha a leilão, seria bom que viesse com um manual de instrução ou uma bula. Afinal, com tanta química no corpo e tantos produtos artificiais, é importante levar em consideração aqueles portadores de alergia e de intolerância a glúten.

(*) Bem diz o ditado: Quem ama o feio, bonito lhe parece. É sabido que Vênus, a mais bela das deusas, tornou-se esposa de Vulcano, o menos favorecido dos deuses e que era coxo. Portanto, está passando da hora dessa implicância com modelos, que se casam com jogadores de futebol. Quem disse que não pode ser uma questão de amor? Está certo que o relato mitológico permite uma segunda leitura: Vulcano era o artista dos céus, era ele quem fabricava todas as coisas... presentes, inclusive.

Etelvaldo Vieira de Melo

       


MENSALÃO

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Como é que se julga alguém?                       
E se for inocente?
E se for culpado?
Quantos anos pode-se estar preso?
Como o povo participa das prisões?
E se o preso é apenas um peixinho?
E os mártires?
E a tortura?
E se o governo está infiltrado?
E se um preso foge para a Itália?
E se o tubarão está em casa, assistindo à TV?
E os heróis do parlamento?
Por que outros não atingem a mídia?
Quantos anos vão ser cortados da pena?
Como deve se comportar o preso?
E os advogados?
E as leis?
Pode uma prisão para mil pessoas abrigar mil e quinhentas?
Por que as revistas e os jornais são direcionados?
Quem é o juiz?
O que é a Constituição de 1988, com suas brechas e complementos?
E os presos que já caíram no esquecimento?
O que é a Moral?
O que é a Ética?
Quais os destinos do Brasil?


DESCOBERTA CIENTÍFICA REVELA ESTRUTURA CEREBRAL DO HOMEM

Num desses vídeos que pululam na Internet tais como milho de pipoca em frigideira, alguém disse que o cérebro masculino é dividido em compartimentos ou caixas. Entre outras coisas, isso quer dizer que o homem só consegue conversar sobre um assunto por vez, porque abrir duas ou mais caixas complica a sua cabeça. Como exemplo, ele não consegue conversar sobre família, futebol e política, ao mesmo tempo. Já as mulheres são diferentes. Observe quando duas “amigas” se encontram: os assuntos se interligam como ramificações neurológicas e as palavras voam pra tudo quanto é lado. (Eu disse amigas entre aspas porque há controvérsia sobre a amizade feminina: para muitos, não existe amizade entre mulheres, o que prevalece é competição e rivalidade. De minha parte, acho que elas se permitem uma certa tolerância, não mais que isso.) As mulheres conseguem, pois, discorrer sobre vários assuntos, enquanto assistem a um programa de TV, ou preparam uma comida, ou amamentam um filho. Já com os homens, os temas são tratados um de cada vez, em tom comedido e intercalados por longos silêncios. Quando um homem fala em demasia, os outros comentam que ele está sendo, pelo menos, linguarudo como as mulheres. Os momentos de silêncio, muito apreciados, são aqueles em que uma caixa vazia é aberta, fato que as mulheres não conseguem absolutamente entender:
           
- O que você está pensando?
           
- Nada, não estou pensando em nada.
           
- Como não está pensando em nada?
           
Como explicar que ele acabou de abrir uma caixa vazia e que está se deliciando com aquele vácuo absoluto?
           
Segundo o autor do vídeo, que acabei de identificar como Cláudio Duarte, outra caixa que o homem gosta muito de visitar e sobre a qual pratica pouco é a caixa do sexo.

Creio que não posso me apresentar como protótipo de homem para as mulheres, já que não tenho nenhuma semelhança física com um Brad Pitt, por exemplo, a não ser quando em certos momentos do filme O Curioso Caso de Benjamin Button. De qualquer modo, como homem, gosto muito de caixas. Quando vou comprar alguma coisa, considero que a embalagem vale quase tanto quanto o conteúdo. Se ela se encontra um pouco amassada, descarto o produto. Também gosto de guardar as caixas, pois sempre penso que poderão ser úteis de alguma maneira, nem que seja para embalar... outras caixas.

Quanto às caixas de meu cérebro, uma das que gosto de abrir é a da imaginação. Faço como o amigo Amador quando visita um Ferro Velho. Viro, vasculho, remexo e, quando encontro alguma coisa interessante, trato de embrulhá-la com palavras, pois as ideias são altamente voláteis e desaparecem por um nada. Quando consigo prender uma imaginação rara, sinto um prazer imenso, como se aquilo fosse uma das coisas mais importantes de minha vida.

Falando sobre esse tema, lembro-me da vez em que estive na casa de meu amigo Aloísio. Ele mora numa construção imensa, decorada com o maior bom gosto e cercada por uma cuidadosa área verde. Nada disso, porém, despertava tanto seu orgulho quanto um quarto de despejo, onde guardava – em catalogadas e numeradas caixas – seus petrechos de marcenaria, hidráulica e elétrica, além de outros acessórios. Desnorteado diante de tantas coisas bonitas e interessantes, fiquei sem entender o porquê de seu empenho em nos mostrar aquele cubículo aparentemente banal. Hoje, com um pouco de atraso, reconheço que aquele quarto e aquelas caixas são a materialização da mente de meu amigo; daí, a sua beleza e seu significado. Aloísio, peço-lhe desculpas por não ter compartilhado de sua emoção, quando nos mostrava cada caixa com seu código de identificação.

Se o cérebro masculino é dividido em compartimentos ou caixas, o feminino pode ser entendido como uma bolsa de mulher, onde as divisões são meramente decorativas, estando tudo junto, junto e misturado - expressão inventada por um repórter esportivo – tudo disposto numa bagunça organizada.

Finalizando, mais um reparo, que nos mostra essa pequena diferença entre as estruturas mentais feminina e masculina. Recorrendo ao Livro do Gênesis: se aquela fruta proibida estivesse embalada numa caixa, como hoje acontece nas gôndolas dos supermercados, Adão teria pensado duas vezes antes de aceitar a oferta de Eva, já que haveria de gastar muito tempo analisando a aparência da caixa. Melhor seria se estivesse acompanhada de um manual de instrução, já que nenhum homem ousa abrir qualquer embalagem sem antes ler as instruções técnicas. Como ela estava despida a olho nu (a fruta), tudo deu no que deu. De forma mais explícita, a mitologia grega tratou do tema no relato de Pandora (cf. crônica postada em 29/12/2012).  Se dependesse de Epimeteu, a humanidade estaria feliz e em paz para sempre, pois a caixa com o presente de Júpiter havia sido guardada lá em cima do armário. Foi Pandora quem não resistiu à curiosidade de saber o que havia ali dentro. E você, já pensou na possibilidade de receber US$1 milhão de presente neste final de ano? Basta apertar um botão, que está dentro de uma caixa e que um desconhecido irá lhe oferecer. Como contratempo, você estará provocando a morte de um desconhecido. Esse é o tema do suspense A Caixa (The Box), de 2010, estrelado por Cameron Diaz e James Marsden. 

Mas é melhor parar por aqui, antes que as mulheres comecem a me atirar pedras ou caixas de sapato vazias. Vou decorar o texto e colocá-lo numa embalagem de presente. Por fora, vou transcrever um trecho daquele singelo poema de Victor Hugo, onde ele diz: O homem é o cérebro; a mulher, o coração. O cérebro produz a luz; o coração produz o amor. Creio que, assim, iremos terminar em paz, tendo dado – com a inestimável participação de Cláudio Duarte - uma pequena colaboração na busca de entendimento entre as mulheres e os homens.

Etelvaldo Vieira de Melo

FILIPINAS

Vista aérea mostra estragos causados pelo tufão Washi nas Filipinas Leia mais
Imagem: fotografia.folha.uol.com.br
Quando a inspiração chegou    
o poema já estava pronto.
O ritmo dos furacões
tomou conta do território
e expulsou a inspiração
a poder de versos livres.

A inspiração argumenta
que traz naufrágios,
cartas de suicidas, 
viagens de Ulisses,
poemas de Hugo
e poetas orientais.

A poesia nem liga.
Sempre quis nascer livre
para falar das Filipinas
ruínas
ilha filha do tufão.
O gosto amargo do presente
que o autor oferece,
com veemência,
ao caríssimo leitor.

O SAPATO DE SETE VIDAS E O GATO DE SETE LÉGUAS



Tem coisas que eu não sei como são possíveis; tem coisas que até sei, mas não gosto ou não aceito. Não sei, por exemplo, como fui desenvolver uma unha encravada, já que minha mãe tinha o cuidado de me comprar sapatos enormes, sob a alegação de que eu estava em fase de crescimento.
           
- Logo, logo eles estarão certinhos nos seus pés – falava ela, tentando dourar a pílula do aperto financeiro.
           
Assim, acontecia de estar andando pelo passeio de uma rua e os bicos dos sapatos já estarem dobrando a esquina, cinco metros adiante.
           
Do que sei e não gosto, tem o exemplo de assistir a filmes baseados em fatos reais. Quando eu lei no script ou na tela:

Este filme é baseado em história real

eu não quero nem saber se é bom ou deixa de ser. Para mim, filme tem que ser pura ficção. A realidade não reúne tempero suficiente para agradar meu paladar cinematográfico. Já o gênero literário, no qual eu me arrisco semanalmente, o das crônicas, para mim, tem que ser calcado em fatos reais. Vez por outra, invento uma mentirinha para tornar o texto mais palatável. A essência, no entanto, é 100% verdadeira, legítima, não como esses smartphones que ando namorando e que, já de longe, cheiram a produtos falsificados. Como estou me tornando uma pessoa exigente em minhas compras, pode até ser que eu caia na esparrela de uma compra mal sucedida, mas que vai ser difícil, vai.
           
Ainda nesse roteiro de não engolir certas coisas, achava que havia um pouco de exagero naquela crônica de Millôr Fernandes, onde ele descrevia os sacrifícios de uma mãe em fazer as vontades de um filho. Ela chega ao ponto de comer metade de uma lagartixa frita em manteiga, exigência do déspota do filho. Só que na hora dele dar conta de sua fatia, recusou-se solenemente, alegando que a mãe havia engolido exatamente a sua parte preferida.
           
Depois que minha amiga Dialinda andou me falando sobre suas desventuras familiares, comecei a achar o texto do Millôr plausível. Minha amiga tem um filho, Redogério, que, entre os 15 e 18 anos de vida, criava um gato himalaia, chamado João.
           
João era um gato especialíssimo, não bastasse ser da raça Himalaia – aquela resultante do cruzamento do Persa com o Siamês. Você consegue imaginar um gato todo peludo, ronronando para você, enquanto passa roçando o rabo entre suas pernas, de cá para lá e de lá para cá? Pois bem, além desses atributos, ele era muito inteligente. Redogério contou que, certo dia, passeava com João pelas ruas do bairro quando, de repente, o animal parou, não queria sair do lugar. Redogério puxou-o pela coleira, mas João resistiu bravamente. Quando foi ver o motivo de tanta resistência, descobriu que o gato estava com a pata dianteira sobre uma nota de R$100,00.
           
Como diz o ditado, não há bem que não acabe; um dia, João arranjou uma infecção urinária, fato que o deixou bem debilitado e fazia com que visitasse regularmente o veterinário. E a Dialinda ia despendendo dinheiro para as consultas e os medicamentos, enquanto Redogério a recriminava, com lágrimas nos olhos:
           
- Você é uma desnaturada! Você não ama o João!
           
Enquanto isso, o dinheiro estava indo para o ralo com consultas e medicamentos. Mas tudo não foi o bastante e João acabou morrendo. Não foi uma morte qualquer: ele teve direito de ter o corpo cremado, enquanto que suas cinzas foram depositadas numa urna. Redegério até quis que o anúncio de sua morte fosse publicado na sessão de avisos fúnebres do principal jornal da cidade.
           
Quando eu quis saber onde estava a urna, Dialinda me respondeu:
           
- Não tenho a mínima ideia de onde ela foi parar!
           
Depois do João, Redogério mudou de espécie, adotando um cachorro, Jimi Hendrix. Apesar de não ter tido uma vida atribulada,Jimi acabou  morrendo logo, em razão de alguma coisa que andou bebendo. A última incursão de Redogério no mundo animal foi a aquisição de três gatas: Lana, Lena e Luna. (Se ainda morasse com a mãe, certamente a teria deixado na lona – expressão que significa levar à falência.) Nesta altura, Redogério já estava casado e era pai de uma menina. Ela teve uma crise alérgica, provocada por uma das gatas, não se sabe qual. Por via das dúvidas, as três foram descartadas e a história chegou a seu final.
           
PS: A propósito, este texto faz exceção ao meu compromisso com a verdade; portanto, qualquer semelhança com fatos reais pode ser um pouco de coincidência.
Etelvaldo Vieira de Melo