PARA QUEM UM PINGO É MAIS DO QUE UMA LETRA

 
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Entre os atos conscientes e os inconscientes, estão aqueles que são nem uma coisa ou outra. É por isso que nem Freud consegue encontrar uma explicação para tudo na vida (e ainda bem, penso eu).

Quanto à interpretação de tais atos, tudo depende dos interlocutores. Existem aqueles que têm o desconfiômetro quebrado; existem aqueles para quem, à simples menção de um pingo, não só enxergam uma letra: são capazes de enxergar uma frase inteira.

Pode até ser que a colocação de uma figura de “namoradeira”, no balcão da recepção da pousada onde estive hospedado em Arraial d’Ajuda, tenha sido um ato meramente decorativo.

Acontece que, do outro lado, estão dispostas mesas e cadeiras onde é servido o café da manhã. A namoradeira está colocada de modo a ficar “olhando” para as pessoas ali sentadas, fazendo o desjejum.

O que me chamou atenção na estátua foi o seu olhar opaco. Ela fica ali olhando para as pessoas, com a mão no queixo. Sua expressão corporal, em especial seu olhar, parece dizer: “Puxa, como você come! Que coisa!”.

Posso até considerar que não era intenção explícita ou tática dos donos da pousada refrear o apetite dos hóspedes, mas me senti como aquele para quem um pingo é uma enciclopédia.

Por isso, todo dia, no café da manhã, eu me sentava de costas para a “namoradeira”. Quando me levantava, depois de ter comido e bebido tudo que pudera suportar, e deparava com aquele olhar de reprimenda, dizia em pensamento: “- Sinto muito, mas agora Inês já é morta!” – Ou, traduzindo para um português mais consistente e inteligível: “- Sinto muito, mas agora a vaca já foi pro brejo com chifre e tudo!”. E saía, sorridente e feliz, para meus passeios de turista acidentado.

Etelvaldo Vieira de Melo


FALTA


 

Se te ausentas, príncipe lunar,

contorce-me um torvelinho.

Tornada ida ardente, mostro-me

Instável pleonasmo: Desencadeio

tempestade chuva de uva.

 

Quero-quero - atlântico esforço -

achar-te achar-me acha fogaréu.

Calma -digon’alma. Entretanto

Tendea enervar-me sal pacífico.

 

Aí, envolvo amor/temor com lã de estrela

cadente anêmona insolvente ver verde

ver-te

beijando a esmo bocas da noite.

Transbordo volúpia.

Até vou voo astronave

ave atrás de ti

nau 100 prumo ramo 10 rumo.

Graça Rios

ELEMENTAR, MEU CARO!


 

Em pretéritos mais que perfeitos, tive um colega de escola e de trabalho, Dalírio, do qual guardo agradáveis e afetivas lembranças. Por aquelas contingências da vida, esse colega e amigo partiu dessa muito cedo.

Entre as lembranças que sobrevoam minha imaginação, está aquela expressão que ele aprendeu nas aulas que frequentávamos. Tratava-se de uma palavrinha pequenininha pela qual foi tomado de amores: dicotomia. Assim que ouviu tal palavra, passou a empregá-la e torto e a direito, por qualquer pretexto. Assim que abria a boca para falar qualquer coisa, lá vinha ela, toda cheia de si:

- Por uma questão de dicotomia, não podemos falar desta maneira – dizia, tomado de orgulho.

E assim ia o Dalírio, gastando o português com seu vocabulário chique.

A lembrança desse amigo me ocorreu sobremaneira na época da campanha eleitoral, quando dos debates televisivos. A partir de um deles, surgiu um personagem que se intitulava padre, Padre Kelmon, e que tinha o propósito de alavancar um dos candidatos. Frente aos demais, seu repertório se resumia a declarar:

- Isso que você está dizendo é um sofisma, uma falácia.

Era alguém declarar um “A”, para o Kelmon retrucar:

- Está sofismando!

Parece que o sujeito se apaixonou pela expressão, sem saber seu real significado. Para ele, sofisma significava mentira, quando, na verdade, quer dizer erro de raciocínio em argumentos, notadamente os chamados silogismos.

Dalírio e Kelmon, autodenominado padre, aparecem como preâmbulos para algo que o amigo Dimas me encaminhou através do Whatsapp: dois exercícios de raciocínio. O propósito, segundo o Dimas, é exercitar o raciocínio, ativar os neurônios. Ele não disse, mas entendi que estou chegando a um ponto em que os reflexos estão tomados de uma lerdeza além do normal, com os neurônios desgastados e custando muito para fazer suas conexões.

A seguir, irei transcrever os dois exercícios. Quem fizer e quiser, poderá anotar suas respostas na parte dos comentários (sem sofismas, sem direito a dicotomias e "achismos" - tendo, pois, que provar suas conclusões). Para as duas melhores respostas, prometo uma caixa de bombom.

PS: Caso alguém sinta que todos os seus neurônios foram queimados, por favor, não venha reclamar comigo. O responsável por tudo é o Dimas, Dimas Felipe de Miranda.

EXERCÍCIO 1

Dois mecânicos, Thiago e Michel, trabalham em uma oficina.

Só um deles folga às 4a feiras; o outro, não.

Eu tenho 2 tios. Um só fala mentira; um, só a verdade.

Ao perguntar qual mecânico folga às 4a feiras, um dos meus tios me falou: "se seu outro tio estivesse aqui, diria que é o Thiago".

Então, às 4a feiras, eu devo encontrar Thiago ou Michel nesta oficina?

 

EXERCÍCIO 2

(SAMIDFM48 elaborou em 04/12/2022)

Há 3 modelos de camisas, de cores diferentes: a preta, a azul e a amarela, feitos para uma seleção de futebol de um país.

Cada um dos torcedores, X, Y, Z, será contemplado, por sorteio, com uma dessas camisas.

Suponha que um é sorteado com a camisa preta, um com a azul   e outro com a amarela, não nessa ordem, necessariamente.

Sabendo-se que só uma das afirmativas abaixo é verdadeira:

a) Y não ganhou a preta

b) X ganhou a preta

c) Z não ganhou a amarela

 

Pergunta-se: Caso você fosse o torcedor Z; seu amigo, o X; e seu primo, o Y, quais as cores das camisas que cada um teria recebido?

Etelvaldo Vieira de Melo

 

 

 

ÁGAPE

 

Vivem as palavras obscuras lá onde a aurora nos deserta.

Conto: Um cheiro de romã provém dos lábios dele. Agora, há leite e mel debaixo de sua língua. Ouso falar nada, sob a pujança do vento alísio vindo das narinas.

Experimento, só: ‘Sopra teu hálito puro em minha garganta. Silêncio. Momento monumento, ali, onde o voo das aves se detém. Surpreso, rasga-me o véu dos olhos. Sou eu ele única pessoa: ardente lava em furioso mar. Leve Eva, construo Amor de paina à margem dos muros. Vai comigo um perfume de aloés que excede mil aromas. Ensaio, abelha insinuante: ‘Prova a delícia de minha carícia dentro e fora adentro do Paraíso.

Aqui, no leito, a seda nos possui na voz dos deuses, e Zeus permite às colchas volúpia de embriaguez. Quer?’ A flama do desejo subindo dos lençóis nos basta ao existir lhe pertencendo. Alevanta a cabeça. Ensejo-lhe fingida calma no perto parto da paixão.

Quase desmancho. Deslacrimejo: ‘Tange-me as mãos com tua face branda. Penetra na cava entreaberta deste corpo. Descobre destemido o esconderijo onde pascem livres negros carneirinhos. Agora, vem. A vida é pra se desdobrar no volume dos beijos.’

Passarinho dez braços abraços pelas dele espáduas frondosas. Cabelos enovelam-se na crina de seu ventre. Pele inteira veste a extensão do rijo membro em água destilada.

Torno a insistir, rainha da colmeia: ‘Tira-me, amado, o sol, a flor, a primavera. Meus ouvidos te verão cor líquida no outono dos pés.’ Passeia a sede na pelúcia das nascentes.

A fonte lança-me âmbar e pérolas no seio. Recolho o bosque de douradas maçãs.

Versejo: ‘Olha bem. Contempla a imensidão: nardo e cinamomo rescendem de ambas as nossas entranhas. Avança e recua. Rende-me as costas. Melhor que o vinho são rios espumosos derramando-se entre tufos de alvos lírios.’ Irrompe sob as colchas súbito estremecimento. Harpa angelical. Ao sopro da brisa no começo do mundo, um gesto rouco acompanha soluçantes sons. Após, horas rompida a ânsia do morrer, resplendemos entes vivos. E a árvore amaciando doces lisos pomos...

Graça Rios


ATÉ DEUS DUVIDA!

 


Em uma de suas famosas composições, Ivan Lins disse: “o amor faz coisas que até Deus duvida”. Procurando na letra da música fundamentos para essa quase blasfêmia, confesso que me senti um pouco decepcionado. Julguei que encontraria algo bombástico, algo que abalasse os alicerces da divindade, mas as declarações não passaram do trivial, aquilo que ouvimos a toda hora: o amor curando desenganados, fechando feridas, juntando os pedaços de um coração que se quebra. Apesar da frustração, isso não tira os méritos da música “Iluminados”, um dos grandes sucessos daquele compositor, em parceria com Vitor Martins. 

Como acredito que o amor é capaz de fazer coisas extraordinárias, andei especulando as pessoas de meu relacionamento em busca de algo inusitado, algo que eu pudesse jogar na cara dos incrédulos, dizendo: Vejam como o amor é capaz de operar milagres na vida de uma pessoa! Encontrei o que vem descrito, a seguir.

O entorno da cidade de Belo Horizonte é contornado por uma rodovia que recebe a denominação de Anel Rodoviário. Poderia se chamar também Anel Funerário, o que não faria tanta diferença, já que é, regularmente, palco de acidentes fatais. Tanto é verdade que emissoras de TV já dispõem de câmeras instaladas sobre um viaduto que dá acesso a um bairro, ponto crítico onde caminhões e carretas costumam passar pela infelicidade de perderem os freios. Perdem os freios e atropelam tudo o que encontram pela frente. Tornam-se, então, matérias de reportagens sensacionalistas e mote para candidatos em campanha eleitoral. Além da duplicação do Anel, também fazem parte da lenga-lenga eleitoral a rodovia 381, chamada de “Rodovia da Morte” e a construção de um rodoanel.

Como não sou candidato a nada, só querendo mesmo expressar a dor de tantas famílias enlutadas e minha indignação, creio que já podemos passar ao outro ponto da questão.

Próximo ao Anel, encontra-se um aglomerado chamado de “Vila Paraíso”, onde centenas de sem-teto e afins construíram suas residências. Foi lá na Vila Paraíso que Gracinésio julgou encontrar o amor de sua vida, ela que atendia pelo de nome de Hildelícia. Foi uma paixão avassaladora que fazia o coração disparar no peito, as mãos tremerem e o suor escorrer pelo rosto, misturando-se com as lágrimas de emoção.

Gracinésio logo viu o Paraíso se transformar em purgatório, quando o entusiasmo inicial de Hildelícia começou a esfriar. Do purgatório para o inferno foi um pulo, quando, passando a mão pela cabeça, sentiu ali uma protuberância, como se fosse um chifre nascendo.

- Engraçado – pensou ele, apalpando o couro cabeludo (na época, pois, agora, sua cabeça parece ter vegetação de deserto) – eu nunca havia notado essas duas saliências em minha cabeça antes!

Quando foi fazer as contas, tirando a prova dos noves, isto é, quando se deu conta, depois de todo mundo estar cansado de saber, Gracinésio sentiu que o mundo ruía aos seus pés, que nada mais fazia sentido, que ele tinha que morrer.

Saiu em desabalada carreira em direção ao asfalto e ali se deitou, com os braços abertos.

- Quero morrer – gritou ele, entre soluços convulsivos e compulsivos.

Os amigos, estando pelas proximidades, saíram correndo e o arrastaram para o acostamento, a tempo de salvá-lo de uma jamanta que passava, tirando-lhe casquinha.

Cambaleante, passou frente à casa de Hildelícia e gritou:

- Hildelícia, paixão de minha vida, vou te amar até morrer!

Mas que nada! Dias depois, estava de namoro com Clotildes, vizinha de frente da antiga amada – segundo ele, para provocar ciúmes. Na conclusão, teve casamento, com direito a doces e salgadinhos, tradição que os ricos trataram de abolir, mas que os pobres cuidam de manter.

De minha parte, só teria que fazer um reparo nesta tresloucada história de amor. Com o tempo, Gracinésio cresceu muito e engordou, engordou muito e cresceu. Se ele deitasse no asfalto da BR e viesse outra jamanta, eu não saberia quem iria se dar mal. Tenho a leve desconfiança de que a carreta iria capotar, com sérias consequências para seu motorista. Aí, teria razão de vez Ivan Lins: o amor fazendo coisas que até Deus duvida, uma carreta sendo atropelada por um homem apaixonado.

Etelvaldo Vieira de Melo

 


ALI-BABÁ

  

Abre-te, gentil caverna!

Venho fugir do mundo.

Quero no teu seio

livrar-me da tocaia e da inquietude.

Anseio pelo amável tempo

gotejando nesse templo ignorado.

Por amor puro diluído,

no interior da gruta me sepulcro.

(Adormeço entre longos perfumes.)

Lá fora, eu-Outro aturde os próprios olhos,

mas nada os perturba ou divide

na obscuridade de teu ventre.

Um freixo, um seixo d’água - apenas - sou,

ao colher dentro em ti silenciosa

o caminho, a integridade, a vida.

Graça Rios

EDUCAÇÃO: LUGAR EM QUE OS POLÍTICOS SE TORNAM "CÉSARES"

 

“É preciso escrever o pouso do mesmo modo que se escreve o voo.”

(Michelin Verunschk) 

Um fato chama particularmente a atenção: a Secretaria de Educação de Minas exige, a partir de 2023, que os professores estaduais cumpram seu cargo em apenas um turno. De início, importa reconhecer que o salário de um(a) professor(a) é insuficiente para as despesas mensais. É necessário dar aulas em outra escola ou assumir outro trabalho. Isso sem considerar as condições mínimas para um bom desenvolvimento das atividades pedagógicas. “E agora, Zema”? Você vai cumprir a lei que exige o piso salarial para os professores estaduais? Essa é uma lei. Cumprir a carga horária em um só turno é lei? Consta em qual regimento? Onde foi publicada e em que ano? Mas, olhando a situação atual, por que um(a) professora(a) que concluiu o mestrado, doutorado, especialização ou pós-graduação lato sensu começa a ter aumento salarial (insignificante) somente depois de cinco anos? Trata-se da “soberania da vontade”, como se os governantes pudessem fazer não o que “deve ser feito”, mas o que querem? E a contrarreforma do Ensino Médio, com a Lei 13.415. de 15 de fevereiro de 2017, tendo como eixo a obrigatoriedade de somente duas disciplinas, Língua Portuguesa e Matemática? É um modelo “Uber da educação”?

O esvaziamento do respeito para com a educação move-se por muitos impulsos voluntários. O termo “ideologia”, por exemplo, passou a ser usado ad nauseam para acusar e deslegitimar autores clássicos no campo educacional, como Paulo Freire. Assim, o problema da educação brasileira teve um “bode expiatório” – o marxismo cultural e a ideologia que trata de gênero, diversidade, direitos humanos, inclusão. Esta era/é a explicação satisfatória e tornou-se uma cadeia ditada para a moral e os bons costumes. Pergunto: A resposta está em “homens devem vestir azul e mulheres rosa”?

Onde está o pouso da educação? Como alçar outros voos para a formação das novas gerações? A reflexão não pode ficar à margem da vida nem à margem da escola. Um aspecto importante neste sentido é reconstituir com relevância o trabalho docente. O ofício docente comporta várias atividades, práticas e sentidos. O(A) professor(a) do século XXI não pode ser ancorado em reducionismos.

(Prof. Mauro Passos)

RECO


 

Meu pai,

staccato no Partenon

(do grego, ‘quarto de mulher virgem solteira’)

tomava a cítara indiana,

tateando pele-pele as cordas de acompanhamento.

Deitava-a, nua deusa, em almofada acetinada:

preparo de festival Delia amplificado.

Gesta mão virtuose corria a cravelha de afinação,

abria a boca de ressonância. Provava-lhes a carne.

Beijava sua fabril febril face.

Elevava, após, o magro mago corpo da caixa

de ressonância, ajustando nela tal volúvel corpo

de Vênus.

Ávaro abraço enlaçava aço fácil a cabeça

glamourosa d’amour.

Oh, meu mel fel.

 

2

 

Sobre o braço decorativo da mesa de jantar,

inclina-se hora agora

O Pai.

Asma fantasma!

Dedo médio unha munha cinco cerdas melódicas

zangadas.

Após quatro pausas, rasa asa pousa revel

num dó Maior.

Só o olho - corvo - pranteia

arqueia-me em fátuo lá:

- Ai, Ceres louçã

ilha filha da lira,

se eu pudesse...

Poderia?

Graça Rios


TEMPO DE VIVER

 
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“Antes do início e depois do final, tudo é sempre o agora.” - T.S.Eliot -

Na vida, o Tempo é tudo. Há tempo em que o Tempo sobra, tem muito tempo; há outros em que ele é pouco, e há aquele em que ele não existe mais. Então, a vida também deixa de existir porque o Tempo passou.

Por causa de sua importância diante da fragilidade da vida, ele é o pano de fundo dos dramas e das tramas do existir. Assim, a Literatura fala de “Em Busca do Tempo Perdido”, do “Tempo e o Vento”; a Música lembra “o Tempo que se rói com inveja de mim”, “o Tempo que passou na janela, mas a menina não viu”; o Cinema, já nos Tempos de antigamente, falava dos “Tempos Modernos”, enquanto a ficção científica desvenda medos e anseios do ser humano diante do mistério do Tempo que virá. 

A Religião fala que existe o “Tempo para plantar e o Tempo para colher”; é ela a armadura com que muitos se revestem diante da ameaça do Tempo.

Pensando o Tempo, invariavelmente somos assaltados por terríveis questões:

⌛∞ O Tempo é imutável ou ele passa?

⌛∞ Não somo nós que passamos diante do Tempo?

⏳∞ Ficamos velhos diante do Tempo ou será o Tempo que envelhece aos nossos olhos?

⏳∞ Os Tempos são muitos ou são uma coisa só?

⏳∞ Se todo o Tempo é eternamente presente, todo o Tempo é irremovível. Removíveis seremos nós, diante da irreversibilidade do Tempo?

⏳∞ Sendo o Tempo eternamente presente, podemos falar de fim, início e meio? Em fim dos tempos? Em princípio, onde tudo era caos?

⏳∞ Pode uma coisa existir sem o Tempo que a está medindo? Ou será o Tempo a medida de tudo?

⏳∞ Quando da passagem de ano, damos adeus ao Ano Velho e fazemos votos de um Feliz Ano Novo. Está certo isto? O ano que ficou para trás não é ele mais novo do que o ano que nasce já mais velho?

⏳∞ Quem diz que o Tempo é o Senhor da Razão? Não é o Tempo prova da irracionalidade e do provisório da vida?

⏳∞ A representação de Deus, como um Ser Onisciente, Onipresente e Onipotente, não é ela uma descrição do Tempo? Quem, além do Tempo, se faz presente junto aos fatos que aconteceram, que acontecem e que haverão de vir?

Apresenta o Tempo diferentes aparências: ora, faz ares de inocência; ora, faz de conta que é indiferente; tem momentos em que enseja alegria e risos, em outros, ocasiona lágrimas e dores. No fundo, seu verdadeiro rosto é assustador e angustiante, quando é Tempo derradeiro.

Presente para quem fica, o Tempo é despedida para quem vai embora. Ir embora é ir em boa hora? Alguém poderá dizer que o Tempo lhe é favorável? Alguém poderá garantir que haverá um novo Tempo para quem vai embora?

Como bem disse alguém, a vida é feita dessas contradições: quando criança, temos pressa para crescer, e, depois, choramos pela infância perdida; durante muito tempo, perdemos saúde e tempo para ter dinheiro, e, depois, perdemos dinheiro para ter saúde e tempo; pensamos com ansiedade no futuro e esquecemos o presente, mesmo assim não vivemos nem o presente e nem o futuro; vivemos como se nunca fôssemos morrer e morremos... sem nunca termos vivido!

O relógio e o calendário são invenções para marcar o Tempo. Sem eles, há o risco das pessoas se perderem no Tempo, o que seria muito desagradável, um verdadeiro contratempo, com a História – registro da ação humana ao longo do Tempo – sendo um novelo onde se perde o fio da meada.

O espelho também é uma maneira de marcar o Tempo. Alguém disse que ele também não deixa de ser uma punhalada no coração.

Voltando a falar em relógio, quero adquirir um, daqueles de bolso, analógico, movido à corda. Todo dia, pela manhã, eu irei dar corda a esse relógio. Será uma maneira de renovar meu compromisso com a vida e de ter o controle do Tempo (ilusório, bem sei), do Tempo do meu viver.

Etelvaldo Vieira de Melo


GHOST 10 GOSTO

 
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Ouço o piano
soando na noite
piano piano nos

refúgios da mente
onde dormem águas
crisálidas de pétalas/hora.

Ó formas alvas
traindo
mori memento.

Ouço piano piano
latente túrgida
lembrança.

Ano após ano,
espinho-me
ai, ardume.
Graça Rios

QUE EXAGERO!

 

Avercílio da Granja já chegou ao ponto de concordar com o compositor, quando diz: “Ando devagar e levo este sorriso, porque já sofri demais”. Em outras palavras, ele se sente mais pra lá do que pra cá. Uma vez ou outra, esbarra num contratempo, que lhe acarreta dor ou aborrecimento. No geral, entretanto, ele se sente bem disposto e toca a vida com bom humor.

   Daí é que brotou uma amizade com o vizinho Olestário da Niquinha, outro que sempre encontrava motivos pra rir de tudo, principalmente de si mesmo. É de Olestário aquela máxima que resumia sua opinião diante de qualquer situação:

   “É complicado...”

   Ultimamente, a situação tem andado complicada pro seu lado mesmo, com essa sua tirada servindo como luva para todos os dissabores que anda experimentando, sejam de natureza física ou decorrentes de aborrecimentos familiares. Embora já tenha colocado quatro safenas, o que anda lhe incomodando ultimamente é uma dor nas escadeiras que não tem ‘otopedista’ (ele fala desse jeito mesmo) que acerte num diagnóstico e num tratamento. Foi ele quem falou, em relatos passados, que havia a suspeita de que seu nervo ‘asiático’ estava afetado.

   Meses atrás, sentindo-se incomodado com uma dor de garganta, foi até a farmácia do bairro e, assim, perguntou pro balconista:

   “Por acaso você tem um comprimido bom para dor na goela?”

   O moço olhou pra ele, assustado, só se dando conta do pedido, quando Olestário passou a mão pelo pescoço.

   Voltando aos tempos presentes, por não estar se sentindo bem, ele tem evitado encontrar o amigo Avercílio. Este, assim que foi possível, não deixou passar uma reclamação:

   “Você precisa melhorar porque, falando de maneira egoísta, eu preciso de você, de sua amizade e de seu bom humor. Sem eles, fica difícil tocar em frente a vida.”

   De uns dias pra cá, aconteceu de Olestário dar uma aprumada, retomando seu humor ferino. Encontrando-se com Avercílio, ele falou esta:

   “Ouvir as pessoas falando que pescador é mentiroso me deixa muito aborrecido. O fato deles exagerarem um pouco, não significa que estejam faltando com a verdade. Veja você, caro amigo, o que aconteceu entre dois deles. Estavam conversando sobre a última pescaria que haviam feito.

   - E aí, compadre, pescou bastante? – perguntou um deles.

   - Não, compadre, não sei se foi porque a lua estava minguante, o certo é que só consegui pescar um peixinho.

   - E qual foi?

   - Foi um pacu, pesando uns 55 quilos.

   - O quêêê...? Você não tá exagerando não, compadre? Um pacu pesa, quando muito uns cinco quilos.

   - Pois esse estava pra mais de 55. Eu é que não tive a ideia de tirar uma foto como comprovatório de quem mata a cobra e mostra o pau. Minha máquina estava estragada. Mas e você, como foi de pescaria?

   - Pescaria de pegar peixe eu não fui bem, não. Mas eu consegui a façanha de pescar um lampião que meu tataravô havia perdido e meu avô e meu pai não se cansaram de procurar. Era uma relíquia de estimação e estava em perfeita condição, inclusive com o pavio aceso.”

   Antes que Olestário desse desfecho ao caso, Avercílio atalhou, dizendo:

   “Amigo, peço desculpas por estar cortando o seu caso, mas é que estou com um problema sério pra resolver. Tenho que ir até um hospital, fazer uma transfusão de sangue. Eu estava em casa ainda há pouco, feitorando uma reforma que os pedreiros estão fazendo lá na área, quando me dei conta de um baita de pernilongo mordendo o meu pé. Falei pra minha esposa: - Vai, Esleide, mata este danado, antes que chupe todo meu sangue! Esleide deu um tapa no meu pé e, imediatamente, uma poça de um litro de sangue se espalhou pelo chão. Daí, a minha urgência de resolver o caso, já que sinto minha vista turvada.”

“Um litro de sangue?” – perguntou Olestário, quase sufocando de tanto rir. 

“Está bem” – retrucou Avercílio. – “Eu tiro 999 ml de sangue, deixando só uma gotinha, a troco de você apagar a luz do lampião e tirar 50 quilos do pacu. Fica bom assim?” 

Etelvaldo Vieira de Melo


EINE KLEINE NACHT MUSIK


(PEQUENA MÚSICA PARA A NOITE)

Quando compôs essa música, Wolfgang Amadeus Mozart a encenou para os anjos. (Quando os anjos queriam homenagear a Deus, tocavam Bach; quando queriam se autoagradar convidavam Mozart). As notas afinadas criavam happenings musicais de uma doçura e um gosto de açúcares e cristais. A melodia levava o ouvido de uma onda a outra e caía num sus!tenido. O acorde convidava a beladormecer. Wolfgang trinava passarinhos e linhas pela mente e pelo corpo do anjo escutador. A harmonia exercia abelhinhas voando zibelinhas na pauta. Eram banjos são arranjos finíssimos grânulos de sal atrapalhando, com alegria, o tropel disparatado da morte.

Graça Rios


UM PASSEIO NADA BONITO

 

Vai Terebentina visitar sua irmã Abrilina na cidade de Bonito. Uma série de inconveniências se apresenta bem antes dela colocar o pé na estrada. Pé na estrada é força de expressão, já que eles, os pés, estarão sobre as rodas de um automóvel. 

Bonito é um lugar que faz honra ao nome, sendo reconhecido internacionalmente pelas águas cristalinas de seus rios. Lá se pratica o que chamam de ecoturismo. Como tudo ali é preservado, as muriçocas voam de braçadas, atacando impiedosamente aqueles incautos turistas que não se armam com repelentes. 

Foi isso que ocorreu e que vi com meus próprios olhos, quando atacaram o casal Flores das Laranjeiras, precisamente o marido, Florival Floriano. Sua esposa dava-lhe tapas e mais tapas. Ele reclamou:

- Florisbela, você está me batendo demais. Está doendo pra chuchu! - (uma expressão da qual não sei o propósito).         

A mulher alegou que era por causa das muriçocas. Entretanto, ficou no ar a suspeita de que os tabefes vinham por causa de outras razões. Os mosquitos funcionaram como pretexto.

(Se você quer uma desculpa para dar uns bons cascudos no seu companheiro ou companheira, fica aqui a sugestão para uma visita a Bonito. Lá, você poderá juntar o útil ao agradável.) 

As muriçocas e o risco que representam se constituem a primeira inconveniência para o passeio de Terebentina. Ela anda tão mirradinha, tão debilitada, que qualquer gotinha de sangue a menos pode lhe custar caro. Levando em conta essa razão, eu daria um veto à viagem. Entretanto, tem mais.       

Terebentina sofre de intestino solto, parece uma torneira que perdeu a bucha. Por isso, ela precisa tomar uns comprimidos de Imosec para segurar as pontas até chegar ao destino. O problema é que, às vezes, a dosagem passa da conta e Terebentina acaba ficando vários dias entupida, o que não deixa de ser outro inconveniente a marcar pontos contra a viagem.

Coroando essa série de riscos, fiquei sabendo que o motorista será o seu sobrinho Madurino Cruz. Não tenho nenhum reparo quanto as suas habilidades no volante, mas sei bem dos traumas de infância e adolescência que ele carrega e que podem, a qualquer hora, sem mais nem menos, explodir com consequências imprevisíveis.     

Até seus quinze anos de vida, Madurino sofria com enjoos quando viajava. Sei disso muito bem, pois estava ao seu lado, quando de um passeio a Resplendor.  Sabendo da facilidade com que ele “chamava o mico” (outra expressão da qual também não sei o propósito), sua mãe cuidava de lhe fornecer muitos limões para serem cheirados e muitos palitos de fósforo para serem mastigados (os donos da fábrica de fósforos “Fiat Lux” deveriam ficar rindo à toa nesses momentos, em decorrência do aumento das vendas). 

Nessa viagem a Resplendor, o transcurso foi feito à noite. Tínhamos que atravessar uma região montanhosa e o frio era intenso. Logo, Madurino fez o favor de escancarar a janela ao lado de sua poltrona, colocando o rosto para fora e recebendo aquela lufada de ar frio. Estava pálido, com um limão rente ao nariz, enquanto um palito de fósforo rolava na sua boca tal como uma bengala em mão de cego.

Tentando ser agradável, tentando amenizar-lhe a angústia ante a iminência de um vômito, puxei conversa, falando de coisas banais.

Pra quê! Madurino olhou-me com olhos enraivecidos, ao mesmo tempo em que dizia estas palavras duras, das quais não me esqueço até hoje:

- O senhor sabe muito bem que não gosto de conversa, quando estou viajando.

Junta tudo isso num liquidificador, as muriçocas, a debilidade de Terebentina, seu intestino solto, os imosecs, o trauma de infância de Madurino, ainda não terapeuticamente tratado, e veja se não tenho minhas razões para estar preocupado, se não estou certo em achar nada bonito essa viagem a Bonito.      

Caso considere isso pouco, fique sabendo que Madurino está levando também sua namorada, Dosolina Bubina. Como a relação deles anda instável, qual placa tectônica, é bem provável que ela utilize do pretexto das muriçocas para aplicar-lhe uns bons tabefes. Vai daí que, ao retornar da viagem, o trauma de infância de Madurino venha a eclodir, e ele, desorientado por causa de ter o rosto e o corpo cobertos de hematomas, ao invés de tomar o rumo das Minas Gerais, entranhe pelas terras paraguaias, sem hablar um tiquito de castelhano e com o estoque de Imosec da Terebentina zerado. Há o sério risco de termos vômitos pra tudo quanto é lado, pra cima, pra baixo, pros lados, na vertical, horizontal e na paralela. Eu é que não gostaria de estar pelas proximidades, embora uma visita a Ciudad del Este esteja entre meus sonhos de consumo.

Etelvaldo Vieira de Melo 

OBJETO PERDIDO

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Assenta-se ao piano. Enxuga as mãos sob o lenço.

“Apresentará uma peça de Ludwig Van Beethoven: Sinfonia número 3, ‘Heroica’, Fidelio, Obertura. Sua extensa duração possui forte apelo emocional próprio do Romantismo.” - anuncia o locutor.

- Por que a demora? Nossa virtuose virou penumbra?

Enfim, abre a partitura, corpo pulsátil: impasse básico de artístico drama nessa quase duradoura alucinação.

- O que houve?

- Silêncio!

Rápido, farta, deslisa os dedos sobre as teclas. Inicia-se.

No 1o movimento, Allegro com Brio, advém-lhe um gozo primordial. E o 2o movimento, Marcha Fúnebre: Adagio Assai, alcança a orgástica plateia em primeiro plus de preenchimento além. Nota-se certo gosto de cereja, flan, sonho. O Outro, assistente, não completo, barrado, ouve em si a vã tentativa de obturar o vago vão interior.

Algo indecifrável - um brilho, um Lá, o Finale Alla Fuga, - compõe as aparências. Há no ar certa busca do Infinito, contido na fantasia elucidativa da ausente concertista.

Graça Rios



LAVA JATO & GABINETE DO ÓDIO

- Carlos... “Carluxo”. Posso chamar você de “Carluxo”?

- Dentro da máxima de que ‘chumbo trocado não dói’, só se você permitir chamá-lo de “Marreco de Londrina”.

- Melhor não. Esse apelido me magoa, que só você vendo.

- Então, senhor Sérgio Moro, vamos conversar sobre a sua Lava Jato e o meu Gabinete do Ódio, sabendo que o que dissermos aqui só será revelado daqui a 100 anos.

- Muito boa essa ideia de seu pai. Se eu tivesse feito o mesmo com a Lava Jato, teria evitado muito aborrecimento.

- Não sei como você poderia fazer uma coisa dessa.

- Podia, sim. Naquele tempo, estávamos com ‘a faca e o queijo nas mãos’. Qualquer coisa que fizéssemos seria aprovado pelo Supremo, pelo Congresso e pela Imprensa. Demos bobeira.

- Mas fizeram muito: o impeachment de Dilma, a prisão de Lula e a consequente eleição de papai.

- Quá! Isso foi ‘mamão com açúcar’. Nem precisamos provar nada. Só precisei alegar “fortes suposições”.

- Verdade, Serginho. Sua Lava Jato foi mesmo uma Lava PaTo, além de plantar a demonização da política, com meu pai aproveitando para aparecer como o novo, o antissistema.

- Embora ele estivesse atolado lá por mais de 30 anos. Mas o que o seu Gabinete do Ódio viu de mais interessante na nossa operação?

- Não vou mencionar o cuidado que vocês tiveram em ferrar o PT – isso todo mundo está cansado de saber. O que nos chamou mais atenção foi terem usado a ‘Delação Premiada’, com a máxima de que ‘os fins justificam os meios’. Com isso, abriram as portas para que a gente usasse de todo tipo de sacanagem e mentira para a eleição de papai.

- De fato, usamos e abusamos dessa máxima. Plantando mentiras todos os dias, vocês mostraram que aprenderam bem a lição.

- Dominamos tanto essa técnica que, hoje, já convencemos todo mundo que Lula é a favor do aborto, quando, na verdade, é meu pai que é a favor.

- Sim. Li em algum lugar que ele tentou forçar sua segunda esposa, Ana Cristina, a abortar o Nº 4, o Jair Renan. Suspeitava que não fosse filho seu. Só depois que fizeram exame de DNA é que assumiu a paternidade. Ah, se essa história chegasse aos ouvidos dos 'pentecostais' (*)!

- Sem problemas. Eles ouvem só o que lhes interessa. Mas, aqui entre nós, vocês da Lava Jato não jogaram para colocar o PSDB no Poder?

- De fato. Essa era a nossa intenção. No entanto, o Aécio ‘Mineirinho’ foi com muita ‘sede ao pote’: roubou tanto que não tivemos como defendê-lo. Mas logo depois surgiu o seu pai e pudemos ‘trocar seis por meia dúzia’. Deu até para dar uma mãozinha, com a delação do Palocci às vésperas do 1º Turno de 2018.

- Isso não foi de graça: prometemos para você o Ministério da Justiça.

- Quá! Eu estava de olho no Supremo.

- De qualquer modo, somos gratos a você e sua turma. Afinal de contas, a ideia de combater a corrupção sempre agrada aos trouxas.

- No frigir dos ovos, perdi o Ministério, mas ganhei um mandato de 8 anos no Senado.

- Nada mal. Se tiver um pouco de consideração, está na hora de acertarmos uma rachadinha...

- Carlos, Carlos, não seja ambicioso! Vocês têm, agora, tanto lugar onde roubar! Aquele ministro da Educação, por exemplo, deve ter dado para vocês algumas barras de ouro.

- Certo. Mas dinheiro nunca é demais. Principalmente dinheiro vivo. Todavia, não vamos sair do assunto inicial. Pergunto: o que chama sua atenção no ‘modus operandi’ da Gabinete do Ódio?

- Várias coisas. Mentir, por exemplo. Vocês aprenderam direitinho com Hitler, quando disse que uma mentira, de tanto ser repetida, acaba se tornando uma verdade.

- Não nos interessa tanto tornar uma mentira verdade. Ela precisa ser verdade até nosso gado a engolir e a oposição gastar seu tempo tentando refutá-la.

- Seu pai, o senhor Jair, mente tanto que já nem sabe quando está dizendo uma verdade.

- E além da mentira?

- Achei muito legal vocês envolverem a religião com a política. Deu certo em 1964 e está dando muito certo agora. Copiaram bem o lema fascista “Deus, pátria, família e liberdade”: “Brasil acima de tudo, Deus acima de todos”.

- Os religiosos, principalmente os pentecostais, têm uma mentalidade muito curta. É só falar na ameaça do comunismo, na liberação do aborto, para eles aderirem cegamente.

- Mas eu não entendo: ao mesmo tempo que fala isso para os 'cristãos', seu pai fala em armamento, fuzilar pessoas, comer carne de índio, “pintar clima” diante de garotas adolescentes, enquanto ridiculariza mulheres, negros e povos indígenas...

- Isso acontece porque os criadores das redes sociais, através de algoritmos, fizeram o favor de dividir os grupos em ‘bolhas’. Então, fica fácil: nossas mensagens são todas individualizadas, falamos para cada um o que ele quer ouvir.

- Já sei: pra um vocês falam em comunismo; pra outro, ideologia de gênero; para um terceiro, aborto; para o quarto, corrupção; um quinto, armamento; para as viúvas da Ditadura, acenam com um golpe; nas mãos de uns vocês deixam o ‘orçamento secreto’; nas de outros, transformam altos cargos em cabides de emprego, com direito a Viagra e próteses penianas; e, assim, vão atendendo a todos os gostos e desgostos.

- Afinal, quero concluir, o povo tem o governo que merece. Papai representa direitinho a maioria das pessoas, já que cada uma não deixa de ser, um pouquinho que seja, machista, racista, individualista, intolerante, truculenta, estúpida e até mesmo ingênua e de boa-fé. Modéstia à parte, meu pai é o suprassumo de tudo isso.

- É, pelo que estou vendo, ele tem tudo pra ser nosso ditador, igualzinho ao Maduro. Quá quá!

- Melhor, muito melhor. Igual a ele é impossível, pois só o nosso Mito tem a Marca dos Três Is: Incomível, Imorrível, Imbrochável.

PS: A bem da verdade, quando emprego o termo 'pentecostal', estou me referindo a um segmento de católicos e evangélicos. E também a um grupo que se diz católico ou evangélico, mas que não é nada disso.

Etelvaldo Vieira de Melo