LAURA

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Não chore, Laura,
Não ponha
No olhar
Esses fundos verdes
Que o mar
Não é amar
E fica longe.

Laura tem os olhos
Vermelhos de lágrimas
E dor.
Pelas águas desses olhos
Derrama-se o mar
De amor.

Enxugue, Laura, o oceano,
Pois essa incerta centelha
Que provém de seu rubor
Faz fundirem-se
Fogo, ar, água e terra
Numa forma que desfaz-se
Em flama de nada e ardor.


UM CAFEZINHO COM PÃO DE QUEIJO E UMA APRESENTAÇÃO


Pode ser que a realidade já seja outra, mas ouvi dizer que, no nordeste brasileiro, as portas permanecem abertas para as visitas; no sul, elas estão fechadas, enquanto que, em Minas, ficam encostadas. Não estou aqui fazendo juízo de valor, discriminando essa ou aquela região; simplesmente quero ressaltar a diversidade e a riqueza cultural de nosso país: a extroversão do nordestino, a seriedade do sulista e a desconfiança do mineiro.

Sou de Minas Gerais. Contrariando minha natureza desconfiada, estou cometendo a audácia de lhe fazer um convite para vir até minha casa.

Vou lhe preparar um cafezinho, um costume nosso, com grãos moídos na hora. Como medida, vou usar quatro colheres de sopa de grãos e meio litro d’água. Vou adoçar com meia xícara das de chá com açúcar, mas, se você preferir, posso deixar para que você mesmo adoce, com açúcar ou outro adoçante. Enquanto preparo o café, já está assando no forno um tanto de pão de queijo. Trata-se de minha especialidade, aprendida com uma amiga vizinha. Cozinho cinco batatas inglesas das grandes. Depois de cozidas, elas são amassadas. Depois, acrescento um quilo de polvilho doce da marca Marinêz (é assim mesmo que vem escrito na embalagem), cinco ovos, um copo grande de leite, outro copo grande de óleo e uma colher das de sopa com sal. Misturo tudo, sovando bem. Quando tudo estiver bem amassado, acrescento seiscentos gramas de queijo canastra ou, preferencialmente, queijo mineiro, de meia-cura, mais cem a cento e cinquenta gramas de queijo tipo parmesão. Finalizando, os pães de queijo são enrolados e dispostos em formas para serem levados ao congelador. Uso como medida uma colher de sopa cheia de massa, tendo o cuidado de ter bem próximo um prato com um pouco de óleo, para untar as mãos.

Depois do café com pão de queijo (espero que tenha gostado), vou tomar de dez a quinze minutos de seu tempo para lhe apresentar meu trabalho e falar um pouco sobre quem sou eu, pode ser?

Como você está vendo, tudo é muito simples em minha casa. Pessoalmente, sou mais simples ainda. Para falar a verdade, não sou nada chegado a sofisticação, a termos rebuscados e difíceis. Acho que tudo cabe dentro do simples. Se não couber, penso que pode ser dispensado.

Creio que o segredo de se ter prazer na vida, não estou falando de felicidade – simplesmente, de se ter alegria – é você descobrir e cultivar suas potencialidades. Cada pessoa tem um dom especial, que merece ser cultivado. O meu, descobri muito tarde, mas nunca tarde demais, é esse: gosto de escrever. Tudo estava adormecido dentro de mim, até que alguém veio e assoprou essa brasa que estava aparentemente apagada. Desde então, vivo nessa agonia de escrever alguma coisa. Quando uso o termo “agonia”, não estou querendo dizer que se trata de algo doloroso, sofrido; uso mais como força de expressão, pois tudo é motivo de prazer, os escritos fluem naturalmente, nada é forçado ou trabalhoso. Tem mais ou menos um ano e meio que isso vem acontecendo.

O fato de gostar de escrever não quer dizer que eu me considere um bom escritor; os literatos até podem torcer o nariz, lendo uma de minhas produções. Escrevo, como já disse acima, para atender a uma exigência interior, não mais que isso. Até quando vai durar essa inspiração, eu não sei; só sei que os acontecimentos em minha vida – mesmo os provisórios e efêmeros – são vividos de maneira intensa e apaixonada.

Estou me lembrando, a propósito, de quando ganhei um jogo de videogame. Como justificativa para com jovens e adolescentes, dizia que havia sido um presente de aniversário de minha esposa – o que era verdade – e eu não havia tido um brinquedo daquele em minha infância, que não poderia vir a falecer com aquele sentimento de frustração.

Então, é sobre esse trabalho que eu queria falar, sobre as crônicas que escrevo. Já lhe disse que elas são discretas e simples. Preciso acrescentar algo mais: elas são 96% bem-humoradas. Essa é a maneira que estou encontrando para entender a vida. Mesmo quando o tema é sério, e quase todos eles são, uso de uma linguagem leve e descontraída.

É isso uma das coisas que tenho para lhe dizer. Peço-lhe desculpas se extrapolei os limites da conveniência. Tantos pedidos de desculpa são por conta de uma natural timidez, que me acompanhou ao longo da vida, sempre me aconselhando a ter cuidado ao me aproximar e tentar o diálogo com as pessoas.

Sobre quem sou eu, era para ser Etevaldo, mas ficou sendo Etelvaldo, por causa do escrivão e algumas doses etílicas. Um pouco mais de cachaça e ele estaria enxergando um “l” triplicado, e eu me chamaria Eltelvaldo. Desde cedo, aprendi, então, a me conformar com as coisas, pois percebi que elas, por ruins que sejam, poderiam ser ainda piores.

Se no nome sou original, fisicamente chego a ser confundido com outras pessoas, ao ponto de considerar ser eu um produto genérico. Recentemente, estando de boné, aconteceu de acharem que sou sósia do diretor Steven Spielberg, imagina.

Ex-professor, casado, resido em Belo Horizonte e não tenho pretensões políticas. Quanto a enumerar aquilo que gosto, sou como o nome de uma loja aqui perto de casa: “De Tudo Um Pouco”, sendo esse pouco vivido de maneira intensa e apaixonada. Sou radicalmente contra os radicalistas e dogmáticos. Às vezes, assumo uma postura assim, mas é mais como contraponto, nos moldes daquela velha e ultrapassada dialética hegeliana e marxista. Como exemplo, aparento ser cético diante de um fanático, apresento-me como religioso perante um ateu.

Gosto demais de música, sem especificar um gênero. Às vezes, um pequeno detalhe faz para mim toda a diferença, como um toque sutil do contrabaixo em “Bridge Over Trubled Water”, de Simon and Garfunkel. Gosto de ouvir gravações de panflute, notadamente do romeno George Zamfir. Outro nome de destaque é Ennio Morricone, que fez trilhas sonoras belíssimas para filmes como “A Missão” e “Era Uma Vez no Oeste”, um clássico de Sergio Leone.

O cinema me encantou desde pequeno, lá na cidade onde nasci, quando os filmes vinham em rolos e eu era presenteado com pedaços recortados durante as transmissões, quando o projetor parava, queimando parte da fita, assim como é mostrado em “Cinema Paradiso”.

A literatura sempre representou o máximo de alegria e prazer, em uma época ainda não dominada pela tecnologia moderna. Alguns dos livros que me marcaram foram “Crime e Castigo”, de Dostoievski, “O Vermelho e o Negro”, de Stendhal, Germinal, de Émile Zola, “Judas, o Obscuro”, de Thomas Hardy, “A Cidadela”, de Cronin, “O Processo”, de Kafka. Entre os brasileiros, destaco as obras de Machado de Assis e “Quarup”, de Antônio Callado.

Outras e outras coisas poderiam ser ditas aqui, mas elas ficam espalhadas ao longo das 52 crônicas postadas até hoje.  Obrigado pela visita.

                Etelvaldo Vieira de Melo 

Fiiiiii...! Pum! Pum!...


Imagem: www.dinet.tv

Por trezentos e tantos dias
Andamos por aí.
Rodando ideias
As melhores
Belezas
Esperando sempre
No justo momento
Ser preciso para ti.

Bolamos o Blog
Levamos ao ar.
O Blog faz um ano
Graças vamos dar.

A GALINHA

Imagem: noticias.r7.com




A galinha do Juninho
Punha ovo
Amarelinho.

                                      Botou um
                                      Botou dois
                                      Botou três.

Certo dia
O seu vizinho
Foi ao ninho
E achou um ovo de pata
(Ovo de pata ou de prata?)

                                      Achou um
                                      Achou dois
                                      Achou três.

E a galinha?
Era uma vez.

TENHO UM SONHO

            Véspera de aniversário do Blog BBCR (1ª Postagem: 24/10/2012)

A exemplo de Martin Luther King, também tenho um sonho. Naquele famoso discurso (I Have a Dream), realizado em 28 de agosto de 1963 nos degraus do Lincoln Memorial em Washington, considerado um dos maiores da História, aquele que foi assassinado por lutar contra o racismo e a intolerância dizia sonhar com um mundo onde as pessoas “não seriam julgadas pela cor da pele, mas pelo conteúdo de seu caráter”. Meu sonho é mais comedido e voltado para interesses mesquinhos. Mas, fazer o quê? Há muito tempo me dei conta que cada um sabe onde seu calo aperta.
            
        O meu aperta não quando vem chuva, mas todo sábado pela manhã, entre 10:30 e 11:00. Nesse espaço de tempo, faço as postagens de Graça e minha no blog BBCR. A noite de sexta para sábado já é mal dormida; quando acordo, sinto-me ansioso para transcrever os textos, pois imagino – e está aqui o meu sonho – que milhares de leitores os aguardam ansiosamente, quase provocando um colapso na Internet. Sinto um alívio temporário, quando clico por duas vezes o ícone “Publicar”. Fazendo lembrar um pouco aquele comediante conhecido por Mr. Been, ainda pela manhã, retorno, três, quatro vezes, ao computador para confirmar se está tudo direitinho, se o texto não sumiu.
            
       Esse sonho tem outras duas variáveis. Numa delas, apareço qual Steve Jobs, quando ainda vivo, naquele suspense de lançamento da mais nova versão do iPhone. Imagino meus leitores tais como aqueles jovens apaixonados por novidades tecnológicas, dormindo em filas diante de lojas, agasalhados com cobertores. Fico constrangido, imaginando meus leitores dormindo frente aos computadores, aguardando a postagem da semana. No sonho, lamento não poder ir até cada um, oferecendo-lhe uma xícara de café.
            
       Na outra variável, os leitores se comportam como consumidores no Black Friday (o americano, pois o nosso é tapeação), naquela ansiedade e naquele empurra-empurra para comprar algo a preço de pechincha.
            
       Esse é meu sonho e você tem todo o direito de achar que ando com um parafuso (ou vários) a menos. Você pode pensar assim, porque não vivencia o que passo, aquela angústia tão bem descrita por William Faulkner: “Ele (o escritor) tem um sonho. Que o angustia tanto que ele precisa se livrar dele. Ele não tem paz até que isso aconteça. Vai tudo por água abaixo: honra, orgulho, decência, segurança, felicidade, tudo, para se ter o livro escrito. Se um artista tiver que roubar sua mãe, não hesitará”.
            
        Quando meu estado febril baixa um pouco, chego a me conformar com minhas limitações e insignificância, vejo que meu sonho é pura fantasia. É nessa hora que sou salvo por uma terceira variável: penso que escrevo para a posteridade, que haverá um dia em que meu trabalho será reconhecido, mesmo não estando presente para desfrutar tamanha alegria. Então, imagino que todas as postagens estarão guardadas nas “nuvens”, um termo criado recentemente para designar um espaço cibernético, onde dados são armazenados. Como esse termo é ainda um tanto nebuloso para mim, vez por outra me vejo olhando para as nuvens no céu, pensando que nelas estão armazenados todos meus textos. Espero que nenhum venha a cair numa nuvem de chuva. Os palavrões que emprego, caindo na cabeça de alguém, podem causar um dano fatal. Irei, então, me tornar uma pessoa tristemente famosa; os jornais poderão estampar em manchetes: Tempestade de palavras do Blog BBCR provoca destruição e caos! Autor se encontra atrás das grades! E meu sonho poderá virar pesadelo.

Etelvaldo Vieira de Melo

             

PENSO EM TI



Professor,
eu penso em ti.
Em tuas longas
jornadas de trabalho,
nas tarefas difíceis
de serem corrigidas,
no ar do amanhecer
carregado de dias.

Professor,
Imagem: blogdadonarita.blogspot.com
eu penso em ti
e no teu salário ridículo,
miserável, apesar de todo o esforço.

Penso em ti
e nos teus estudos infindos,
eternais.
Nas tuas canseiras e provas,
todo o povo esperando de ti
o milagre da educação.

Penso em ti, professor,
sozinho com teus livros,
a preparar lições
para os discentes.
Esses discentes,
teu propósito e conta.

Penso em ti
e nas grades curriculares,
nos concursos
municipais, estaduais, federais
a que te apresentaste
e não sucumbiste
apesar da carga horária redobrada.
Apesar do teu conhecimento
multidisciplinar.

Penso em ti,
em tuas horas perdidas
a sonhar
com democracia e justiça.

Penso em ti,
no momento em que o país
não reconhece
a tua figura de mestre
e mensageiro.
No momento em que te tratam
com canhões e fuzis
assessorados.

Professor,
eu penso em ti
e na tua profissão
nos teus filhos carentes
pelo teu esmero,
pela tua luz
que só vem
às altas horas.

Penso em ti,
finalmente,
da cultura destituído
e entregue
ao escárnio e à dor
de ser, ainda,

um mero professor.

BOM DIA, PROFESSOR!


Como bem diria Cazuza, os dirigentes políticos de nosso país são mesmo EXAGERADOS: na comemoração de 15 de outubro, Dia do professor, em vez de arrebentarem foguetes, soltam bombas; dão balas... de borracha, em vez de salgados; quando todos pensam que irão bater palmas, cantar o “parabéns”, correm atrás da população e batem... com cassetetes. É isso que se chama “amor escrachado, extravagante”.
Falando sério: toda pessoa de bom senso sabe que o desenvolvimento de um país depende de investimentos nas áreas de educação, saúde e infraestrutura. Os políticos ficam por conta da exceção; eles só tratam desses temas em época de campanha eleitoral.
“Bom dia, professor!” é uma maneira simples de prestar homenagem para esses profissionais tão sofridos, mas que, pelo trabalho digno e honesto, são e foram marcos na história de vida de cada um de nós. Nesta homenagem, faço relato de casos bem-humorados acontecidos em sala de aula. 

Técnicos de futebol gostam de jogadores que se adaptam a múltiplas posições. Os  torcedores não pensam assim, considerando-os, no máximo, regulares.
Houve um tempo em que os professores eram polivalentes e, por isso, chegavam a lecionar disciplinas com as quais tinham pouca ou nenhuma afinidade.
Como aquele que, lecionando Ciências, foi encurralado por uma pergunta escabrosa de um aluno. Perguntou, tentando aparentar tranquilidade, ele que se sentia acometido de uma taquicardia:
              - Já estudamos esse conteúdo?
              - Não, ainda não, professor.
            - Pois, então, estudo é como medicamento: você tem que tomar a dosagem certa na hora certa. Se você toma um medicamento fora de hora, ao invés de fazer bem, ele pode lhe causar muito mal.
              - É verdade, professor. Muito obrigado.
O professor riu por dentro, satisfeito com sua esperteza. Mas, logo depois, ele desistiu definitivamente de Ciências, quando outro aluno lhe perguntou:
            - Professor, peixe fecha os olhos quando dorme?
Também teve aquele caso de outro professor, que conseguia a proeza de se relacionar muito bem com os alunos, ao ponto de provocar crise de ciumeira por parte dos colegas. Até que, lecionando Ciências, acabou se dando mal, ao ponto de ser excluído da Escola. Na aula de Educação Sexual, resolveu fazer um teste de espermograma com os alunos. Eles ficaram em fila diante do banheiro, cada qual com um frasco na mão e onde, um por um, faziam a coleta do material a ser classificado. No dia seguinte, diante do avassalador berreiro dos pais, o nobre professor foi colocado no olho da rua.
E teve também aquele caso de outro professor que, durante o período da ditadura militar, lecionou a disciplina Moral e Cívica. Moral era como ele mesmo, tirava de letra, mas civismo... e... dentro daquelas circunstâncias...
Certo dia, para desencargo de consciência (e por medo de desagradáveis consequências), pediu para que os alunos fizessem pesquisa sobre os conceitos de Nação, Povo, Massa, País.
No dia da entrega dos trabalhos, um aluno disse:
               - Fessor, eu fiz um cartaz sobre o tema.
               - Muito bem, pode apresentá-lo.
            - Eu fiz cartaz sobre o tema “Massa” – falou o aluno, enquanto cuidava de colar no quadro seu cartaz.
O professor ficou abismado, quando viu o que estava no cartaz: gravuras de doces, tortas, bolos, pudim... e, mais assustado ficou, quando o estudante explicou o conteúdo do trabalho:
            - Esta aqui é uma massa de bolo, aquela é uma torta, esta outra é um pastel e esta - apontando para o meio das gravuras, onde estava a foto de uma mulher de biquíni, dessas que decoram paredes de borracharias – esta não é massa, mas é da massa!
O professor caiu de costas.
Esse mesmo professor reservava períodos do ano letivo para que seus alunos, livremente, apresentassem trabalhos onde poderiam mostrar suas habilidades: canto, dança, humor, trabalho artesanal, desenho, conto, crônica, poema, curiosidade, teatro... Nos dias das apresentações, o professor entrava em sala apreensivo, pensando: “o que eles vão aprontar hoje?”
Houve uma apresentação de dança espanhola, onde alunos estavam vestidos com roupas típicas. Tudo muito bonito, mas que chamou em demasia a atenção de salas vizinhas, com estudantes indo até as janelas, a fim de acompanharem a apresentação. E o professor, apesar de achar o número bonito, torcia para que acabasse logo e tudo voltasse ao normal. O que ele não sabia é que o grupo havia escolhido uma música de um conjunto chamado Santa Esmeralda (Don’t Let Me Be Misunderstood) e que durava pra lá de 25 minutos... Às vezes, a música baixava o volume e o professor pensava: “Ainda bem...” Mas, logo depois, o volume subia novamente e o pobre do professor quase afundava no chão de desespero.
E foi ele mesmo que, promovendo esse tipo de trabalho, agora para uma turma de curso noturno, em um número de dança, uma moça fez o favor de colocar um biquíni bem provocante. Os rapazes da sala ficavam como que arranhando as paredes, tal a excitação. Depois da aula, o professor, muito sabiamente, disse para o grupo de apresentação, olhando especialmente para a tal moça que, aqui entre nós, dava de 10 a 0 naquelas outras dos calendários de borracharia:
            - Olha, aparentemente o trabalho de vocês foi muito bom. Mas, como tive que ficar controlando os rapazes da sala, não me foi possível fazer uma avaliação correta. Por isso, vocês devem fazer uma apresentação especial só para mim.
            
         - Bom dia, professor! Só mesmo o bom humor e essas situações divertidas para amenizarem um pouco o muito de dificuldade de uma profissão tão pouco valorizada, tão humilhada, tão desprezada em um país onde todos falam de sua importância, mas que - na hora de fazer alguma coisa – cuidam de fechar as mãos!
Etelvaldo Vieira de Melo


BONEQUINHA


Dorme, bonequinha,
Imagem: 1000coisasartesanato.blogspot.com
Que a noite é brinquedo.
Seus olhos de vidro
Não conhecem medo.

Dorme, bonequinha,
Nos braços da fada.
Seus lábios de lua
Não perguntem nada.

                                               - Dorme, menininha,
                                               Antes que tu ouças
Dizer que esse sonho
É feito de louça.

COISA RUIM É QUE É COISA BOA

50ª Edição do Blog / 50 crônicas

As duas mulheres conversavam acaloradamente sobre o capítulo da novela do dia anterior. Como se fosse possível, o calor da tarde tornava a discussão ainda mais acalorada, com os tons de voz ainda mais exaltados.
           
          - Você viu o que Bruno andou aprontando com a Laurinha?  - perguntou uma delas, com os olhos arregalados de espanto.
            
Eu estava ouvindo a conversa, sentado num banco atrás do lotação. Naquela ocasião, meus ouvidos estavam bem afiados e eu estava entendendo direitinho tudo o que diziam as duas distintas. Entretanto, sentia-me dividido entre a curiosidade de saber das fofocas televisivas e algo que estava me incomodando.

Acredito que a novela faz sucesso em nosso país porque consegue reunir numa história aqueles ingredientes que o povo gosta: muita ruindade, safadeza, fofoca, sexo, inveja, exploração, traição, mentira e tudo mais de ruim que alguém pode imaginar. O autor junta esses ingredientes num liquidificador com uma pitadinha de bondade, divide entre os personagens e, caso acerte no tempero, consegue um sucesso que se prolonga por um ano.

Andei pesquisando sobre o assunto. Aqui estão relacionados alguns exemplos de A a Z, tirados de comentários sobre uma determinada novela: Aborto, Brigas, Ciúmes, Divórcio, Estupro, Fofocas, Gravidez, Homicídio, Inveja, Judiação, Lágrimas, Mentiras, Negociata, Ódio, Prostituição, Quadrilha, Raiva, Sadismo, Traição, Ultraje, Violência, Xilique (chilique), Zombaria, Vingança. As avaliações eram assim: “Eu queria que W... fosse matada pela L... com uma ceringa”; “Eu queria que a W... morresse em um grave assidente de carro”; “Amo esta novela e muito real presisamos nos concientisar”; “Eu adoraria se passace de novo eu assistiria com todo prazer”. E mais não vou transcrever, senão acabo com o português ainda mais arrebentado.

Com o sucesso das novelas, depreendo que coisa boa é coisa ruim. Na ficção, quando tudo se ajeita, parece que perde a graça, cai na monotonia. O inferno pode até ser um lugar horrível, mas é o céu que parece ser chato. Infelizmente, ruindade não é privilégio exclusivo de novelas: os telejornais e os impressos estão abarrotados de notícias escabrosas, indecentes. É assim que eles se vendem, parece que as pessoas gostam de rir da desgraça alheia, especialmente quando se trata de pessoa pobre e de pouca instrução. Em geral, o povo é também muito preconceituoso.

Eu estava no lotação carregando, como quase sempre, um embrulho na sacola. Tinha tido a brilhante ideia de comprar um quilo de camarão. O vendedor até se deu ao trabalho de me explicar direitinho como o dito cujo deveria ser preparado. Apesar do cuidado com que foi embalado, logo percebi que a embalagem estava vazando. Foi no caixa de uma drogaria. O ar lá dentro era condicionado, eu estava logo atrás de uma mulher para fazer o pagamento da compra de um medicamento. Quando senti aquele cheiro estranho, olhei um pouco enraivecido para a mulher, chegando a pensar com maldade que ela não tinha cuidado com sua higiene pessoal. Mas logo eu me arrependi de minha presunção, ao ver que o embrulho de camarão estava molhado e era de lá que estava exalando aquele aroma. Tratei de me mandar o mais rápido possível para casa, eu que –normalmente – gosto de dar uma circulada pelas lojas, em busca de novidades, especialmente as eletrônicas.

Estava, pois, sentando em um banco atrás daquelas mulheres que trocavam figurinhas sobre a novela. De repente, uma delas vira para a outra e diz:
           
            - Você não está sentindo um mau cheiro horrível?!
            
         - Estou – respondeu a colega em tom baixo. – E cutucando a outra com o cotovelo: - É esse sujeito perto de nós que fede desse jeito.
            
Ali, em pé, estava um homem moreno, trajando uma roupa bem simples. Ele estava pagando por um crime que não cometeu. Indignado, não me contive e, mesmo estando vermelho de vergonha, falei para as duas companheiras, em tom discreto para que o sujeito não se desse conta:
            
          - Peço-lhes desculpas, mas esse mau cheiro vem de um pescado que levo para cada, mas que, infelizmente, soltou-se do embrulho.
            
As duas resmungaram qualquer coisa e depois se calaram.
            
Chegando em casa, tratei de preparar o camarão, mesmo porque eu também não estava tolerando seu cheiro e o dissabor que me havia provocado. Escaldei-o tanto em água fervente que, quando fui fritá-lo, havia se transformado em uma bolotinha de nada. Conclusão da história: ninguém se atreveu a comer aquela coisa.

PS: Embora esteja adaptada aos tempos modernos e transcrita na primeira pessoa, não tenho nada a ver com esta história do camarão, que aconteceu em tempo indefinido. Vem daí o ditado “Quem vê cara não vê camarão”. Quando ele chegou aos ouvidos de alguém que nunca tivera conhecimento desse crustáceo da ordem dos decápodes, tal pessoa cometeu a corruptela (Uma das 100 Palavras Exóticas Que Você Um Dia Deverá Pronunciar) de trocá-lo por “coração”, mostrando por bem como não devemos julgar os outros pela aparência.
Etelvaldo Vieira de Melo