ÁGUA

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Ave, Água cheia de graça
Água cheia de vida
Água cheia de luz.

Água que umedece
o coração do mundo
Água que enxágua o planeta
e a rosa faz florescer.

Água que anima os sedentos,
as plantas, os animais.
Que escorre dilúvio de uva
no bico dos passarinhos.

Chuva miudinha
chuva torrencial.

Cai, Água, por três dias
sobre o rio São Francisco,
sobre os mares de São Luís.
Cai muito no Cantareira
que morre à espera de ti.

Troveja, relampeja
sobre este solo alquebrado.
Sobretudo penteia, chuva,
os cabelos louros do trigo
com teu gosto feito de terra
e teu beijo e teu perfume.

FIGURAS

E
xistem tipos humanos que, de uma maneira ou outra, chamam nossa atenção de forma especial. Ainda bem para esses tipos, pois eu me considero no rol daqueles que já se tornaram translúcidos e transparentes, ou seja, já estou na lista daqueles que não chamam atenção de ninguém. Andando pelas ruas, posso gritar e espernear, posso até, em gesto tresloucado, tirar a roupa, ficando nuzinho, que ninguém vai se tocar, já que ninguém me vê.
            Quando falo isto, não estou pedindo comiseração de quem quer que seja, já que viver é completar o ciclo de nascer, crescer, aparecer, fazer e acontecer, transparecer e desaparecer. Eu mesmo, olhando para meu passado, através de fotos e de lembranças, vejo que já tive meus momentos de glória, quando não me cansava diante de um espelho: eu me olhava de frente, de um lado e de outro, perfilado e enviesado. O resultado era um gostinho de satisfação e de orgulho de ser quem eu era. Hoje, o sentimento é de amargor; quando fico frente a um espelho, aí sou tocado por profunda depressão, quase querendo dar cabo da existência.
            Quanto àquelas pessoas que chamam nossa atenção, muitas delas aparecem por acaso, por causa de circunstâncias. Aqui no bairro mesmo existe um casal que passaria despercebido, caso não fosse dono de um restaurante que, uma vez ou outra, me acorre, quando é de todo impossível pilotar o fogão lá de casa no preparo de uma comidinha caseira. É quando vou ao tal restaurante em busca de uma marmitex.
            É lá que encontro refeição de melhor qualidade, mas que se perde frente a um desagradável detalhe: a sovinice dos donos e que é repassada para as demais serviçais. Quando uma delas coloca a comida na vasilha, parece que vai contando os grãos de arroz, um por um. Feijão, salada e legumes também são servidos com tanta parcimônia que a sua vontade é de sair correndo, deixando tudo para trás. Quando você se atreve a tomar a iniciativa de colocar a comida, os donos e os funcionários ficam olhando seus gestos com olhos compridos e segurando o coração com as mãos.
            Houve um dia em que uma funcionária, estando eu mesmo me servindo, falou:
            - Não encha muito a marmitex, para sobrar espaço para o bife - grelhado numa chapa de churrasqueira pelo dono do restaurante.
            - Caso tenha qualquer tipo de problema – retruquei, com certa rispidez – você pode cobrar os acréscimos.
            Sei que você não haveria de tolerar tanto desaforo. Acontece que você não mora no mesmo bairro que eu, onde, se sair do espeto, cai na brasa.
            Estando a marmitex fechada, você vai até o caixa, efetuar o pagamento. Ali, é colocada a cereja que enfeita o bolo, ou seja, você experimenta o dissabor final. Com voz afetada, empolada, rebuscada, enojada, aborrecida, a dona, ela mesma, arremata uma odisseia que não teria poupado nem mesmo a Ulisses:
            - Bom apetite!
            Você desce as escadas, cambaleando de fome e nauseado diante de cenas de tanta mesquinharia.

Etelvaldo Vieira de Melo

TOMÁS GONZAGA NO APARTAMENTO



Eu, Marília,
contemplo de memória
a Arcádia em que houve terra,
ar e água.
Só vejo a tela fria e os outros presos
deste cárcere na ilha confinados.
Sem Norte e estrela sigo apascentado,
mas tenho a compensar tanto trabalho
teu retrato que olha
por meu fado.

          Graças, Marília bela,
          graças a esta cela.

Eu, Marília, 
agora estranho o gado
e as florestas e os rios
e as guirlandas
que te enfeitam sempre o rosto e o seio.
Sei que existem canários
Imagem: delmosaud.blogspot.com.br
em gaiolas,
mas são de mim as aves reclamadas.

          Graças, Marília bela,
          graças a esta cela.

Eu, Marília, 
vivo em plena selva
de areia e asfalto bem elaborado.
Só, de ti me sinto ausente
e os lindos campos tenho relembrado.

          Graças, Marília bela,
          graças a esta cela.

Tu não verás aqui os cem cativos,
mas milhares dos tais
à mídia entrelaçados,
porém ainda uma vez sem o descanso
na folha em que te vejo retratada.

          Graças, Marília bela,
          graças a esta cela.



CORDELZINHO DO TOTÓ

Estava eu muito aborrecido
por ter alguém me magoado.
E nem bem havia engolido o acontecido
quando meu cão de estimação
acabou fazendo algo errado.
Chamei-lhe a atenção
e dei-lhe um tapa descuidado -
Com tal força que me doeu a mão!
O cachorro se afastou apavorado
enquanto fui cuidar de outra obrigação.
Depois, tomado de vergonha
fui até ele para pedir desculpa.
Sabia que não tinha cabimento
o tamanho daquela conduta.
Quando me viu, ele abanou o rabo, sorrindo.
Constrangido, passei na sua cabeça a mão
como a demonstrar arrependimento.
Ao que ele respondeu, latindo:
Amar é jamais ter que pedir perdão.
Etelvaldo Vieira de Melo



SE

Imagem: www.maisopiniao.com
Se não temes o horror que te cerca
Se escreves de modo burlesco
Se provocas com a letra o social
Se chamas o político de mau
Se desenhas uma frase homofóbica
Se teu lápis aponta o racial
Se continuas a gozar o Corão
Se essa história registra um tesão
Se fabulas contra o país
Se descreves a livre expressão
Se ao sim dizes sempre um não
Se do sexo fazes follie
Estás morto e te chamas Charlie.



BONS CONSELHOS... DE GRAÇA!

O
 título acima recomenda duas observações.
           
A primeira: se conselho fosse bom, não seria dado, mas vendido, certo? Erradíssimo, como vou discorrer, logo em seguida.
           
Segunda: de graça, até injeção na testa, como alardeava meu amigo Jacinto, ele que já partiu dessa, ao que parece, sem sentir a tal agulhada na testa.
           
Foi esse amigo que, formado em Matemática, teve que se virar, lecionando Ciências (já mencionei o fato em tempos passados, mas - parodiando um programa de TV – vale a pena ver de novo).
           
Certo aluno, notando sua insegurança no trato da matéria, seja pelo suor a escorrer pela face, seja por certa tremedeira na voz, fez-lhe uma pergunta escabrosa, daquelas que você tem que pesquisar com lupa em pé de página.
           
Jacinto, pego assim no contrapé, mostrou presença de espírito e jogo de cintura para retrucar:
           
- Por acaso já estudamos este assunto?
           
- Não, professor – falou, com sinceridade, o frangote.
           
- Pois, então – arrematou Jacinto, com um sorriso dissimulado. - Estudo é como medicamento: tem que ser a dosagem certa na hora exata. Quando estudarmos este tema, haverei de esclarecer sua dúvida, certo?
           
- Certíssimo, professor. Muito obrigado.
           
Assim, o curso seguiu em frente, aos trancos e barrancos, mais tranco que barranco, até o dia em que o colega dependurou de vez as chuteiras das Ciências, quando da pergunta de uma aborrecente cdf:
           
- Professor, quando dorme, peixe fecha os olhos?
           
Não sei por que você haveria de ficar chateado comigo por haver reprisado essa história. Por acaso, você “bota a boca no trombone”, isto é, torna público, através de órgãos de imprensa, sua indignação ao assistir a tantos programas e filmes repetidos na TV?
           
Para se ter uma ideia, o Pica Pau mal consegue dar um “toc” na madeira, porque, mais que isso, seu bico se parte todo em caquinhos.
           
Você não vê mais o Tom correr atrás do Jerry. Agora, com cabelos grisalhos e apoiados em bengalas, contentam-se em trocar farpas, sentados em bancos.
           
Tem uma emissora especializada em importar dramalhões mexicanos. Ela passa um humorístico, querendo sem querer, em que mal você consegue visualizar os personagens, quase totalmente apagados de tão repetidos.
           
Isso me faz lembrar dos tempos em que estudava num internato. Uma vez ou outra, tínhamos sessões de cinema. Como os filmes eram graciosamente oferecidos pelas distribuidoras, muitos eram repetidos.
           
Havia, por exemplo, “O Homem da Máscara de Ferro”, não nessa versão modernosa com Leonardo DiCaprio, mas uma mais antiga. O filme repetiu tantas vezes que aconteceu o dia em que a fechadura enferrujou. Como não havia desengripante na época da história, o filme terminou assim pela metade do caminho, com o mocinho tentando inutilmente arrancar a máscara que lhe cobria o rosto.
           
Vejo que está ficando tarde, já chegando a hora de ir embora. Quanto aos prometidos bons conselhos, fica para uma próxima: não quero que você tire mais uma conclusão apressada: a de que estou sofrendo de incontinência verbal.
Etelvaldo Vieira de Melo

           


MOI, AUSSI, JE SUIS CHARLIE

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Eu quisera ser cartunista
para criar uma ideia de Deus.
Não o Deus mau,
mas um Deus que ri
ri,ri,ri
muito do desenho,
porque ele também é uma criança,
com um lápis de cor na mão.
Como não sei desenhar,
digo Amor, apenas Amor
e já escrevi com a palavra
 alegria divina.
Vai ver que lá no Céu
Charlie brinca com os pincéis
e pinta Deus um menino,
que não participa
nem aprova
guerras religiosas
e preconceitos contra
a liberdade de expressão.

UMA AMIZADE SINCERA

A
vercílio da Granja já chegou ao ponto de concordar com o compositor, que diz: “Ando devagar e levo esse sorriso, porque já sofri demais”. Em outras palavras, ele se sente mais pra lá do que pra cá. Uma vez ou outra, esbarra num contratempo, que lhe acarreta dor ou aborrecimento. No geral, entretanto, ele se sente bem disposto e toca a vida com bom humor.
           
Daí é que brotou uma amizade com o vizinho Olestário da Niquinha, outro que sempre encontrava motivos pra rir de tudo, principalmente de si mesmo. É de Olestário aquela máxima que resumia sua opinião diante de qualquer situação:
           
“É complicado...”
           
Ultimamente, a situação tem andado complicada pro seu lado mesmo, com essa sua tirada servindo como luva para todos os dissabores que anda experimentando, sejam de natureza física ou decorrentes de aborrecimentos familiares. Embora já tenha colocado quatro safenas, o que anda lhe incomodando ultimamente é uma dor nas escadeiras que não tem otopedista (ele fala desse jeito mesmo) que acerte num diagnóstico e num tratamento. Foi ele quem falou, em relatos passados, que havia a suspeita de que seu nervo asiático estava afetado.
           
Meses atrás, sentindo-se incomodado com uma dor de garganta, foi até a farmácia do bairro e, assim, perguntou pro balconista:
           
“Por acaso você tem um comprimido bom para dor na goela?”
           
O moço olhou pra ele, assustado, só se dando conta do pedido, quando Olestário passou a mão pelo pescoço.
           
Voltando aos tempos presentes, por não estar se sentindo bem, ele tem evitado encontrar o amigo Avercílio. Este, assim que foi possível, não deixou passar uma reclamação:
           
“Você precisa melhorar porque, falando de maneira egoísta, eu preciso de você, de sua amizade e de seu bom humor. Sem eles, fica difícil tocar em frente a vida.”
           
De uns dias pra cá, aconteceu de Olestário dar uma aprumada, retomando seu humor ferino. Encontrando-se com Avercílio, ele falou esta:
           
“Ouvir as pessoas falando que pescador é mentiroso me deixa muito aborrecido. O fato deles exagerarem um pouco, não significa que estejam faltando com a verdade. Veja você, caro amigo, o que aconteceu entre dois deles. Estavam conversando sobre a última pescaria que haviam feito.
           
- E aí, compadre, pescou bastante? – perguntou um deles.
           
- Não, compadre, não sei se foi porque a lua estava minguante, o certo é que só consegui pescar um peixinho.
           
- E qual foi?
           
- Foi um pacu, pesando uns 55 quilos.
           
- O quêêê...? Você não tá exagerando não, compadre? Um pacu pesa, quando muito uns cinco quilos.
           
- Pois esse estava pra mais de 55. Eu é que não tive a ideia de tirar uma foto como comprovatório de quem mata a cobra e mostra o pau. Minha máquina estava estragada. Mas e você, como foi de pescaria?
           
- Pescaria de pegar peixe eu não fui bem, não. Mas eu consegui a façanha de pescar um lampião que meu tataravô havia perdido e meu avô e meu pai não se cansaram de procurar. Era uma relíquia de estimação e estava em perfeita condição, inclusive com o pavio aceso.”
           
Antes que desse Olestário desfecho ao caso, Avercílio atalhou, dizendo:
           
“Amigo, peço desculpas por estar cortando o seu caso, mas é que estou com um problema sério pra resolver. Tenho que ir até um hospital, fazer uma transfusão de sangue. Eu estava lá em casa ainda há pouco, feitorando uma reforma que os pedreiros estão fazendo lá na área, quando me dei conta de um baita de pernilongo mordendo o meu pé. Falei pra minha esposa: - Vai, Esleide, mata este danado, antes que chupe todo meu sangue! Esleide deu um tapa no meu pé e, imediatamente, uma poça de mais de um litro de sangue se espalhou pelo chão. Daí, a minha urgência de resolver o caso, já que sinto minha vista turvada.”
           

“Mais de um litro de sangue?” – perguntou Olestário, quase se sufocando de tanto rir.
           
“Está bem” – retrucou Avercílio. – “Eu tiro um litro de sangue, deixando só uma gotinha, a troco de você apagar a luz do lampião e tirar 50 quilos do pacu. Fica bom assim?”
Etelvaldo Vieira de Melo

           
   
           
           
             

  

VISITA

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Nossa Senhora toca o interfone.
Você fala "Alô!", pensando no Correio.
"Por favor" - pede Ela. - "É Ano Novo
só quero repouso, não tenha receio."

"Nossa Senhora, ora essa, que farsante,
se tocar interfone novamente
chamarei a polícia por assalto.
Nós comendo e essa impertinência."

A Senhora se vai, com seu Menino,
interfonando pela rua afora
e todos respondendo: "Vai embora".

Vai-se cumprindo o destino dos anjos:

procurar na cidade algum vivente
que ame ao outro e não a si somente.

A VIAGEM

V
ai Terebentina visitar sua irmã Abrilina na cidade de Bonito. Uma série de inconveniências se apresenta bem antes dela colocar o pé na estrada. Pé na estrada é força de expressão, já que eles, os pés, estarão sobre as rodas de um automóvel.
           
Bonito é um lugar que faz honra ao nome, sendo reconhecido internacionalmente pelas águas cristalinas de seus rios. Lá se pratica o que chamam de ecoturismo. Como tudo ali é preservado, as muriçocas voam de braçadas, atacando impiedosamente aqueles incautos turistas que não se armam com repelentes.
           
Foi isso que ocorreu e que vi com meus próprios olhos, quando atacaram o casal Flores das Laranjeiras, precisamente o marido, Florival Floriano. Sua esposa dava-lhe tapas e mais tapas. Ele reclamou:
           
- Mulher, você está me batendo demais. Está doendo pra chuchu! -(uma expressão da qual não sei o propósito).
           
A mulher alegou que era por causa das muriçocas. Entretanto, ficou no ar a suspeita de que os tabefes vinham por causa de outras razões. Os mosquitos funcionaram como pretexto.
           
Se você quer uma desculpa para dar uns bons cascudos no seu companheiro ou companheira, fica aqui a sugestão para uma visita a Bonito. Lá, você poderá juntar o útil ao agradável.
           
As muriçocas e o risco que representam se constituem a primeira inconveniência para o passeio de Terebentina. Ela anda tão esmirradinha, tão debilitada que qualquer gotinha de sangue a menos pode lhe custar caro. Levando em conta essa razão, eu lhe daria um veto. Entretanto, tem mais.
           
Terebentina sofre de intestino solto, parece uma torneira que perdeu a bucha. Por isso, ela precisa tomar uns comprimidos de Imosec para segurar as pontas até chegar ao destino. O problema é que, às vezes, a dosagem passa da conta e Terebentina acaba ficando vários dias entupida, o que não deixa de ser outro inconveniente a marcar pontos contra a viagem.
           

Coroando essa série de riscos, fiquei sabendo que o motorista da viagem será o seu sobrinho Madurino Cruz. Não tenho nenhum reparo quanto as suas habilidades no volante, mas sei bem dos traumas de infância e adolescência que ele carrega e que podem a qualquer hora, sem mais nem menos, explodir com consequências imprevisíveis.
           
Até seus quinze anos de vida, Madurino sofria com enjoos quando viajava. Sei disso muito bem, pois estava ao seu lado, quando de um passeio a Resplendor.  Sabendo da facilidade com que ele “chamava o mico” (outra expressão da qual também não sei o propósito), sua mãe cuidava de lhe fornecer muitos limões para serem cheirados e muitos palitos de fósforo para serem mastigados (os donos da fábrica de fósforos “Fiat Lux” deveriam ficar rindo à toa nesses momentos, em decorrência do aumento das vendas).

Nessa viagem a Resplendor, o transcurso foi feito à noite. Tínhamos que atravessar uma região montanhosa e o frio era intenso. Logo, Madurino fez o favor de escancarar a janela ao lado de sua poltrona, colocando o rosto para fora e recebendo aquela lufada de ar frio. Estava pálido, com um limão rente ao nariz, enquanto um palito de fósforo rolava na sua boca tal como uma bengala em mão de cego.
           
Tentando ser agradável, tentando amenizar-lhe a angústia ante a iminência de um vômito, puxei conversa, falando de coisas banais.
           
Para quê! Madurino olhou-me com olhos enraivecidos e me disse essas palavras duras, das quais eu não me esqueço até hoje:
           
- O senhor sabe muito bem que não gosto de conversa, quando estou viajando.
           
Junta tudo isso num liquidificador, as muriçocas, a debilidade de Terebentina, seu intestino solto, os imosecs, o trauma de infância de Madurino, ainda não terapeuticamente tratado, e veja se não tenho minhas razões para estar preocupado, se não estou certo em achar nada bonito essa viagem a Bonito.
           
Caso considere isso pouco, fique sabendo que Madurino está levando também sua namorada, Dosolina Bubina. Como a relação deles anda instável, qual placa tectônica, é bem provável que ela utilize do pretexto das muriçocas para aplicar-lhe uns bons tabefes. Vai daí que, ao retornar da viagem, o trauma de infância de Madurino não venha a eclodir e ele, desorientado por causa de ter o rosto e o corpo cobertos de hematomas, ao invés de tomar o rumo das Minas Gerais, entranhe pelas terras paraguaias, sem hablar um tiquito de castelhano e com o estoque de Imosec da Terebentina zerado. Há o sério risco de termos vômitos pra tudo quanto é lado, pra cima, pra baixo, pros lados. Eu é que não gostaria de estar pelas proximidades, embora uma visita a Ciudad del Este esteja entre meus sonhos de consumo.
Etelvaldo Vieira de Melo