PARODIANDO O FERNANDO


  O astro famoso do cinema tem uma vida muito mais intensa que a minha, mas, porque sua vida não é a minha, quero acreditar que sua vida não é tão intensa quanto é a minha vida.

  O astro famoso do cinema quase todo dia é manchete de jornais e revistas, quase sempre está viajando pelo mundo (imagina que ele já conhece meio mundo), enquanto a quase totalidade do mundo o conhece por meio de seus filmes famosos. Quanto a mim, poucas pessoas me conhecem no lugar onde moro e eu conheço pouquíssimos lugares além daquele lugar onde moro.

  Minha visão vai até onde meu olhar alcança e ele pouco mais alcança além das casas de meu lugar. É por isso também que minha vida é mais intensa que a vida do astro famoso do cinema, porque quanto mais uma pessoa vê, menos ela enxerga; quanto mais uma pessoa vê, mais ela fica distraída e se esquece de que a beleza das coisas está nos olhos de quem vê.

  A vida do astro famoso do cinema é completa, tão completa que lhe falta tempo para viver os momentos com intensidade. Sua vida flui superficialmente, tomada por múltiplas tarefas e solicitações. Ao contrário, minha pequena vida, talvez por ser pequena, pode ser vivida com intensidade em todos os detalhes, por pequeninos que sejam.

  Sendo minha vida pequena e minha visão indo só até um pouco mais além das casas de meu vilarejo, sinto-me mais livre que o astro famoso do cinema, que, com sua vida tão intensa, mal consegue dar conta de seus atos. Ele se vê da altura em que é visto, sem se dar conta de que todo mundo é da altura que seus olhos podem ver. E é também por isso que considero minha vida mais intensa, porque me sinto essa pessoa livre e essa liberdade me torna um ser leve feito um pássaro a voar.

Acontece muito justamente de quem viveu muito ter vivido pouco. O astro famoso do cinema talvez pense que a vida para valer a pena ter que ser longa, de longos caminhos percorridos. Minha vida pequena me ensina que a vida não precisa necessariamente ser longa, o que ela não pode é ser estreita. Muitas e muitas vezes eu ouço passar o vento; e só de ouvir o vento passar, sinto que valeu a pena ter nascido.

Enfim, os olhos do astro famoso do cinema estão voltados para as coisas do mundo, julgando que a felicidade está ali. Mas a felicidade está fora da felicidade. Por isso que meus olhos acolhem minha pequena aldeia, suas casas, ruas, pessoas e, assim, me acolhem, tornando minha pequena vida intensa, mais intensa que a intensa vida do astro famoso do cinema.

Etelvaldo Vieira de Melo

ESPERANÇA E FÉ



A fé remove montanhas. Montanhas, esses monstros encantados erguidos das entranhas da terra. Afugentam os fracos e desafiam os fortes. Quanto mais elevadas, mais agressivas, temerárias e perigosas. Lançam de suas alturas pedras que vão rolando em suas encostas até atingirem a superfície plana. Inda há as mais agressivas que, às vezes em desespero, cospem fogo e lançam lavas incandescentes. Ameaçam tudo que estiver em seu caminho e em seu destino. Sua escalada é um convite para o fracasso e o perecimento, podendo chegar à morte. Quanto mais tentador o convite e a ansiedade de alcançar o seu topo, maior o desafio e o perigo. No afã ardente de conquistarem o objetivo, um lugar ao sol, muitos se lançam desesperadamente nessa aventura e acabam por embarcar em canoa furada. Esta, aos poucos, vai se afundando. Outros se precipitam e mal planejam a sua inconsequente escalada. Frustram seu objetivo. São levados ao desgosto, ao desgaste e à decadência. Costumam chegar à desgraça e à discórdia. A uma situação constrangedora, insustentável e de difícil solução. Prudência, coragem e esperança devem, então, se unir, como primeiras armas para o combate.  A esperança se sobrepõe às duas outras. A cabeça dos monstros só será atingida se dela resultar a fé. Chave, portanto, da esperança, a fé é crença inabalável de que o desejo, aspiração incontida, será efetiva e realmente satisfeito. Mas essa crença precisa ser abastecida e incrementada com o poder da oração. Não há quem consiga erguer uma pedra gigantesca, rolada das montanhas, se faltar a alavanca, o guindaste, o elemento que a impulsione. A fé e o poder da oração convocam os anjos da guarda, os salva-vidas que evitam o naufrágio da canoa furada e impedem o curso das ações precipitadas.

Sebastião Rios Jr.

A GAROTA QUE QUERIA COMER MIOJO

 

Rosângela Sibele, 41 anos, é moradora de rua em São Paulo, mãe de 5 filhos e dependente de drogas. No dia 29 de setembro de 2021, ao mesmo tempo em que Luciano Hang, o ‘Véio da Havan’, fazia seu teatro junto à CPI da Covid, ela era presa em flagrante por furtar dois pacotes de miojo, uma Coca-Cola de 600 ml e um pacote de suco em pó da marca Tang. Os alimentos totalizaram R$21,69.

Ao pesquisar a vida pregressa de Rosângela, iremos notar que ela já havia sido condenada por furto em outras duas ocasiões. Na primeira, quando roubou 50 metros de fio (avaliados em R$600,00); na segunda, quando furtou dois desodorantes Monange (avaliados em R$19,40), além de gêneros alimentícios e de higiene (total de R$283,33). A segunda condenação se deu em 15 de junho de 2018, quando o mundo do esporte tinha os olhos voltados para a Rússia com o início da Copa do Mundo de Futebol, que seria vencida pela França.

Quando foi presa agora em setembro, a Defensoria Pública de São Paulo pediu para soltá-la, com base no princípio da insignificância: o fato de as mercadorias terem um valor irrisório e de Rosângela ter furtado para comer. No entanto, os pedidos foram negados tanto em primeira quanto em segunda instâncias pelo Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP). Desembargadores alegaram que a mulher "ostenta passado desabonador" e "dupla reincidência específica" para justificar a manutenção da sua prisão.

Antes, o promotor Paulo Henrique Castex, em defesa da ordem e da segurança, havia pedido que a prisão em flagrante fosse convertida em preventiva, uma vez que "a custódia preventiva é uma forma eficaz de se assegurar a futura aplicação da pena, que será fatalmente frustrada caso, desde logo, não se prenda o agente". Ou seja: Rosângela é uma ameaça à ordem pública e seu lugar é atrás das grades pelo desplante de roubar miojo e suco em pó. E, de acordo com o artigo tal, parágrafo et cetera e tal, sendo a presa reincidente, não lhe cabe o direito à liberdade provisória.

Em 30 de setembro, enquanto Eduardo Bolsonaro fazia mais uma viagem de turismo pelo mundo à custa do dinheiro público, levando a reboque sua família (desta vez com destino a Dubai, nos Emirados Árabes, de onde iria postar fotos vestido de sheik), a juíza Luciana Menezes Scorza, do plantão Judiciário, que atendeu o pedido do Ministério Público para que a prisão flagrante fosse convertida em preventiva, aceitou os argumentos do promotor Paulo Henrique Castex.

Ela disse em sua sentença:

“Mesmo levando-se em conta os efeitos da crise sanitária, a medida é a mais adequada para garantir a ordem pública, porquanto, em liberdade, a indiciada a coloca em risco, agravando o quadro de instabilidade que há no país. O momento impõe maior rigor na custódia cautelar, pois a população está fragilizada no interior de suas residências, devendo ser protegidas pelos poderes públicos e pelo Poder Judiciário contra aqueles que, ao invés de se recolherem, vão às ruas com a finalidade única de delinquir” (grifos meus). Ou seja: Rosângela é uma delinquente de alta periculosidade, uma ameaça à segurança das indefesas pessoas de bem.

Palmas para a doutora Scorza, especialmente por responder tão prontamente aos reclames da Ordem e da Lei, notadamente num país onde os maiores delinquentes têm suas penas reduzidas ou anuladas em razão da morosidade da Justiça. Entre os políticos, por terem foro privilegiado, apenas 3% são efetivamente condenados, enquanto uma grande maioria tem prescritos os delitos pelos quais são acusados. Exemplos são muitos:  José Sarney, Aguinaldo Ribeiro, Fernando Collor, José Serra, Jader Barbalho, Eliseu Padilha... Talvez seja por isso que Collor gostava de ostentar uma camiseta onde estava escrito: “O Tempo é o Senhor da Razão”. Em Brasília, com o tempo, denúncias e acusações não dão em nada. Não será isso que levou Flávio Bolsonaro a imitar as gargalhadas de seu pai como reação ao relatório da CPI da Covid apresentada na quarta-feira, 20?

Impunidade não é o que acontece com a Justiça em São Paulo, rápida e eficiente para prender, julgar e condenar, notadamente as chamadas arraias miúdas, os peixes pequenos, os ladrões de galinhas. A prisão e a condenação de Rosângela são exemplos disso. Os três desembargadores do TJ, o promotor Paulo Henrique Castex e a juíza Luciana Menezes Scorza deveriam receber medalhas de Honra ao Mérito.

Em conversa com jornalistas, Rosângela contou que não queria ter pego os alimentos, mas o fez por estar “com muita fome”:

“Eu estava com muita fome e queria muito comer um miojo.”

Durante a entrevista, revelou que mora há dez anos nas ruas de São Paulo e que deseja tratar o vício em drogas para “ser gente”:

“Meu grande sonho é ser gente. Eu ainda não sei o que é isso, não sei o que é ser mãe, filha e irmã.”

Ser gente: este é o desafio para milhões de marginalizados num país de tanta riqueza e de tantas desigualdades. Cenas recentes mostram pessoas formando filas na Glória, Rio de Janeiro, em busca de restos de ossos de animais para matar a fome, enquanto, em Fortaleza, pessoas em situação de vulnerabilidade esperam - em frente a um supermercado de área nobre - um caminhão de lixo para procurar e coletar restos de alimentos. Este é um retrato do Brasil que deveria nos cobrir de vergonha.

Etelvaldo Vieira de Melo

LENDA


Por que me olhaste, Orfeu, sabendo-me inda sombra?

Eu vinha atrás de ti, embora à noite.

Ao teu encontro me levando iam

os campos e as ervinhas.

Cúmplices do Amor,

seguíamos.

 

Por que não resististe ao medo e ao pranto

que a ti partindo, deu-me vã partida?

Tu, a Perséfone e ao deus Hades imploraste

o frêmito da vida. Ansiavas, cego, ver surgir

da Morte, tua Eurídice, pela áspide ferida.

 

Loucura, visões tardias, cinzas, tornaram-me

imagem de fantasma que nem há.

A lira em fuga na tocata, ira vadia,

em tom menor teceu-me o corpo

pluma, vazio, dissonante ave.

 

Hoje, olho-me: escombro. Desfolho no chão subterrâneo

a paixão de Aristeu, as mênades, a serpente,

Orfeu - lançado ao rio Ebro, os rouxinóis.

Depois, desaviso traz música

solo pausado.

Silêncio.

Nada.

Graça Rios


URUBU QUERENDO CANTAR


      Ao se encontrarem numa lanchonete, enquanto bebericavam um suco de Açaí, Fridolino Xexeo perguntou para Ingenaldo:

- Ingenaldo, o que é...

 - O que é o quê? – cortou Ingenaldo, enquanto limpava os óculos azuis.

 - ... que sou branco de nascença, hoje sou preto como carvão, vida pra mim é tristeza, morte é consolação”.

 Após alguns segundos, com a mão direita segurando o queixo, Ingenaldo respondeu:

 - O urubu!

 - Muito bem – cumprimentou Xexeo. – Vejo que está se dando bem com o tratamento para PFC.

 (PFC nada tem a ver com futebol; é uma sigla que nomeia um distúrbio psicossomático: Prolapso de Fim de Curso.)

 - Mas não estou aqui para propor adivinhações – continuou Fridolino. – Quero lhe contar uma história.

 - Que bom! Adoro ouvir uma boa história.

 - Era uma vez... – começou a contar Fridolino Xexeo.

                          🎈🎈🎈🐦🐦🐦🎵🎵🎵

O urubu-rei, tomado de extrema preocupação

Certo dia resolveu convocar o Conselho dos Melhores

Para juntos, deliberarem, tomando uma decisão

Sobre como resolver um de seus problemas piores.

 

Perguntou sua majestade, dando início à sessão;

O que torna uma ave diferente dos demais

O que faz com que seja olhada com atenção

E não seja confundida com outros animais?

 

O Conselheiro Acácio, que já dispunha de idade avançada

Disse: Creio que seja o fato de poder voar

Um sonho acalentado por toda a bicharada

Mas que somente uma ave consegue realizar.

 

Antônio Conselheiro, bem mais jovem e de ar belicoso

Contestou aquela tese de seu par

Falando em tom raivoso:

Que uma galinha de ser ave não vai deixar

Mesmo querendo, mas não sabendo voar

O que diferencia as aves dos outros, explico

São suas plumagens e o bico

Assim eu penso e mais não sei explicar.

 

Dou a mão à palmatória, falou Acácio conciliador

Tem razão o nobre colega em seu falar

Mas se tem algo que é da ave um pendor

Certamente é seu maravilhoso cantar.

 

Falou com ansiedade o urubu-rei:

Você tocou num ponto onde quero chegar

Até uma galinha dá seus cacarejos que eu sei

Mas nossa espécie é analfabeta na arte de estrilar.

 

E arrematou o nobre soberano:

A partir de hoje fica instituída a Escola Musical

Onde todos irão estudar, do tenor ao soprano

Passando pelo barítono, todos num acorde vocal.

 

O Conselheiro Acácio disse, tomando a palavra para si:

Pela minha idade provecta, contento-me com as aulas do EUJA

Talvez consiga aprender a solfejar o dó,ré,mi

Talvez aprenda qualquer outra coisa que seja.

 

E, assim, os estudos foram iniciados com muita animação

E quando algum, descuidado, punha-se a cantar

Caía uma chuva torrencial acompanhada de trovão

Mostrando a todos que não podiam o carro apressar

Que ainda não chegara a hora de soltarem o vozeirão.

 

Enquanto estudavam as partituras em teoria

Ouviram os urubus um canário certo dia

Estando ele pousado sobre o galho de um arvoredo

Num cantar alegre de um folguedo.

 

Como pode ser assim? - perguntou o urubu-professor

Por acaso você frequentou alguma escola particular

Onde lhe ensinaram a lição de cantar?

Mostre-nos seu diploma, por favor.

 

Meu canto eu não aprendi em nenhum lugar

Eu sempre fui assim, aprendi tudo sozinho

Não sei como posso lhe explicar

Se isso faz parte de minha natureza de canarinho.

 

Indignados, os urubus começaram a gritar

Enquanto atiravam pedras, tentando o pássaro acertar

E este, sentindo-se perseguido

E muito mais ofendido

Tratou de para longe voar.

 

É por isso que diz o ditado popular:

Em território de urubu, canário não pode cantar.

Pode, quando muito, feito gado, um mugido soltar.

 

Etelvaldo Vieira de Melo

TUDO VALE A PENA

 

O tempo passa. Fica a lembrança dos momentos felizes e infelizes, alegres e tristes. Uma provação divina para a iluminação do espírito e a sublimação do ser vivente. O ser que pode se glorificar, entrar em decadência ou não passar de mera figura apagada. A assertiva de que o tempo a tudo embota não pode ser verdadeira. Se assim fosse, não haveria como reviver o passado. Afinal, recordar é viver, diz o velho ditado. O passado leva o ser ao presente. Passado e presente ao futuro. Todos são o que são, produto do que foram. A lembrança, a revivência ao passado, remonta aos tempos de criança, puberdade e juventude, à fase adulta e à velhice.  Em criança, as delícias das brincadeiras, o aconchego e o carinho dos pais, o jardim da infância e o grupo escolar. Na puberdade e juventude, o marco da experiência de vida, o namoro, a preparação e entrada na Universidade. Na fase adulta, o trabalho, o casamento e a prole familiar. A tristeza acompanha todas essas fases da vida. Ataca e agride com situações desagradáveis, quase sempre imprevistas. Tal como o certo e o errado, tudo pode ser dignificante se valer como experiência de vida para o crescimento individual e espiritual e a dignidade pessoal e humana.

Sebastião Rios Jr

ESTICANDO A FELICIDADE


Há muito tempo, um psicólogo disse - pela TV - que dançar é um gesto de humildade. E disse mais sua eminência parda: - Quem não dança é porque tem um problema sexual mal resolvido.

Como não sei dançar, senti-me duplamente ofendido: ser taxado de arrogante, vaidoso, e portador de um desvio sexual. Pensei comigo: - Tá danado!

Desde então, procuro demonstrar que sou uma pessoa simples, humilde, acessível. Quanto ao desvio sexual, estou procurando saber qual, sem, contudo, chegar a uma conclusão definitiva.

Além de humilde, preciso confessar que sou também muito ignorante, no sentido de lerdeza, lentidão de espírito, e não de estupidez, de pessoa tosca e agressiva, tipo o presidente da república que temos aí.

Reconhecendo minha ignorância, de que só sei que nada sei, procuro me espelhar nas pessoas sábias e eruditas. Daí, estou sempre aprendendo alguma coisa, reformulando meus conceitos e juízos de valor.

Por exemplo: tinha comigo, por causa de uma formação religiosa, que o importante na vida é ser, e não ter, que o ser humano vale pelo que ele é, e não pelas suas posses.

Tal conceito me acompanhou durante muito tempo, até que foi derrubado, destroçado por outra máxima, que proclamava: - Essa história de que o importante é ser não passa de justificativa de fraco, de gente incompetente que não consegue se estabelecer, puro despeito e inveja de acomodados e covardes diante daqueles que conseguem sucesso.

Humildemente, refiz meus conceitos e passei a adotar este princípio: - O importante é ter, consumir. Esse é o suprassumo da felicidade.

Foi a partir daí que me tornei um consumidor voraz, sem precisar ser seduzido por aquele apresentador de um canal de TV, especializado em vendas, cujo bordão é:- Compra! Compra! Compra!

Assim como o hipocondríaco que não aguenta ficar um dia sem ir a uma farmácia saber das novidades da Pfizer, assim eu não conseguia ficar uma semana sem visitar um shopping para saciar minha sede de consumo e, por via de consequência, de ser feliz.

Mas é preciso deixar claro uma coisa: não era qualquer shopping que saciava minha sede. Devido a agravos pecuniários, os shoppings que recorria eram os populares, bem populares, aqueles essencialmente ‘Made in China’, do tipo ‘Um e Noventa e Nove’.

Foi nessa ocasião que fiz uma descoberta interessante: a China, país comunista, teve o grande mérito de socializar os bens de consumo, aproximando o capitalismo das classes menos favorecidas. Desse modo, para desespero do gado bolsonarista, a expressão máxima do capitalismo é... um país comunista! E digo mais: se não fosse a China, os países de periferia teriam entrado em convulsão social há muito tempo. Os governos de países ‘em vias de desenvolvimento’ (ainda existe isso?) deveriam agradecer, pelo menos isentando de impostos as lojas de 1 e 99, elas que amortizam desejos reprimidos, acomodando os pobres, sedando suas revoltas diante dos desequilíbrios sociais. Em resumo, podemos dizer que, se antigamente a religião era o ópio do povo, hoje conta com a parceria das lojas populares.

De minha parte, posso dizer que tudo ia bem, até que dois eventos quase colocaram tudo a perder: a Pandemia e a guerra de fofocas promovida por integrantes do governo que está aí.

A Pandemia fez com que eu ficasse recluso, estando afastado dos shoppings populares há quase dois anos. Nesse período, meu consumo ficou praticamente restrito aos bens de alimentação, onde até os hortifrutis passaram a ser adquiridos pela Internet. Foi quando Percilina e eu criamos uma logística de fazer inveja a qualquer Pazuello da vida. Os produtos, comprados após exaustiva pesquisa, depois de passarem por um rigoroso controle de higienização, eram acondicionados em embalagens individuais para consumo. E, assim, com pesquisas, compras e preparo de comida, o tempo foi passando. Até que o impulso para consumo de bens supérfluos bateu à porta. Foi quando também bateu a necessidade de estreitamento de relações com a provedora de quase tudo que é produzido nesse planeta, a China (como bem diz o ditado: “Deus fez o Céu e a Terra, a China fez o resto”).

Mas aí o desgoverno que está aí resolveu encrespar com nosso maior parceiro comercial, em ostensivo puxa-saquismo de Donald Trump, o destemperado presidente americano. Nessa altura do campeonato, o dólar estava lá nas alturas. Qualquer compra internacional seria uma temeridade. Mas eu tentei.

O caminho escolhido começou com uma pesquisa com os gurus da Internet. Digitei no Dr. Google: “Passo a passo de uma compra através da Ali Express”. Os resultados foram desanimadores: além do preço em dólares (que já tinha ultrapassado a barreira dos R$5), ainda estava sujeito à taxação dos Correios e do ICMS. Fazendo e refazendo as contas através de uma calculadora ‘Made in China’, cheguei à triste conclusão de que a compra de um soundbar, ou barra de som (meu sonho de consumo de então) era proibido, já que o valor original iria dobrar.

Profundamente infeliz, retomei a rotina de consumo de bens essenciais. Até que um dia, armado de cara e coragem, entrei na Internet, fiz o cadastro no site de compras e efetuei um pedido (um fone de ouvido para assistir minhas séries favoritas). Com o coração saindo pela boca, mais de emoção do que medo, proclamei à moda de D. Pedro I: “A sorte está lançada!”. E saí correndo pro banheiro.

No livro “O Pequeno Príncipe” existe um diálogo muito interessante entre a Raposa e o Príncipe. Ei-lo:

- A gente só conhece bem as coisas que cativou - disse a raposa. - Os homens não têm mais tempo de conhecer coisa alguma. Compram tudo já pronto nas lojas. Mas como não existem lojas de amigos, os homens não têm mais amigos. Se tu queres um amigo, cativa-me!

- O que é preciso fazer? -perguntou o pequeno príncipe.

- É preciso ser paciente -respondeu a raposa. - Tu te sentarás primeiro um pouco longe de mim, assim, na relva. E te olharei com o canto do olho e tu não dirás nada. A linguagem é uma fonte de mal-entendidos. Mas, cada dia, te sentarás um pouco mais perto...

No dia seguinte o príncipe voltou.

(Aqui está a passagem de destaque)    

- Teria sido melhor se voltasses à mesma hora - disse a raposa. - Se tu vens, por exemplo, às quatro da tarde, desde as três eu começarei a ser feliz! Quanto mais a hora for chegando, mais eu me sentirei feliz. Às quatro horas, então, estarei inquieta e agitada: descobrirei o preço da felicidade! Mas se tu vens a qualquer momento, nunca saberei a hora de preparar meu coração... É preciso que haja um ritual...

Pois, amigo Leiturino, é isso que passei a experimentar com minhas compras da China. Elas só têm me proporcionado alegrias, felicidades. É tudo feito com muito ritual: a escolha de um produto entre centenas de opções, o preenchimento dos dados, o fechamento da compra, a notificação de aprovação, o código de rastreio, o produto atravessando mares e continentes e chegando ao Brasil, a liberação pela alfândega, o rastreio dos Correios até que, finalmente, o objeto de desejo chega à residência. Quando abrir a embalagem, você irá traduzir as instruções, repassadas em inglês e mandarim. Quer dizer, além de todas essas felicidades, você ganha uma a mais: a de começar a aprender um novo idioma (a propósito, querendo aprender um pouco de mandarim, coloquei as séries chinesas no topo de minhas preferências). Todo o processo de minha primeira compra durou exatamente 12 dias! E foram dias da mais intensa emoção, da mais pura felicidade. Depois de receber o produto, você poderá fazer uma avaliação, que terá tradução simultânea para mais de 160 países. Quer dizer: ao final de tudo, você poderá se comunicar com pessoas do mundo todo! Quer maior alegria?

Está certo que ando atropelando as coisas, passando, como se diz, o carro à frente dos bois. Afoitamente, ando fretando aviões para trazerem mais produtos para mim: já fiz uma segunda, uma terceira, uma quarta, uma quinta e uma sexta encomenda. É só eu abrir o site da Ali Express e uma voz fica buzinando no meu ouvido: “- Compra! Compra! Compra!”. Você acha que estou me tornando um consumidor compulsivo? Será que terei que recorrei à minha sobrinha Dri, psicóloga de mão cheia? Além de moderar meu ímpeto consumista, poderemos entender melhor essa história de ser e de ter, percebendo que, afinal de contas, ser é mais importante que ter, quem sabe resgatar o valor da amizade. Também poderei argumentar com ela, mostrando que não sou um cara arrogante, mas muito humilde. Quanto aos problemas de natureza sexual, poderemos deixar para outra ocasião. Resolver o desequilíbrio de minha balança comercial com a China demonstra ser prioridade.

P.S. Eleutério tinha medo de que este depoimento, pudesse chegar ao conhecimento de Paulo Guedes, Ministro da Economia, que iria esbravejar:

- É um absurdo o que acontece no Brasil, se até Eleutério está fazendo suas compras lá da China! O país está querendo virar uma bagunça, é preciso dar um basta nessa farra. Vamos deixar o dólar lá nas alturas para que a patuleia da gentalha não se assanhe importando produtos de um e noventa e nove.

Antes de Paulo Guedes arrotar mais essa bravata, um consórcio internacional de jornalistas divulgou um relatório mostrando que autoridades e artistas brasileiros, como o próprio Paulo Guedes, e o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, possuem empresas e dinheiro investido em paraísos fiscais, as famosas offshores. Guedes é dono de uma empresa offshore com US$9,55 milhões nas Ilhas Virgens Britânicas.

Tenho um amigo que sempre diz: “Por trás de toda ação há uma oculta razão”. Paulo Guedes, quando interrogado sobre a alta do dólar no governo Bolsonaro, afirmava mais ou menos o seguinte: “Não tem problema o dólar aumentar. É até bom que ele fique bem caro”. Agora estou sabendo pra onde ele estava olhando quando disse isso. Segundo relatos (Carta Campinas), Guedes lucrou a bagatela de R$28 milhões com sua offshore nessa sua brincadeira de manter o dólar lá nas alturas. Como tenho dificuldade em lidar com certos valores, fiz as contas e cheguei à conclusão que o lucro de Paulo Guedes só com sua empresa em paraíso fiscal corresponde a 25.454 meses (1.958 anos) de trabalho de um assalariado. E o sacana ainda tem coragem de ficar implicando com as empregadas domésticas indo pra Miami e o Eleutério fazendo suas comprinhas de um o noventa e nove da China! Com Paulo Guedes, estou vendo, não dá para esticar a felicidade. Nem mesmo dá pra ser feliz.

Etelvaldo Vieira de Melo

RIOS LAGOS OCEANIAS CACHOEIRAS



Rios são caudalosos. Extensos. Repletos de surpresa. Oferecem peixes, ramos, caminho aberto aos barcos. Porém - todo Rios tem poréns -, se no curso fluvial entre planos e depressões, um ribeirinho confunde peixe com peixeira, ah, azul vira rubro. Escorre ruge pela sanguínea aurora. Em geral, Rios da terra são doces. Sereias serenas saltam do mar para eles. Ou sazonais... Nesse caso, a temporalidade pouca ocorre em estados secos, nada propícios ao seu grande potencial hidráulico. Surge a escassez.  No Brasil, amenos Rios ajustam-se perfeitamente a canais redondos de perímetro urbano, vespertino, chita. Aí, eloquentes, independentes de tamanho, margem, altura, tornam-se realmente necessários. Até porque há quem ache isto: ‘Água não é infinita, como se acreditava antigamente.’   Atente, cara, nasce o próximo detalhe. Existem Rios de água atmosférica, formados por massas de ar carregadas de vapor. Então, cuidado! Sendo invisíveis, correntes aéreas passam por cima das bacias femininas, sejam elas amazônica, suleste, noroeste. Tal reação transportadora de frio tremor e chuva - ai! - recebe o nome de ‘voadora’. Sacou? Entendeu? Oh, bomba H2O explosiva! Feroz, puxa para dentro a umidade evaporada em condições meteorológicas próprias. Carrega junto até ossos ventos alíseos. Topa? Conhece algum Rios assim assado? Bem bom. Em termos poéticos, sucede cada fenômeno trans-pirante real com impacto significante em zeferina vida! Parece fêmea Cordilheira dos Andes sacudida nos anais dos anos históricos. Mesmo. Juro. Falando sério. Os Rios - mal tocando - aqueles se precipitam nas encostas, nas costas, no seio montanhoso, por todas as regiões do jogo de cintura. Às vezes, o bem-estar físico local faz gerar economia familiar, lavouras irrigadas desgarradas do corpus represado. Crença, sô? Lenda? Velocidade e força vêm a ponto de o elemento participativo fornecer, também, eletricidade e energia ao redor. Por incrível que pareça, a evasão da enchente vaporosa pode se tornar pavorosa alteração da temperatura normal do agro deflúvio. Hein? Quê? Se a brasileira fonte tem posição de torrente privilegiada para borbotões, jactos, enxurradas? Duvida? Seu aviãozim anfíbio voará em busca de respostas para ligação sorvedoira: onda, vaga, pororoca, toda comissura penetra no redemoinho confluente. Aja! Acione o motor. Comprove, se for capaz.  Perguntou sobre Rios exóticos? Rá! Diversa biodiversidade no imo dos biomas. Estoques ‘pesqueiros’ e ‘pesqueiras’ caçam licenciamento dos Órgãos Superiores, suprimindo – claro – ressalvas de linhagem. Espécies desnaturais podem criar doenças ou declínio no sistema fluvial. É? Poi Zé, Zezé. Que justificativa técnica há de embasar um Rios em funesta possibilidade?

 Graça Rios   

PAGANDO MICO

 

Em tempos pretéritos mais que imperfeitos, quando autoridades de outros países visitavam o Brasil, notadamente dos Estados Unidos da América, acontecia da comitiva presidencial se trancar com as autoridades tupiniquins em Brasília, enquanto a primeira-dama partia em missão de marketing, visitando favelas e aglomerados, fazendo um agrado aqui e outro ali, a imprensa se deliciando e documentando tudo, enquanto fumaças escuras saíam dos prédios dos ministérios e gabinetes da capital federal.

Isto me faz lembrar um fato ocorrido há tempos em minha residência. Nosso quintal foi visitado por um bando de saguis, uma das espécies de mico. O sagui é um animalzinho simpático, capaz de despertar sentimentos paternais ou maternais até mesmo em corações empedernidos (Está aí uma das ‘100 Palavras Exóticas Que Você Deverá Pronunciar Um Dia’). Sendo que meu coração não chega a ser tão empedernido, tratei de desligar a cerca elétrica e até pensei em oferecer aos amáveis macaquinhos uma banana como presente de boas-vindas.

Os saguis saltaram do telhado de um quartinho para um pé de jabuticaba; enquanto uns ali permaneciam, olhando para a gente com seus olhinhos assustados, outros pularam dali para um pé de lichia e, dali, para o telhado da cozinha. Em seguida, todos rumaram para o telhado da varanda, sumindo na rua, logo depois.

Conversando com minha esposa sobre a simpatia daqueles animaizinhos, olhei distraído para a gaiola onde ficava um canário belga. Falei:

- O belga está sumido!

Aproximei-me e só vi penas espalhadas pelo piso... Ali estava o resultado de tantos gracejos e olhares encantadores. Meu belguinha de estimação já era.

Os fatos da vida se prestam a diferentes análises, dependendo das circunstâncias. A história dos saguis, agora, me faz lembrar o presidente da república que temos aí.

Desde quando despontou no cenário político como candidato, não sei se de forma espontânea ou planejada, Bolsonaro passou a ser chamado de MITO. De minha parte, sempre achei que as pessoas que acreditavam nele estavam era pagando MICO.

Os bolsominions pagam mico e Bolsonaro se comporta como mico. Nos seus três anos de (des)governo, não tem dia em que ele não faz uma provocação, não agride alguém, não solta um palavrão, não fala uma mentira, ou seja, não faça uma macaquice. Com isso, ele consegue desviar a atenção de sua absoluta incompetência e irresponsabilidade enquanto governante de uma nação. Economistas afirmam que o próximo presidente, a ser eleito em 2022, receberá um país destroçado.

Enquanto Bolsonaro faz suas macaquices, que só faz rir os de sua espécie,  desviando a atenção das pessoas dos problemas do país, temos muita gente se dando bem e enchendo as burras de dinheiro: o agronegócio ganhando como nunca com o dólar lá nas alturas (e alimento faltando na mesa do brasileiro), militares faturando um extra em cabides públicos [Petrobrás: R$260.387, EBSERH: R$59.808, Correios: R$77.348, FINEP: R$69.477, Casa da Moeda do Brasil: R$71.836, INFRAERO: 71.987... e por aí afora (Obs.: juntando as remunerações da Estatal e de Militar)], líderes religiosos - atolados em dívidas de multas – contando com anistia para suas falcatruas. (As igrejas não pagam imposto no Brasil. No entanto, elas acumulam R$1,9 bilhão em débitos inscritos na Dívida Ativa da União (DAU), por conta de atuarem como empresas, pagando, por exemplo, bônus de arrecadação para pastores, atrasos e sonegação de impostos e obrigações ligados à folha de pagamento de seus funcionários, como contribuições previdenciárias, Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS), imposto de renda retido na fonte e multas trabalhistas. Em 2020, elas já foram beneficiadas com um perdão de dívidas concedido sob a bênção do presidente Jair Bolsonaro (R$450 milhões atualizados). Agora, querem mais, só R$1,9 bi.)

É por essas e outras que militares proclamam, orgulhosos: - Brasil, Pátria Amada!; empresários do agronegócio ressoam: - Brasil acima de todos!, enquanto líderes religiosos completam: - Deus, acima de tudo!

E Bolsonaro em tudo isso? - pode você perguntar. Não sei o que acontece, mas a família já demonstrou no passado extrema competência em amealhar fortunas com o esquema das ‘rachadinhas’...

Uma última parte daqueles que devem estar satisfeitos com o atual desgoverno é ocupada por psicopatas, de gente que adora ver sangue, que se sente bem com arma na mão, vendo ‘comunista’ levar tiro no meio do peito.

Falando em burras, existe uma fábula de Esopo contando de um burro que se cobriu com uma pele de leão. Com isso colocava em fuga homens e rebanhos. Até que soprou uma rajada de vento, a pele se despegou e o burro ficou nu. Então, todos acorreram e o surraram com varas e cacetes.

Fica a esperança de que as próximas eleições sejam uma rajada de vento, colocando a nu Bolsonaro. A não ser que o Brasil seja de fato uma república de bananas, um circo, onde Bolsonaro desponta como macaco, um mico, e os brasileiros não passem de verdadeiros palhaços.

Etelvaldo Vieira de Melo