O REI DOS ANIMAIS

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Dizem
que a diferença
entre o homem e o animal
está na alma.

Também, no Brasil colônia
dizia-se que o branco
era diverso do negro e do índio,
porque tinha espírito
e eles, não.

Com a evolução da ciência,
observa-se que os bichos
têm inteligência e bondade
de natureza superior.
(Coisa que o humano
tantas vezes contraria
pelas guerras e ganância).

Dirão os senhores
que o animal
(de anima, alma, em latim)
só age por instinto.

Se os índios e os negros
eram tidos como bugres
na colonização,
(e há os que até hoje
falam que negro
não é gente)
as ideias podem mudar
a respeito do animal.

Nesta análise não se inclui
a energia das plantas
da água
do fogo
da terra
que também são criaturas
consideradas vivas,
mas sem alma.

Então, o homem é o tal.

E se for achada
vida noutros planetas?
A supremacia humana
cairá por terra
e não será mais o homo sapiens
o rei do universo.

Então, bicho tem alma?

Pare para pensar.

UMA COISA E OUTRA

            Pessoas enganam a gente de tudo quanto é jeito. Um dos mais ardilosos é quando se fazem passar por vítimas, coitadinhas e crédulas. Agindo assim, deixam você desprevenido e, quando se dá conta, já lhe “passaram a perna”, você “caiu no conto do vigário” ou acabou sendo extorquido.
            Conheço um desses distintos, o Ronivaldo, que, com sua lábia, acaba “dando nó em pingo d’água”.
            Vez por outra, esbarro nele pelas ruas do bairro. Toda vez, ele vem com aquela conversa de quem mastiga chicletes, soltando asneiras através de uma boca cheia de dentes.
            O Ronivaldo é assim. Trabalha numa firma de aluguel de máquinas de terraplanagem, onde presta serviço de manutenção. Ele é magro, aparenta uns quarenta anos de idade, com os cabelos ficando grisalhos. Quando ele fala, seus dentes, muitos e enormes, mal conseguem ficar dentro de sua boca. Ele trabalha nessa firma, mas o que gosta mesmo é de fazer uns trambiques.
            Da primeira vez em que ouve suas desditas, é bom provável que você acabe chorando ou com um nó na garganta. Isto porque Ronivaldo tem um repertório imenso de aventuras, onde sempre se dá mal.
            Uma vez, é a mulher que, num acesso de fúria, atira-lhe um prato de louça e, por pouco, muito pouco, não arrebenta a sua cara; numa outra, está ele querendo ir até o supermercado comprar ovos e fazer omeletes, para enganar o estômago, dele, da mulher e filho; de outra vez, é o cigano trambiqueiro que lhe vende um carro todo bichado, onde nem a carcaça se salva.
            Este carro tem tomado conta da atenção de Ronivaldo, roubando-lhe noites de sono. Ele o chama de “carro de garagem”, já que de casa não pode sair devido aos inúmeros defeitos. Sua situação legal também é complicada, pois acumula mais multa que prontuário de preso de penitenciária de segurança máxima.
            Todos os profissionais com quem se envolve, tentando dar um acerto no carro, acabam – segundo Ronivaldo – “passando-lhe a perna”: lanterneiros, pintores, mecânicos, lojas de peças usadas.
            Quando ouvi tanta choradeira, repassei-lhe, mesmo sabendo que a fundo perdido, a quantia de cinquenta reais. Pra que! Quando me vê, seus olhos brilham na expectativa de mais algum trocado.
            Ronivaldos existem aos montões; você mesmo deve cruzar com vários deles.
            No ramo literário, outro dia esbarrei com um poema de Manuel Bandeira chamado “Auto-retrato”. Pensei comigo: “- Taí o Ronivaldo das letras!”.
            Cheguei a esta suposição porque não acreditei um tiquinho daquilo que ele escreveu. Caso estivesse sendo sincero em suas palavras, Manuel teria dado conta de sua vida, no mínimo, com um tiro no meio da testa. Pelo que me consta, ele viveu até bastante, chegando aos oitenta e dois anos de vida.
            No poema em questão, ele se coloca lá embaixo, considera-se um poeta ruim, um cronista de província, arquiteto e músico falhado, um pobre de espírito. Eu pergunto: tem sentido dizer estas coisas aquele que, com o poema “Os Sapos”, foi o abre-alas da Semana de Arte Moderna de 1922, tornando-se, depois, membro da Academia Brasileira de Letras?
            Sei que, ao longo de sua vida, enfrentou problemas de saúde e a ameaça da morte lhe era frequente. Entretanto não deixo de considerar que seu histórico tem a ver com o de Ronivaldo ou até mesmo com o de uma conhecida.
            Caso eu quisesse deixá-la de mau humor, bastava lhe dizer: “Puxa, como sua aparência está agradável!”. Então, ela fechava a cara, aborrecida. Se eu lhe dissesse: “Puxa, seu aspecto está sombrio e abatido, sua palidez me assusta!” – ela, então, dava um sorriso feliz.
            Com o que andei dizendo, vi que tem gente assim, que passa ar de infelicidade para ser feliz escondido.
Etelvaldo Vieira de Melo

DESAFIO




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Estou farta de você.
Abaixo essa arrogância
querendo  me  provar
quem é que manda.

Não suporto mais
a sua altura
pisando em minha cabeça
para  se autoafirmar.

Eu quero respeito
e você me dá
incompreensão.
À minha liberdade
você diz que não.

Você ri do meu salário
colocando a matéria
no lugar do coração.

Ao final das contas
vamos ver o termo
se venço eu, a Pátria
ou você, o Governo.


EXERCÍCIO DE REDAÇÃO



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O Professor de Redação mandou que eu botasse pra fora o animal que existe dentro de mim:
- Liberte o animal que existe em você – vociferou ele!

Fiquei por longo tempo pensando com os meus botões (de onde será que veio esta expressão esquisita?), tentando encontrar um animal com quem me identificasse. Por princípio, descartei os animais selvagens. Acho o mundo deles muito selvagem, com um querendo comer o outro, cada um tendo que comer pra não ser comido – ou seja (e possíveis leitores de mente poluída não façam inferências maliciosas): no mundo animal, é “matar ou morrer”, numa alusão ao famoso western estrelado por Gary Cooper.
Imagem: televicentro.hn
Definitivamente, pelo que vejo nos programas de TV, esses animais não têm um minuto de sossego, vivem em permanente estado de tensão. Talvez exista um que fuja à regra, e que seria o caso das hienas. Entretanto, uma hiena é a última coisa que eu queria ser na vida: aquele animal feio, horroroso, e que, ainda mais, fica dando risada. Uma hiena ri porque ninguém ainda teve a ideia de colocar na sua frente um espelho. Se ela se visse no espelho, iria chorar amargamente, quem sabe, chegando ao ponto de dar um tiro na própria cabeça. Vai ser feia assim lá no caixa-prego!
Entre os animais domésticos, existem os jumentos, cavalos, burros e bois. A possibilidade de ser um boi não é de todo ruim, caso eu dê crédito ao Madurino Cruz que, quando vai até Iguaçu, tem tido longas e agradáveis conversas com a vaca Mimosa, aquela de olhar afetuoso.
Quanto a ser burro, precisei de um tempo para pesquisar seu sentido. Por princípio, confundia burro com o asno, o que não tinha nada a ver.  Debruçado em laboriosa pesquisa, para atender às exigências intelectuais dos leitores, vi: quando um jumento (asno) “pula a cerca” e cruza com uma égua, nasce uma mula ou um burro; quando uma jumenta cruza com um cavalo, sai um bardoto. Estou falando isto por duas razões: primeira, restabelecer a dignidade dos jumentos, jegues ou anos; segunda, dizer que os burros, as mulas e os bardotos são os párias na escala animal, ao ponto de serem estéreis. Portanto, quando quiser, de fato, falar mal de alguém, chame-o de burro, mula ou bardoto, já que jumento (ou asno) não é burro coisíssima nenhuma (as éguas que o digam). Fechando a estafante pesquisa, quero dizer que descarto a possibilidade de ser um burro; um jumento, talvez.
Agora, retomando o fio da meada, que quase havia se partido por causa de preocupações genealógicas, o que eu não gostaria é de ser um cachorro. Está certo que muitos deles atingiram patamares de astros, estrelas. Já foi o tempo em que o cão comia o pão que o diabo amassou com o rabo. Agora, ele come de caviar para cima, com o quilo de ração ultrapassando o preço do filé mignon.
Depois, tem mais um detalhe desabonador: de tanto conviver com os humanos, os cães começaram a adquirir suas neuroses. Outro dia, fiquei sabendo, um pequeno burguês, chegando de uma viagem internacional de passeio, teve que levar correndo seu animalzinho de estimação ao psiquiatra, pois apresentava sintomas de stress e depressão. Está, agora, o queridinho, fazendo terapia, com duas sessões semanais.
Quando estudante, meu tio Elidério quase foi expulso do colégio. Um dia, ele foi chamado à sala do diretor. Esse lhe disse:
- Os bedéis falam que você é um adolescente autossuficiente, indiferente e revoltado. Estou pensando seriamente em expulsá-lo do colégio.
Não fez isso porque nem ele mesmo sabia o significado do termo “autossuficiente”. O diretor ficou na dúvida se aquilo era uma crítica ou um elogio. Meu tio foi salvo por um termo obscuro.
Voltando à minha pesquisa de um animal confiável, creio que o gato reúne esses predicados ditos acima. Além disso, ele é afetuoso, gosta de passar o rabo entre as pernas das pessoas, é tido como o maior amigo dos poetas (!), é discreto, muito diferente do cachorro, que faz de tudo para chamar a atenção e, no fim, acaba passando a perna nos próprios antigos donos, agora chamados tutores.
O gato também fica muito na dele, tem um senso de independência que admiro. O inconveniente é, como sempre, a proximidade dos humanos e o risco de virar carne para churrasco.
Chegando aos termos, lembro-me de Pierre Weil quando disse que cada ser humano carrega dentro de si estes três animais: um boi, um leão e uma águia. Talvez por isso a vida seja essa luta irreconciliável do indivíduo consigo mesmo em busca de uma paz inalcançável, com o boi arrebentando com a camada de ozônio, a águia dando bicadas no leão, que tenta comer o boi. Quando chega à outra margem, o sujeito está em frangalhos, sem nenhum tipo de conclusão sobre o que veio fazer aqui deste lado do rio.
De minha parte, eu já disse, em tempos passados, que tudo é relativo, até o pronome relativo. Se está certa a teoria da transmigração, fazem bem os hindus que cultuam animais, notadamente os bois, as vacas e os ratos. Se for de todo impossível driblar a ordem do professor de redação, vou me mandar para a Índia na pele de um desses animais.
Etelvaldo Vieira de Melo











ROMANCE DE AMOR

Imagem: Francine Van Hove - Liseuse 41

Livro
que me envolve
em suas páginas brancas
e me convida
às ligações perigosas.

Livro
que em mim viaja
com mãos ardentes
de velejador
do desejo.

Livro sedutor
de folhas
que me caem
nos seios outonais.

Livro
amante inquieto
desnudando-me
os sentimentos.

Livro dos anseios
acendendo em mim
flamas de prazer
e  gozo .

Livro
que te quero
verde
ou maduro
novo ou usado.

Livro
que afinal
me prostra com palavras
o conteúdo da alma.

Livro louco
que leio tantas vezes
querendo  por linhas tortas
entregar-me sem medo.

Livro maldito
bendigo o espaço
em que cruzamos  pernas
e penas e suor.

Livro
que arrebata
sonho e realidade
na letra e na entrelinha.

Livro
que me chama
com tintas e gravuras
tatuadas na pele.

Livro mentiroso
cheio de ciúmes
e ultrajes a Desdêmona
sobre o leito
assassinada.

Livro que não termina
e me deixa sem água
para a sede de histórias
maior  do que o mar.

Livro companheiro
Sentido na mente
da crack
hipócrita e atriz
leitora.













NO FUNDO E A BEM DA VERDADE: EXISTE AMIZADE SINCERA?

Prezado Leiturino:
            A razão desta carta é particular, mas, por falar de um tema provocativo, acho por bem torná-la de domínio público.
            Estarei falando de meu amigo Elidério e de seu descrédito em relação a um dos valores mais cultuados pelo ser humano: a amizade.
            Elidério chegou a um ponto da vida em que passou a duvidar da existência desse sentimento, e tudo por causa de uma decepção grave com uma pessoa que ele tinha na conta de grande amigo, o Maurilênio.
            Como provocação, eu lhe pergunto, Leiturino: acredita você na amizade sincera? Ou será que você acredita que as pessoas só se aproximam das outras movidas por interesses?
            No fundo e a bem da verdade, acho que estou me precipitando ao fazer estas indagações. Melhor será narrar os fatos, para que você tire suas próprias conclusões.
            A amizade entre Elidério e Maurilênio começou na adolescência e perdurou por muitos anos, já adultos. Em certos momentos, por razões profissionais, ficaram alguns anos sem se ver, mas sempre procuravam repassar notícias um para o outro. Nos últimos anos, ficaram bem próximos, tendo, inclusive, feito juntos várias viagens de passeio.
            Anos atrás, Maurilênio propôs a Elidério escreverem um livro. Tinha ele relações com editores, fazendo crer não ser difícil encontrar um que levasse em frente a publicação do trabalho. Elidério se entusiasmou com a proposta, logo dando conta da parte que lhe coube.
            Foi então que Maurilênio começou um jogo de protelar a ida até a editora, fato que deixava o amigo cada vez mais frustrado.
            Como a situação não se resolvia, Elidério resolveu publicar por conta própria o que havia escrito. Mas ele precisava de alguém para fazer uma revisão do texto. Pediu esse favor ao Maurilênio que, mais uma vez, ficou adiando sua avaliação. Adiou tanto até Elidério perder a paciência:
            - Sinto muito ter tomado o seu tempo – falou ele, certo dia, estando sentados á mesa em sua casa. – Peço-lhe desculpas por querer que você se ocupe com coisas menores, insignificantes.
            No fundo e a bem da verdade, foi a partir daí que eles cortaram as relações, não mais se falaram.
            Elidério recorreu, então, a uma ex-cunhada que, prestativa, fez a revisão e o prefácio do livro, editado com recursos particulares.
            - Que coisa feia a atitude do Maurilênio, enchendo a cabeça de Elidério de promessas não cumpridas! – estou, aqui, falando por você, Leiturino.
            - Mas isso não foi tão ruim – haveria de ponderar o Elidério. – Acabou que eu mesmo banquei a edição do livro.
            A partir de agora, Leiturino, transcrevo um diálogo que tive com Elidério.
            - Que ótimo! – falei. No fundo e a bem da verdade, quer dizer que valeu o ditado “há males que vêm para bem”.
            - Em termos, porque, como não tenho jeito para vendas, o livro saiu pouco e acabei tendo prejuízo financeiro.
            - Que pena! Isto é ruim, deveras.
            - Mas não, não foi tão ruim assim. Teve uma amiga que, ela só, comprou cinquenta exemplares para presentear alguns conhecidos, fazendo questão de pagar o dobro do valor de cada livro. Ela disse que o preço que eu cobrava era irrisório, muito aquém do valor real.
            - Que bom! Só por essa, teria valido todo seu sacrifício.
            - Embora tenha tido o caso de uma pessoa que, mesmo tendo recebido o livro como doação (contrariando o ditado “de cavalo dado não se olha os dentes”), achou que eu estava ofendendo o povo de minha cidade natal em um dos textos, quando disse que o cinema de lá tinha pulga, além de falar outros desaforos.
            - Que coisa! Um escritor está sujeito a ouvir elogios e críticas.
            - Como desdobramento – falou Elidério – acabei fazendo parceria com minha ex-cunhada e criamos um blog, que, no próximo vinte e seis de outubro, completa três anos de vida, tendo, só eu, publicado 156 crônicas.
            - Isso é que é coisa boa, não é mesmo?
            - Em termos, pois não conseguimos expandir o número de leitores, o que não deixa de ser frustrante.
            - Está aí uma coisa chata.
            - Pode ser, mas eu penso que escrevo para as “nuvens”, isto é, para leitores do futuro. E tem também a frase dita por minha parceira que eu acho bonita: “escrever é a arte de resistir”, embora eu não saiba a que estou resistindo.
            - Esta frase é meio enigmática, mas, no frigir dos ovos, tudo acaba bem, não é mesmo?
            - Sei não. Com os escritos, passei a frequentar ambientes literários.
            - Que ótimo!
            - Foi lá que me dei conta de que escritores são ególatras, não suportam concorrência. Quando são especialistas em gêneros diferentes, até que há certa tolerância; agora, quando são do mesmo gênero, aí eles não se bicam mesmo.
            - Puxa, eu não sabia desta!
            - É o que acontece. Quando você lê entrevista de um escritor, ele só tem elogios para os que estão mortos e enterrados. Estou falando assim porque tem escritor morto, mas que ainda não foi enterrado.
            - É, eu li, tempos atrás, entrevista de um famoso que, perguntado sobre os autores que admira, só teve elogios para Shakespeare e outros que se foram há muito tempo; para os atuais, nem uma palavrinha de elogio.
            - É o que você está vendo.
            - Pelo que consta, estou vendo também que a falta de consideração e respeito é generalizada. Daí, no fundo e a bem da verdade, eu não entender sua mágoa com Maurilênio.
            - Eu não estou magoado de maneira séria. É só uma magoazinha e, pelo que você viu, a enrolação do Maurilênio acabou me proporcionando alguns bens. Eu quero que você conte isso para o Leiturino, para que ele repasse ao Maurilênio.
            - Algum outro recado?
            - Pode dizer que tive um infarto, mas que me recuperei bem.
            - Algo mais?
            - Pode falar também que fizemos, minha esposa e eu, juntamente com sua irmã e marido, um passeio até a Europa, com visita a três países.
            - Você está falando isto para deixar o Maurilênio mordendo o dedo de raiva e inveja?
            - Absolutamente. Ele é muito mais viajado que eu. Meu currículo de viagens é fichinha diante dele. Mas fala também do livro, só a parte boa: que a capa ficou bonita e a impressão bem feita. Não se esqueça de mencionar o blog, que já teve acesso de leitores de vários países.
            - Estou achando que você pede para dizer estas coisas porque está se sentindo magoado.
            - Que nada! Estou bem, mas não faz mal deixar o Maurilênio com um pouco de sentimento de culpa. Fala para o Leiturno não se esquecer de mencionar que minha filha já está terminando a segunda residência médica, que ela já passou num concurso da Prefeitura.
            - Algo mais?
            - Aproveita para dizer que fizemos uma reforma na casa (o Maurilênio gostava muito de passar umas horas aqui); ela ficou tão acolhedora que muitas pessoas dizem que nem preciso sair para buscar distração e descanso.
            Leiturino, este foi o teor de minha conversa com Elidério. Peço-lhe o favor de repassar todas estas informações para o Maurilênio.
            Quanto à minha opinião, no fundo e a bem da verdade, eu creio que uma amizade sincera só mesmo naquela música de Renato Teixeira, que estou lhe enviando em anexo, via Youtube. As pessoas tendem a tolher o potencial dos amigos, por não acreditar em suas capacidades. Não foi isso que ocorreu quando Maurilênio desacreditou da capacidade do Eleutério? Será que não existe amizade com pesos iguais, tendo sempre um que se destacar? Será que nossos piores inimigos são os nossos amigos?
            Desculpe, Leiturino, mas, depois da conversa com Elidério, minha cabeça anda um tanto confusa, ainda amais com esse calor de "rachar mamona" e estorricar os neurônios. No fundo e a bem da verdade, não seriam todos os humanos ególatras? Será que só poderei encontrar amor sincero no cãozinho lá de casa, o Thor? Pensando em tudo isso, estou me lembrando da frase pronunciada pelo Maurilênio, ele próprio: “As pessoas só se aproximam de você motivadas por secretos interesses. Em outras palavras, não existe amizade desinteressada”. Estas foram as suas palavras, no fundo e a bem da verdade.
Etelvaldo Vieira de Melo 

 




PENUMBRA

Imagem: csm7anod.pbworks.com - revistaepoca.globo.com

Os mendigos doentes
caídos à porta
da biblioteca.

Os mendigos semimortos
caídos debaixo
dos viadutos.

Os mendigos feridos
caídos nos bancos
da rodoviária.

Os mendigos barrados
caídos nos barracos
da favela.

O governo e seus asseclas
deitados em berço esplêndido

no Palácio da Alvorada.

MÁGOA DE BLOGUEIRO

(Paródia de “Mágoa de Boiadeiro”)

Antigamente nem em sonho existia
Tanta tecnologia
Pra entrar em conexão
A gente usava telefone ou carta
Tudo com hora e data
Caso quisesse uma comunicação.
Mas hoje em dia tudo é muito diferente
O progresso trouxe pra gente
Um mundo de inovação
E, entre outros, eu me tornei blogueiro
Não querendo estar solteiro
Nem passar por diferente
Nessa era de revolução.

Tenho tanta saudade
Que meu peito invade
A lembrança de tempo antigo
Quando mocinha debruçava na janela
Acenando uma flor.
Aguardava o carteiro amigo
Trazendo notícias de seu amor.
Por tudo isso eu lamento e confesso
Que a marcha do progresso
É a minha grande dor.

Cada invenção
Que eu vejo ser lançada
Já me aperta o coração
E quando olho tanta coisa ultrapassada
De tristeza dou risada
Pra não chorar de paixão.

O meu cavalo de pau
Com o qual brinquei tantas aventuras
Agora jogado no quintal
Certamente também chora
Na mais triste solidão
O carrinho de madeira, a bolinha de gude,
O finco, a gaiola e o alçapão
Tudo morto e enterrado
Sem ter recuperação.

Nos tempos de escola com pouco dinheiro
A gente usava caderno brochurão
Borracha Faber Castel, caneta tinteiro
Lápis de cor John Faber e mata-borrão.
Mas hoje em dia tudo foi pro lixeiro
De moderno tablet, not book ou computador
                Que tudo computa, menos a minha dor.

Hoje, por ser blogueiro
Na mais pura ilusão
Achei que as pessoas iriam ouvir
A voz de meu coração
Que elas iriam sorrir
Com minhas falas carregadas de emoção.

Não sou poeta, sou apenas um poemeiro
E o tema que me inspira é a fibra de blogueiro
Quase chorando, debruçando nestas lavras
Rabisquei estas palavras
E saiu esta canção.
Canção que fala das noites mal dormidas
Em que fiquei frente a um computador
Buscando os termos certos
Pra falar da minha dor.

Dor de me sentir na mais pura agonia
Com as pessoas não querendo me ver
 Preferindo os faces e zap-zaps como companhia
Aumentando cada vez mais meu padecer.
E nem pense em chamar minha atenção
Dizendo que sou um manhoso
Pois se nem tenho um berrante preguiçoso
Pra apagar as lágrimas... do meu coração.
Etelvaldo Vieira de Melo


DAVID







Meu netinho está chegando.
Imagino-o atravessando
o ventre da mãe.
Em breve ele virá
lembrar-nos de que a vida
vale a pena ser vivida.

Certamente nascerá
e estenderá nossas origens
para além do século XXI.

Não será por certo político
nem dono de grande empresa
nem latifundiário.

O berço não é de ouro,
mas traz força da madeira
cortada pelas mãos
de um marceneiro.

Há de ter muita ternura,
para enfrentar este mundo
de parca comunicação
e (quase) sem poesia.
Daí ter de endurecer-se.

Não sei se haverá água
do mar ou dos Rios.
Talvez, aos vinte anos,
só conheça bichos e plantas
nos museus virtuais.

Nesse tempo futuro,
que será do céu
hoje ainda azul?
A camada de ozônio
estará menos perfurada,
as matas serão verdes?

Verá as chuvas?
Verá os ventos?
E as descobertas de Marte?
E os planetas habitáveis?

Davi matou Golias
com uma pedra à-toa.

David fará viver
a ciência
o livro
a lembrança dos pais
a lembrança do país.

O amor será alicerce
de que precisará
para brincar de bolinhas
pôr aves nos ninhos
sentir o coração.

Meu netinho está chegando
e eu já me preparando
para pousar em São Luís.

Que venha com saúde
com a certeza de ser homem
defensor dos mais fracos
contra a fome e os vícios.

Seja David
honesto e feliz.