CARTA PARA SENHOR FÁBIO

Belo Horizonte, 27/01/2018
Prezado Senhor Fábio.
Alheios ao espetáculo de ressurreição florida e limpidez das fontes oferecido recentemente pela VALE na Praça da Liberdade, mineiros e brasileiros preferem atender às brumosas sombras de lodo e perecimento ocorridas no Estado. Sói acontecer tal brutalidade entre os humanos. Drummond nos relembra, in Congresso Internacional do Medo: “Os ombros suportam o mundo./ Em vão tentamos nos explicar, os muros são surdos.”. E n’ A Flor e a Náusea: “Podemos, sem armas, revoltar-nos? Não, o tempo não chegou de completa justiça.”.
Digo-lhe, entretanto, amigo Schvartsman: Talvez muito durem ainda os respingos de lama endereçados à sua grata persona. Emissários de Tânatos hão de visitá-lo em horas noturnas, ansiando pelo amorável corpo de V. Sa. Ouça, nesse instante, a voz doutora de Santa Teresa de Ávila:
Nada te perturbe,
nada te amedronte.
Tudo passa,
   a paciência tudo alcança.
    A quem tem Deus nada falta.
Só Deus basta!
Prossiga, segundo Carlos in Claro Enigma, no mister de “sempre e até de olhos vidrados, amar/ o inóspito, o cru,/ a água implícita, a sede infinita (dos irmãos),  porque “(...) Para fora do tempo/ (o senhor) arrasta seus despojos./ Amor é privilégio de maduros,/ doação ilimitada a uma completa ingratidão.
Nós, os perseverantes, juramos continuar no afã de assisti-lo durante e depois de todas e quaisquer aflições.
Aceite a minha ternura.
                                                Maria da Graça Rios
Escritora e profa. concursada  pela FALE/UFMG.
PS: Adaptei devidamente os versos do mineiro Carlos, conforme a necessidade.
Graça Rios

BOTAFOGO JOGA CONTRA OPERÁRIO

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Imagem: oterra.blogspot.com
Para Silvana, que cultiva o saudável hábito de se indignar.
Em entrevista para programa de TV, o deputado federal e presidente da Câmara Rodrigo Maia disse que não vê problema em se aumentar o tempo de contribuição para efeito de aposentadoria. Disse sua Excrescência, textualmente:
-Todos nós temos uma expectativa de vida maior. Quando a gente chega aos 60 anos, ela aumenta mais ainda. Nós temos que entender que trabalhar até os 62 anos, sem transição, não é problema nenhum. Todo mundo consegue trabalhar hoje até os 80 anos, 75 anos...
Perguntei ao Eleutério o que pensa dessa fala de sua Proeminência, se não está exagerando, faltando com compaixão para com os pobres trabalhadores do país. Eleutério disse que concorda com sua Insuficiência em alguns pontos. Por exemplo, agora que ultrapassou a casa dos 70 anos, ele sonha em chegar aos 100. Quanto à ideia de se trabalhar até os 75, 80 anos, considera que é preciso, primeiro, saber dos empregadores se estão de acordo em dar trabalho, por exemplo, para um pedreiro na faixa dos 80 anos. Por fim, ele disse que é preciso se levar em conta que sua Improcedência faz uma consideração do ponto de vista de um político. E político, a gente sabe, não trabalha, só finge que trabalha, no dizer de Paulo Maluf.
Não existe coisa mais chata do que alguém querer ou aparecer como dono da Verdade. Por isso, pra não cair na chatice, vou considerar outra explicação para esse comportamento estranho de sua Impertinência, o nobre deputado.
Se ele não quer ferrar o trabalhador, por que não considerar que seja por ter uma visão idealista, marxista (epa!) do trabalho? Afinal, ele não sabe o que é isso, trabalhar, só tem uma noção teórica do que seja! E, na sua visão, pode ser que o trabalho seja a afirmação máxima do indivíduo, meio pelo qual ele se apropria dos bens da natureza, a transforma ao mesmo tempo que transforma a si mesmo. Tal visão não deve ser confundida com o trabalho no sistema capitalista, onde é mais uma maldição do que uma bênção, é alienado, com o trabalhador vendendo sua força de trabalho, tem sua individualidade destruída, é convertido em coisa e se torna escravo de coisas. No sistema capitalista, o trabalhador só se sente bem quando de folga (e quando aposenta).
Está vendo? Pode estar aí a explicação porque sua Turbulência quer ver outras pessoas trabalhando até os 80, 90 anos. Pode ser que, por causa de sua visão idealista, marxista, ele seja sincero, que esteja querendo a felicidade do trabalhador assalariado!
Já observei que Rodrigo Maia cultiva o cacoete de ficar inchando a bochecha. Como ele está cada vez mais gordinho, a bochecha, como uma bola, está cada vez maior. Estou vendo a hora em que, se não tomar cuidado, vai explodir ou voar feito balão. Esse hábito de ficar enchendo a boca deve ser por causa do stress quando, no toma-lá-dá-cá do Congresso, para aprovar alguma coisa, vê que os deputados mais querem tomar do que dar.
Tomei conhecimento dessa declaração do Rodrigo sobre o trabalho num desses grupos de rede social. A amiga que postou o vídeo também deixou este comentário:
- Esse cara é muito cretino, isso sim. Dá vontade de mandar ele...
Ao que respondi, logo depois:
-Por mim, pode mandar.
Como este texto é dirigido a um público diversificado, pode ser que exista alguém já contaminado pelas falas daquele astrólogo, guru dos bolsominions, que demonstra uma fixação doentia com c*. Então, preciso dizer que, em momento algum pensamos, a amiga e eu, mandar ele (sua Inadimplência, o nobre deputado) tomar no c*.  O máximo que passou pelas nossas inocentes cabeças foi: - Dá vontade de mandar ele... chupar laranja!
O título do texto (“Botafogo Joga Contra Operário”) é uma referência ao Departamento da Propina da Odebrecht. Sabemos que, nas planilhas da empresa, os políticos agraciados com propinas são identificados através de apelidos. Assim, temos o “Fodinha”, o “Maçaranduba” e o “Garanhão”, entre centenas (2000!) de outros. “Botafogo” era o codinome tanto de Rodrigo como de seu pai, César Maia, porque a política no Brasil, a gente sabe, é um sistema de capitania hereditária, passa de pai para filho(s).
Etelvaldo Vieira de Melo

PRENÚNCIO

A forma confessional do Diário (lat. diarium), subgênero da autobiografia, constitui uma técnica discursiva universal. Frédéric Amiel, Fiódor Dostoiévski, Franz Kafka, Susan Sontag, Sylvia Plath, apresentaram ao público reflexões documentais de profunda índole íntima. Anne Frank, escondida atrás das paredes de uma estante, durante o holocausto, anota cada dia de angústia e incerteza da sua família judia. Certamente, entre momentos de solidão e horror, escuta calma Santa Teresinha De Ávila sussurrar-lhe: “Nada te perturbe, nada te amedronte.”. Daí o equilíbrio harmonioso da menina adolescente, depois, ante a imagem da própria morte nos fornos nazistas.
Acompanhando esses famosos escritores, meu afilhado Edu ar do sol conduz subjetiva e espontaneamente o fio da contextura escritural até o lugar invisível do eu/nós/ voz, onde se movimenta a psique particular e social. Em consonância com tais autores, realiza o primoroso encontro das relações interpessoais com a filha-flor Ana Clara, na idade das flores e na flor da idade. A correnteza da vida, somada ao ambiente espiritual chiaroscuro, aflora-lhe na obra. O pai sempre presente rompe as malhas e muralhas do silêncio, criando uma espécie de vitral barroco, sugestivo cenário de datas-relíquia. Céu e terra se confundem na argumentação caudalosa de palavras, letras, retratos, desenhos, fitas, cartas, lembranças, memorialismo, elementos naturais do jornal cotidiano em questão. No caso, o narrador se confunde com a própria adolescente Ana Clara, contando sua histórica estória, desde o pré-nascimento até a viagem de debut aos Estados Unidos.
Admirável compositor, o sobrinho ficcionaliza uma vida fruída em experiência de liberdade na clausura carmelita. Passeios a Vespasiano ou ao infinito cosmo, junto à jovem protagonista das Mil e uma noites (e dias) de aventura, tornam-se, afinal, o enigma de reunião de duas pessoas e almas separadas pelas circunstâncias da existência.
Endereço ao blog a mensagem que enviei ao meu Dudu, por um livro que em breve sairá do prelo e possivelmente será remetido às livrarias. Trata-se de uma obra-prima na elaboração da escrita e estética textual. Por isso, leitor, melhor deixar calar tudo o que a musa antiga canta, pois outro valor mais alto se alevanta.
Graça Rios

AO PÉ DA LETRA

Importa ser incisivo. Portanto, seja pra valer, como seus dentões dianteiros superiores.
Ivani Cunha

COMPAIXÃO DALAILAMÁTICA

Prezado Leiturino,
Segundo Leoa da Neve, a gata de Dalai Lama, sua Santidade acredita que todo ato de generosidade irá se converter, no futuro, em sucesso para quem o pratica.
Contudo, de tal assertiva, não devemos inferir que toda pessoa de sucesso o seja por ter sido generosa no passado. Muitos conseguem sucesso à custa da esperteza e da safadeza, como é o caso de muitos políticos. Assim, quem é generoso tende ao sucesso, mas nem todo aquele que obtém sucesso o consegue por atos de generosidade. Sem querer me enrolar mais do que o necessário: todo pardal é passarinho, mas nem todo passarinho é pardal.
De modo similar ao preceito de Dalai Lama, pensam os adeptos de uma denominação filosófica e religiosa. Para eles, na vida tudo funciona segundo a lei da causa e do efeito, ou Carma. Preocupado com o sucesso futuro, que se confunde com um estado de pureza, de plenitude, e que será conquistado através de sucessivas reencarnações, o seguidor dessa corrente entende que deverá praticar o que chama de caridade. Assim, entre outros gestos, ele se dedica a amenizar a fome dos menos favorecidos, promovendo campanhas do quilo e sopões.
Qual a diferença fundamental entre essas proposições? A resposta é: uma visa resultados a curto prazo, é imediatista; a outra projeta resultados para gerações futuras, através de sucessivas reencarnações.
Uma terceira linha, agora de natureza essencialmente religiosa, também prega a generosidade: o amor a Deus sobre todas as coisas e ao próximo como a si mesmo. Seus seguidores acreditam que somos todos filhos de Deus e que devemos nos ajudar uns aos outros. Segundo tal vertente, ao praticar o bem, a mão esquerda não deve saber o que faz a direita. O amor se justifica por si mesmo: é desinteressado, gratuito, deve ser voltado não só para quem nos ama, mas também para quem nos odeia.
- A recompensa para tanto amor? Uma vida eterna de bem aventurança. – Um ponto negativo dessa doutrina? Um certo negativismo para com a própria vida terrena (por causa do pecado), como se aqui fosse um “vale de lágrimas”.
Estão aí três vertentes que orientam o agir humano. Meu propósito é fazer uma consideração em torno da primeira, defendida pelo Dalai Lama.
Estou, há mais de cinco anos, cuidando de um blog que mal sai do lugar. Por causa de uma enraizada timidez, não sei me impor nesse universo competitivo que é a Internet, tomado de bandoleiros, onde o lema é “matar ou morrer”. Sei que existem várias estratégias de marketing, mas que não funcionam para mim. Por exemplo, não dá para imitar uma tal de Larissa Manoela. Li num site de notícias: “Logo após completar 18 anos, Larissa Manoela mostra corpão e comemora seus 18 milhões de seguidores. Se eu for exibir meu corpão sarado no blog, aí é que ele vai afundar de vez.
Cheguei a mandar confeccionar camisetas com estampas do blog para serem usadas na pista onde faço caminhada. As pessoas até olhavam para elas, mas, ao olharem para pra minha cara, viravam os rostos, assustadas.
Já ofereci livros de brinde, passei receitas e até já convidei leitores para virem aqui em casa tomar café e comer pão de queijo.
O resultado de todo esforço tem sido pífio. E é por isso que, como ato de desespero, estou recorrendo aos préstimos do Dalai Lama. Dizendo que a generosidade se converte em sucesso para quem a pratica, ele acabou me oferecendo a chave para o reconhecimento do blog no Brasil e no mundo. Confesso que não almejo os 18 milhões de seguidores, como tem a Larissa; para mim, 1 milhão está bom demais.
O mecanismo é simples: você se compromete a ler as minhas postagens no blog durante sete semanas (uma postagem a cada semana). A cada semana, você envia para um(a) amigo(a) uma cópia desta postagem com o convite abaixo. Ele(a) deverá fazer o mesmo, ou seja, se comprometer com a leitura, enviando convites para outras sete pessoas, uma de cada vez. Entendeu?
Você estará praticando um gesto de generosidade, que irá se tornar um bem maior em seu futuro; ao mesmo tempo, estará estreitando os laços de amizade com sete pessoas especiais. Elas, por sua vez, estarão se conectando com outras, e assim sucessivamente.
Em um momento em que proliferam ódio e intolerância, é sempre bom ouvir falar de afeto e generosidade, não é mesmo?
Se você recebeu este texto através de um link, basta destacá-lo ao enviar para alguém. O endereço do blog é esse:
wwbbcr.blogspot.com
As postagens são feitas aos sábados.
Nota: Não sei se você irá levar a sério esta brincadeira, se vai encarar como brincadeira esta proposta séria. Não importa. O que importa é poder continuar com sua atenção, poder contar com sua generosidade em dispor de tempo para ler as coisas que escrevo neste blog. Muito, muitíssimo obrigado.
Grande abraço.
Etelvaldo Vieira de Melo


PAGANDO MICO

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Imagem: You Tube
Entre os jogadores de futebol que fizeram sucesso no Brasil e no exterior, tivemos aquele que era dentuço e feio, uma coisa como consequência da outra. Quando jogava bola, tinha costume de usar uma faixa na cabeça e amarrar os cabelos no formato de rabo de cavalo. Tudo isso amenizava sua aparência, tornando-o menos feio e até simpático. Uma de suas jogadas características era passar a mão no rabo de cavalo, arreganhar os dentes (como se fosse fungar), olhar intensamente na direção de um companheiro de equipe e lançar a bola para outro, que estava no extremo oposto. A jogada geralmente dava resultado, pegando a defesa adversária desprevenida.
Hoje, ele já dependurou a chuteira, mas não conseguiu abandonar de vez seu cacoete.  Por isso, ele se casou com duas mulheres, mesmo não sendo mórmon. Desse modo, ele pode mirar numa e jogar a bola na outra.
Até hoje ninguém fez essa leitura para seu casamento exótico. Estou fazendo agora, sem pretender fazer registro de patente para ganhar alguns royalties.   
Como você pode perceber, tudo na vida tem uma explicação lógica, até comportamentos estranhos de animais.
Foi o que aconteceu lá em casa, com a “visita” de cinco saguis.
Tenho o sagui, ou mico, na conta do mais simpático dos primatas. Os que apareceram no pé de jabuticaba fizeram jus à fama: com olhares aparentemente assustados, faziam trejeitos engraçados que nos faziam rir, a minha esposa e eu. De repente, dois desapareceram de nosso campo de visão, enquanto que os outros pularam para um pé de lichia e, de lá, continuaram com suas artimanhas. Até que resolveram ir embora.
Comentávamos sobre o prazer daquela visita quando, em certo momento, me dei conta de que havia algo errado. Falei para Dozolina, minha esposa:
- Cadê o belguinha?
O canário belga era meu pássaro de estimação, que ficava numa gaiola na área da casa.
Fui ver e só encontrei penas no fundo da gaiola. O belguinha já era. Foi quando percebemos o propósito da visita dos simpáticos miquinhos.
Nos tempos atuais, andam acontecendo coisas que me fazem lembrar aquele jogador dentuço e os saguis. Os atuais governantes teimam em olhar intensamente numa direção, como se quisessem que o povo também olhasse para lá. E o povo fica olhando, fica olhando prum pé de goiaba, preocupado se veste de azul ou rosa, querendo saber se o brasileiro é mesmo canibal, que gosta de roubar, fazendo as contas pra ver quantas armas poderá comprar.
Vejo que, enquanto uns ficam apontando o dedo pro céu, a bola está sendo lançada para outros jogadores marcarem seus gols contra os trabalhadores, contra a previdência e a aposentadoria (já ouviu falar de uma tal carteira de trabalho “verde-amarela”, com trabalho sem férias e sem 13º salário, aposentadoria só com o que o próprio trabalhador puder poupar?), contra o meio ambiente a as reservas nacionais. Nesse jogo, tem muito macaquinho fazendo macaquices, desviando as atenções para que outros macacos acabem, quem diria, até mesmo com os belgas, aqueles amarelinhos que foram pra avenida soprar seus apitos e bater suas panelas!
Amador, aquele amigo que anda sumido de meu campo de visão, contou que, certa vez, estando em um barzinho, percebeu que uma moça, muito bem apanhada, sentada ao lado de um rapaz, olhava insistentemente na sua direção. Ele, que até então se achava um galo conquistador, foi cacarejando em direção da menina. A uns três passos de distância é que foi perceber seu equívoco: a moça era completamente caolha, estrábica. Voltando sobre seus passos, foi pedir ao garçom uma dose dupla de cachaça, para afogar sua frustração.
Os tempos atuais estão assim estranhos, muito estranhos. A gente precisa tomar cuidado para saber quem está fazendo macaquice, quem é estrábico e quem só está fingindo, tentando nos fazer de trouxas. Por isso, é preciso ter os olhos bem abertos. No mínimo, pra não ter que pagar mico.
Etelvaldo Vieira de Melo

QUEIMANDO CALORIAS E DE OLHO NOS CAMINHEIROS

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Imagem: radioculturafoz.com.br
Entre outras coisas, uma coisa que ando pensando ultimamente é a dificuldade enfrentada pelo governo recém-empossado em colocar ordem nesse bagunçado país que é o Brasil. Bagunçado e coberto de lama. Todos sabem que ele, governo, se elegeu em nome da moralidade (que se tornou, depois, “morolidade”), da família (a dele, especialmente – vimos isso também depois), dos bons costumes, da propriedade, de Deus e da tradição. O mote da campanha não foi “a família acima de todos, Deus acima de tudo”?
Pois bem, ele já repetiu mais de mil vezes que seu propósito primordial é combater a ideologia de gênero e o marxismo cultural. Para tanto, estipulou através da pastora Damares Alves, ministra da Mulher, Família e Direitos Humanos, que as mulheres devem se vestir de rosa, enquanto que os homens se vestem de azul. E isso ficou bem claro, até para os atleticanos, que odeiam azul.
Com o propósito (renovado quando da passagem de ano) de fazer caminhada três vezes por semana, fui hoje até uma avenida perto de casa, que disponibiliza pista para tal fim. Quis ver, concomitantemente, se os preceitos governamentais estavam sendo cumpridos, especialmente no quesito da vestimenta.
O que anotei foi decepcionante. Entre os homens, vi somente dois com camisetas azuis, assim mesmo por serem de um time de futebol, o Cruzeiro. Os tons, em geral, eram cinzas, escuros, sombrios. Havia um caminheiro com camisa amarela da seleção, o que considerei bom, já que o amarelo simboliza patriotismo. No entanto, o rapaz estava de bermuda VERMELHA, o que é uma aberração. Não sabe ele que vermelho simboliza o que há de mais insidioso, perverso, mau, diabólico – o petismo e o comunismo ateu? Não sabe ele que é propósito dos novos dirigentes banir do país esse símbolo de maldade?
Um outro caminhante, que me pareceu um baixinho invocado – não sei se por causa dos óculos grandes ou da camiseta e da bermuda largas – tinha na camiseta branca escritos estes dizeres: “XXI Festa Sob Pés de Mangueiras”. Julguei interessante a ideia, deixo aqui a sugestão para o governo baixar um decreto instituindo a “I Festa Sob Pés de Goiabeiras”. Apesar de propagar uma boa ideia, devo dizer que o baixinho invocado também estava de boné e bermuda vermelhos!
Aliás, havia muito vermelho, tanto nas vestimentas masculinas como nas femininas. O que me leva a sugerir ao governo baixar outro decreto, proibindo de vez a confecção de roupas nessa cor.
Quanto às mulheres caminheiras, as cores eram “variegadas” (uma palavra que eu nunca tinha tido a oportunidade de transcrever): azuis, brancas, vermelhas, lilases, verdes, e por aí vai. A cor mais próxima do rosa era laranja. Só vi uma moça de blusa rosa. O inconveniente era sua calça collant, muito justa, que poderia despertar pensamentos libidinosos nos homens e, por via de consequência, abalar as estruturas da família, da tradição e da propriedade.
Ao final da caminhada (quatro voltas completas, perfazendo quarenta minutos), fui até uma padaria que ficava na mesma avenida.
A atendente, ao me ver de camisa amarela, comentou:
- Você está com uma bela camisa.
- Por falar em camisa bonita – retruquei -, estive observando ali na pista de caminhada que ninguém anda seguindo as normas legais.
- Como assim? – quis saber as moça.
- Ora, não é para os homens se vestirem de azul e as mulheres de rosa?
- Por mim, cada um se veste da maneira que quiser – falou a menina, em tom ofendido. – E concluiu: - Ora essa!
- Ora essa! – pensei eu com meus botões. – Cada vez mais me convenço como vai ser difícil extirpar de vez essa tal de ideologia de gênero e esse marxismo cultural tão arraigados na população deste país!
Etelvaldo Vieira de Melo

SOB A BARRAGEM DA INCONCLUSÃO

A frase distingue-se do período pela síntese.
Aquela abdica de complementos;
esse necessita-os como prioridade.
No último caso, as ações transparecem respaldadas
pelo verbo. Excesso de vocábulos. Desperdício oracional.
Frase, amigos, é questão de catarse. Rompimento da barragem mental
lato sensu, dando lugar ao imediatismo da fala ou escrita.
 Frente aos últimos
acontecimentos, urge que as autoridades não se demorem na tramitação
burocrática de papéis por assinar.
Em suma, que optem pelo estilo célere.
Quem acompanhou o processo de irrupção dos dejetos em Brumadinho,
através da oportunista mídia, sabe que a despedida abre comportas de lágrimas, flores,
prenúncios. Seriam consumidos aí setenta bilhões de dólares exclamativos,
dez navios de vírgulas penhorados a feijão, cem mil parênteses iniciais para ajuda textual,
duzentos bilhões litros cúbicos de citações filosóficas,
 objetivando descrevê-lo.
No entanto, cabe-nos hoje a brevidade discursiva,
diante da espetacular saudade ímpar
         vivida pelos familiares dos desaparecidos sob a lama.
Pergunto: De que serve a volta completa de sete bilhões de palavras sem finalidade?
Gastar enunciado em lugar de
enunciação, ou seja, reprisar
prolixamente o que sentimos, seria menos eficaz que utilizar
o sinóptico gesto de
união.

Sacrificados no desastre utilizaram, sim, esta imprescindível frase: “SOCORRO!”.
Teriam os céus compreendido tal
extensão vocabular?
A tradução do horror em três mínimas,
mas absolutas sílabas
alcançaria o infinito?
  
Lembremo-nos de Castro Alves in Navio Negreiro:
Senhor Deus dos desgraçados!
Dizei-me vós, Senhor Deus,
Se eu deliro... ou se é verdade
Tanto horror perante os céus?!...
Ó mar, por que não apagas
Co’a esponja de tuas vagas
Do teu manto este borrão?
Astros! Noites! Tempestades!
Rolai das imensidades!
Varrei os mares, tufão!...


O duro apelo ao Senhor do Universo
assujeita-O à peleja em prol dos menos favorecidos.
Poderíamos pensar até numa irônica chantagem do poeta
para com o Salvador. Nos primeiros versos,
dispara em desatino: Deus! Ó Deus, onde estás que não respondes? /
Em que mundo, em que
estrela tu te escondes / Embuçado nos céus?/
Há dois mil anos te mandei meu grito, /
Que embalde, desde então, corre o infinito... /
Onde estás, Senhor Deus?...
De fato, nos momentos fatídicos praticamos idêntica estratégia.
Todavia, por que não permanecemos silentes?
Tratar-se-ia, então, de economia no sentido textual para se alcançar rápido o objetivo.
A expressividade do étimo “Silêncio!” faz calar o hospital, a reunião, a guerra.
Sofrimentos ruidosos da doença recuam sem eco.
Uma fuga de Bach no Palácio das Artes transforma-se em retorno.
Mediante o significado, qualquer náufrago conhece a força do “Salve-me!”.
Assegura-se, antes, de que a mão a estender-se poderá libertá-lo
da instantânea infernal tragédia humana.
Observem: o estouro nas comportas da barragem psíquica
enviará ao analista um “Ai, doutor!”,
e, após, em solo firme, o cérebro descansará.
Acredito que um helicóptero em cima desse mar conflituoso
há de jogar-lhe cordas e o recolherá.
Quanta emoção
extravasada em termos ínfimos:
“Fogo!”, “Gol!”, “Vai”, “Rápido!”, “Pronto!”.
Interjeições, meus caros, nutrem bebês,
moços, anciães, nações, universos.
Enfim, propus jamais neste texto me alongar.
Contudo, respinga em nossa alma o aluvião
brumoso do acidente mineiro.
Sói mencioná-lo sempre, porém alforriado de julgamentos precoces.
Mal soubemos da calamidade,
já nos dispusemos a condenar os (im)prováveis culpados.
É justo, senhores,
perguntaria o baiano Castro Alves;
é justo aproveitar o fatal destino dos

mortos, visando a destruir os vivos
e suas edificações?
A justiça acaso se faz olho por olho, dente por dente?
Afoitos carrascos
do irmão, escutem claramente o brado:
Cuidado!
Sombra de dúvida acerca da angustiosa
situação do senhor Presidente da Empresa Vale,
quando lhe atiramos ao rosto não lama, mas
agravo: difamação, desrespeito, descrédito?
Afirmo continuar o indesejado das gentes pedindo:
- Represente-me, professora, diga ao mundo: “CALMA! ”.

"DEVAGAR!"

"DE VAGAR!"
  
       Finalizando a delicada tarefa de proferir esta mensagem,
ofereço-lhes duas frases cheias de afeição:

        “CRÊ NA VIDA. FÉ NA VALE”.
Graça Rios