O DIA EM QUE A ARARUTA TEVE SEU DIA DE MINGAU

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Imagem: brasildelonge.com


A araruta é uma erva cuja raiz tem fécula branca que é alimentícia. Essa fécula é usada no preparo de mingaus, bolos e biscoitos. “Toda araruta tem seu dia de mingau” é um dito popular que quer dizer: se um dia é da caça, o outro é do caçador, algo que nunca aconteceu a uma pessoa ainda acaba acontecendo.
Cinisvaldo é um cínico. Ou se acha assim. Porque ser cínico legítimo não é pra qualquer um. Tem muitos que se acham cínicos, mas que não passam de bocós. Vamos considerar que Cinisvaldo seja um. Cínico. Para comprovar isso, basta a observação de alguns detalhes: o olhar fuzilante, que reduz tudo a pó; o sorriso que não chega a se completar, ficando no meio do caminho; algumas palavras ou expressões, como: - Bonito, hein! – Que coisa! – Você está redondamente certo!
Além de se achar cínico, ele se julga esperto, pensa que dificilmente alguém pode lhe “dar uma rasteira”, “passando-lhe a perna”. Quando está fazendo um negócio, seja de compra ou de venda, costuma olhar de viés para o interlocutor, como se sofresse de estrabismo. O outro acaba ficando desnorteado, inseguro, sem ter pra onde olhar. Cinisvaldo aproveita aquela insegurança psicológica para ter as rédeas da situação. O outro é, então, trollado.
Com a modernidade, o comércio deixa de ser físico, passa a ser virtual; com isso, nosso amigo começou a sofrer alguns reveses, pois perdeu a vantagem do negócio olho no olho, tendo, por isso, levado muitos “gatos por lebres”, sendo ele mesmo muitas vezes trollado (como está vendo, gostei do termo, que é com dois “eles”, mas que o corretor de texto teima em deixar com um só).
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Foi o que aconteceu com a compra de um liquidificador. Assim que acabou a garantia, a lâmina do aparelho ficou empenada, fazendo com que o copo não mais retivesse o líquido.

Quando levou o liquidificador para conserto, ficou sabendo que só a troca da lâmina iria custar R$80,00, ou seja, mais da metade do custo do aparelho completo.
Cinisvaldo ficou com a cara amarrotada, não querendo dar o “braço a torcer" (preciso pesquisar a origem desta expressão). Andou pesquisando, ele, outros modelos da mesma marca. Acabou descobrindo que poderia comprar um modelo mais simples, mas que usava o mesmo tipo de lâmina do outro estragado. Sua estratégia inventada foi: “- Compro esse aparelho mais simples, uso durante certo tempo. Depois, pego a lâmina do outro, coloco nesse novo e levo pra oficina, dizendo que deu defeito. Como o aparelho está na garantia, vou receber uma lâmina nova e, assim, terei dois liquidificadores em casa”.
Cinisvaldo sorriu; não aquele sorriso cínico pela metade, mas um sorriso cheio, de pura autossatisfação. “Como sou esperto e inteligente!” – pensou.
Numa sexta-feira, ainda cheio de satisfação, pegou o liquidificador novo, com a lâmina do antigo, e foi até uma oficina autorizada que ficava num bairro próximo de sua casa. Enquanto se deslocava no ônibus de transporte coletivo, pensava: “- Esse negócio tem que dar certo, pois o danado do liquidificador pesa bastante” (ele tinha uma jarra de vidro).
Já na loja, uma decepção: ela só dava assistência para aparelhos fora de garantia. Muito aborrecido, Cinisvaldo pegou outro lotação até o centro da cidade.
O motorista do ônibus estava num dia daqueles, parece que havia levantado com a “vó atrás do toco” (outra expressão que devo pesquisar o significado). Foi dirigindo intempestivamente, com o próprio trocador (agente de bordo) tendo que ficar dependurado nos canos de apoio.
Cinisvaldo pensou, já tiltado: “- Só faltava eu sofrer um acidente sério, com risco de perder a vida, tudo a troco de recuperar do prejuízo com um mísero liquidificador”.
Quando chegou à loja, decepção definitiva: a garantia não cobre defeito de lâmina. Sacanagem. E nem deixar o aparelho na loja ele pode, mesmo se sujeitando a pagar os 80 reais. A ditas lâminas estão em falta, sem previsão de remessa (lá da China, só pode ser).
Cinisvaldo volta pra casa, com o “rabo entre as pernas”, mais ressabiado do que cachorro vira-lata que tenta roubar pedaço de carne em açougue. Pra completar a tragédia, levou um tropeção quando chegou ao portão de casa, o liquidificador caiu e a jarra quebrou. Seu ar cínico evaporou. Estava flopado. Bem feito! – digo eu. -  Não é que “toda araruta tem seu dia de mingau”?
Etelvaldo Vieira de Melo

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