FLORES DO CERRADO

Imagem: oglobo.globo.com
LAVOIASIERA SAMPAIONA

Bandeirinhas
de Alfredo Volpi
rosas lilases
no painel do cerrado
Frisos
Florões
Florinhas
    
É tão raro o quadro
pintado no chão
que nem se conhece 
o apelido popular

Só o autor continua,
escondido no tempo,
a desenhar o esboço
do nome que lhe há de dar    
       

                                       
BICHOS E FLORES
Imagem: infonet.com.br

Em uma das flores
da árvore Baru
tem um macaco-guigó
e um teiú

Embaixo das flores
da árvore Angelim
tem um tucanuçu
e uma curica

Dentro das flores
da árvore Dedaleiro
tem uma maria-preta
e um sapo-ferreiro

Na base das flores
da árvore Tapiri
tem uma arara-canindé
e um carcará
                         
(Mais ainda há)

Imagem: diariodamanha.com



No forro das flores
da árvore Urucuba
tem um calango
e uma rã-cachorro    



SESSÃO DUPLA

ONDE FOI QUE ERREI?

Imagem: pinterest.com
Anda correndo o ano de 2016 dC, com o mês de março já chegando ao fim. O país, Brasil, fazendo lembrar aquela velha música, que dizia mais ou menos assim: “Se você quer brigar, e acha que vou sair correndo, se enganou: pode vir quente, que eu estou fervendo”. Aliás, o país mais parece uma frigideira com óleo quente – um perigo, se entornar, e podendo fritar o que cair em seu interior. Parece que nem mesmo as “águas de março” podem apagar o fogo que as pessoas andam cuspindo.
Confesso que me sinto tomado de ansiedade. Muitas coisas mexem e remexem com meu desgastado intelecto, mais minhas combalidas emoções. Uma das coisas tem tudo a ver com a suposta pergunta que a presidente(a) do país pode estar se fazendo: “Onde foi que errei?”.
Será que ela faz esse tipo de pergunta, ou tudo lhe parece tão complicado, fazendo com que perca o fio da meada?
Eu me lembro que, no início de seu mandato, ela ostentava índices de popularidade que causavam ciumeiras em seu mentor e padrinho político. Ela parecia como uma delegada que fazia seus subordinados tremerem. Chegou a ganhar um quadro em programa humorístico da TV, como uma chefe turrona, que mandava, não pedia. As raposas e os ratos da política se sentiam melindrados, preferindo andar pelos cantos das paredes, sem encarar a chefona tête-à-tête.
Não estou aqui para fazer análise da atual conjuntura, que isso é atributo dos cientistas políticos, que devem estar com agenda tão cheia quanto cantores de sertanejo universitário. No entretanto, algumas considerações me são possíveis. Vamos a elas.
A embrulhada começou com o fato de ela ser mulher. Calma, que não estou defendendo uma posição machista. O fato de ela ser mulher gerou um desconforto morfológico, com as pessoas não sabendo se deveriam chamá-la de presidente ou presidenta. Na escolha de um desses termos, sempre pairava a dúvida se era correto ou não.
Pode parecer banal, mas tal indefinição afetava o inconsciente coletivo, e foi a primeira farofa jogada no ventilador.
Depois, o seu jeito truculento escondia mais uma dificuldade de articular as palavras do que uma braveza natural. Quando começou a articular frases completas, elas pareciam sem pé ou cabeça, motivos de chacota. Mais farofa no ventilador.
Um de seus erros fatais foi a formação de seu time de assessores. Não podendo contar com Neymar ou Messi, deixou de alugar o passe de Luisito Suárez, para ficar mordendo as orelhas dos adversários enquanto tocava o barco da economia. Em vez disso, o que ela fez foi achar que um manteiga derretida podia dar conta da fazenda. O que ele fez foi levar a economia pro brejo com a vaca e tudo.
A forma desastrada de levar a economia fez com que tivesse que recorrer a pedaladas. Se elas melhoraram seu físico, também contribuíram para um pedido de impeachment.
Sua equipe de sustentação era um arremedo de incompetência, vindo a se somar a tudo o mais para fazer com que seus índices de popularidade fossem minguando, enquanto a rejeição ao governo aumentava.
Escândalos de corrupção começaram a explodir, incendiados por uma operação que tinha como máxima o princípio de que “o fim justifica os meios”, mesmo que esses meios estivessem à margem da legalidade.
Outra máxima contrariada pela operação era a que dizia “o pau que bate no Chico também deve bater no Francisco”. A operação deixou claro que queria bater só no Chico.
Estas são minhas atuais considerações. Tenho outras que ficam para uma próxima, pois o momento parece um caleidoscópio, tantas são as visões possíveis. Tudo que falei pode parecer ingenuidade, coisa própria de quem não se dá conta do vespeiro que é o Poder.
No meu tempo de Escola, um professor, para se dar bem, tinha que demonstrar competência, firmeza e clareza de propósitos. Quando perdia o controle das turmas, acontecia de um ou outro chamar o SOE (Serviço de Orientação Educacional) para ajudar na disciplina. Nesta hora, o moral do professor ficava irremediavelmente comprometido. Havia caso em que não havia jeito: o professor não tinha habilidade pro magistério.
Ao final destas considerações, acho que é isto mais ou menos o que acontece com a presidente(a), agora que ela apela pro seu SOE. Antes de se perguntar “onde foi que errei?”, ela faria melhor colocando outra questão: “O que estou fazendo aqui? Onde fui amarrar a minha égua?”.

Imagem: wordpress.concurseirosolitario.com.br
DESABAFO
Para você, que demonstra certa simpatia com minha pessoa, quero fazer uma delação: estou triste, muito triste diante do atual quadro em que vivemos (Brasil, fins de março de 2016 dC).
Posso contar com você como um leitor paciente e que irá me trazer um conforto? Quem sabe, ao final do desabafo, as ideias fiquem mais claras, fazendo com que eu tome atitudes assertivas, ao invés de ficar lamuriando?
São muitas coisas que me causam desassossego. Preciso ter cuidado para pontuar aquelas mais significativas e que lhe possam ajudar a entender meu estado febril. Por medida de segurança, esta conversa não está sendo gravada, mas vou falar dos “milagres” sem mencionar os “santos”, mesmo porque todos eles são do domínio público.
Quando o PT surgiu no cenário esportivo da política brasileira, seus integrantes se autodenominavam paladinos da justiça, da moralidade e da verdade. Chegavam a ser um pouco arrogantes e tachavam de “alienados” aqueles que não rezavam pela sua cartilha. Eu concordava com muitas de suas ideias, mas não todas, principalmente aquelas fundadas no sectarismo ideológico (na verdade, tenho alergia e medo de todo tipo de fundamentalismo). Achava que o partido deveria se abrir ao diálogo com outras siglas, caso almejasse o poder.
Eu estava errado. Anos depois, ele fez isso, e deu no que deu. Nosso sistema político permite que seus quadros sejam ocupados pelo que existe de mais sujo na sociedade, pessoas despreparadas para lidar com a coisa pública, mais voltadas para interesses pessoais e menores. Como sempre, é bom considerar que toda regra tem suas exceções, e na política também existem pessoas honestas – infelizmente, em número cada vez mais reduzido. Como bem diz Kin Hubbard: “De vez em quando um homem inocente é escolhido para a legislatura”.
Com os escândalos do Mensalão e da Petrobrás, o PT conseguiu a proeza de se igualar e até ultrapassar os demais partidos políticos em ruindade; ele que ajudou a plantar a semente da esperança de um mundo com menos desigualdade, mais justiça e moralidade, tornou-se o principal responsável por jogar esse sonho no chão.
O mal que isso faz ao povo, às pessoas mais simples, é de dimensão incalculável, assemelha-se àquele vazamento de dejetos de minérios, ocorrido em Mariana e que contaminou as águas do Rio Doce, chegando ao mar.
Pelo que entendo, todo petista, que esteja envolvido em ato de corrupção e de ilegalidade, deve pagar exemplarmente: ir para a cadeia e devolver aos cofres públicos o dinheiro roubado. Pelo que estou dizendo, isto também vale para aqueles outros que se beneficiaram desse esquema de sangria do patrimônio público.
Nem bem começo a falar de minhas dores, e logo desando a alardear minhas esperanças. Fiquemos com as dores.
Dói ver como a desesperança permite com que pessoas crédulas se apeguem a arautos demagogos e a uma imprensa fingida.
Ao longo de minha vida, aprendi a entender as pessoas, julgando-as por seus atos e também por aqueles que estão em seu redor. Nunca foi tão verdadeiro o ditado que diz: “Dize-me com quem andas, e dir-te-ei quem tu és”.
Outra coisa a comentar diz respeito à Operação Lava a Jato, aquela que, em dois anos, desvendou toda essa onda de corrupção na Petrobrás. Os feitos de tal operação são extraordinários: não sei quantos foram presos, quanto de dinheiro foi devolvido aos cofres públicos, quantos anos de prisão foram totalizados.
Questiono o fato de alguns dos principais envolvidos já terem sido beneficiados com liberdade, graças ao que chamam de delação premiada. Um deles, condenado a 18 anos de prisão e que tinha como “profissão”, ser lobista do PMDB, já se encontra em liberdade desde ano passado, podendo usufruir de seu apartamento de 800 metros quadrados e avaliado em 12 milhões de reais.
Eu me pergunto qual o propósito dessa Operação Lava Jato. Tudo bem que ela se preocupe só com o Chico, deixando de lado o Francisco. Eu até entendo esse propósito, quando um delator se oferece para nomear outros nomes presentes e pretéritos, mas os membros da operação recusaram tomar conhecimento. Entendo que estejam usando como trunfo a ameaça de prender a esposa do Presidente da Câmara, como uma forma dele agilizar e tocar em frente o processo de impeachment da Presidente(a) da República. O que não entendo e não aceito é a máxima de que o fim justifica os meios, muitos deles à margem da legalidade.
Os diálogos seletivos e jorrados para a imprensa ofendem meus ouvidos e roubam minha inocência, tal o número de palavrões. Entretanto, proferir palavrão é mais frequente do que podemos imaginar; basta grampear o telefone de alguém que esteja sendo pressionado de alguma forma. Nem isso precisa. Tempos atrás li uma reportagem em que o autor detalhava um tanto de palavrões indecentes proferidos... por um ministro do Supremo Tribunal Federal recém-empossado.
Em resumo, sem querer abusar ainda mais de sua paciência, quero deixar claro meu desconforto, vendo o país caminhar perigosamente para um clima de confronto. Quem vai pagar a fatura por tudo isso?
Vejo muita gente com culpa no cartório: o PT, o Governo, certos encaminhamentos da Operação Lava Jato, a classe política e o Congresso Nacional, a Grande Imprensa – que é grande só no nome, pois seus interesses são sombrios e pequenos.
Meu amigo, estou triste em ver a imagem do Brasil manchada. Não estou preocupado com a opinião pública estrangeira, nem com o editorial do Financial Times; estou pensando no sofrido povo brasileiro, que cada vez mais perde boas referências e vê cada vez mais dificultado seu aprendizado de cidadania.
Etelvaldo Vieira de Melo



FLORES DO CERRADO




Imagem: flickr.com



TARUMÃ (VITEX POLYGAMA)


Tarumã
flor asinha
da ararinha
que azinha
vira cor
do tarumã-azul.



Imagem: marianaplorenzo.com


                                                                            ÍRIS (IRIS TECTORUM)
Arco-íris
azul
vermelho
amarelo
(e verde)
na região seca
do Piauí.

Flor iridácea.

O caule maduro
rompe a terra.
Vence a queimada
de duzentos anos,
para ver de novo
o quentume do solo
e o solado do sol.

NANO DICIONÁRIO ELEUTÉRIO

Imagem: botecobola.blogspot.com

EXCEDENTE: o dente de siso.
AMOR: palavra mágica que viaja quando se olha no espelho.
CERVEJA: líquido que quer ser visto antes de ser bebido.
DEDO-DURO: maneira correta de chamar quem faz delação premiada (DELAÇÃO PREMIADA: maneira incorreta de chamar quem é dedo-duro).
FELICIDADE: algo que é encontrado até na cidade, mas que tende a sumir com a idade.
GATO: lá onde moro tem muitos, nas casas, nos telhados, nas ruas, nos postes. Alguns deles miam.
KIKO: palavra usada para indicar desinteresse: “E o kiko?”.
JAMAIS: uma palavra que se deve usar jamais.
LÁ: onde está a nota musical?
ULTRAJE: roupa ofensiva.
VATAPÁ: baiano pedindo ao filho para ir tapar um buraco.
VARREDOR: tomar um analgésico.
SERPENTE: cobra que sonha em ser passada na cabeça de homem com cabelo.
VACILAR: casa de alguém inseguro.
VAGAMENTE: pessoa desatenta, distraída.
ZUM: o “um” passando correndo; ZUM-ZUM: conversa de dois insetos; ZUM-ZUM-ZUM: de duas mulheres.
BISCOITO: muito bom! Parabéns!
VAGABUNDA: uma bunda indefinida, disponível.
VAIDADE: alguém lamentando a passagem do tempo.
VAIDOSO: alguém mandando um idoso ir.
ESCORREGADOR: quando você pisa numa casca de banana e cai com a bunda no chão; ELEVADOR: sobre um tijolo; DOADOR: o tijolo.
TEMERÁRIO: ter medo do fisco.
TEMERIDADE: ter medo de ficar velho.
TEMIDO: ter medo do que ficou para trás.
TERAPIA: importante para a lavagem de roupa suja.
GRAMPO TELEFÔNICO: TIM, está CLARO que é preciso ficar VIVO ao dizer qualquer OI.
TERRAÇO: terra boa.
TESTADO: o que passou por uma testada e resistiu ao teste.
TESÃO: um “t” grandão, potente, teso, tesudo.
TOMADOR: dizer para alguém aceitar o sofrimento.
TRANQUILIZANTE: chapinha dos nervos; TRANQUILIZAR: passar chapinha nos nervos.
SECRETAR: esconder o excretor.
SEDAR: desprendimento.
SEGURADOR: anestésico.
SEXUADO: intensa atividade sexual.
SEXUALMENTE: falar mentira sobre sexo.
SIMPATIA: pessoa educada e que cumprimenta parentes.
SOALHO: tempero caseiro.
SOAR: pastel de lanchonete de rodoviária.
FIM DO VOLUME I
Etelvaldo Vieira de Melo





FLORES DO CERRADO

GUAMIRIM-FACHO (CALYPTRANTES CONCINNA)
Imagem: colecionandofrutas.org
Florinhas de Monet
inspiradas na arte
com o pincel de cinco cabelos.
Quiçá não se entornem
os pingos de tinta
sobre as hastes nevadas
do guamirim-facho.




CANELA-DE-EMA (VELLOZIA SQUAMATA POHL)
Imagem: planeta-aventura.com

Acabou-se o fogo.
Tudo resta cinzas.
Cerrado cinza.
Cena de horror!
Entanto, a fênix,
qual o fóssil vivo,
retorna do pó.

Quem é ela,
um poema?

É Canela-de-ema

a renascida flor.


JARARACA OU SURUCUCU?

Imagem: infobibos.com
     
Palavras de Ingenaldo:
No princípio dessa embrulhada toda, que é a vida do ser humano na Terra, um animal, um réptil, foi destaque, alcançando o topo da parada de sucesso: a serpente (a propósito, um adivinha que acabo de inventar: qual o réptil que queria ser passado na cabeça de homem com cabelo?). Segundo o relato bíblico, foi ela que induziu a primeira mulher a comer do fruto proibido. Como consequência, todo mundo sabe: o paraíso foi perdido, foi pras cucuias, e o homem teve que comer do pão que o diabo amassou com o rabo, isto é, foi inventado o trabalho, essa coisa horrorosa que aflige a humanidade, esse eterno castigo de Sísifo, de empurrar uma pedra morro acima.
Se não me falha a memória por tantos quilômetros rodados, prometeu o Senhor Deus que uma “outra mulher” haveria de esmagar a cabeça da serpente. Não é isso que está registrado nos anais bíblicos?
Pois bem, o tempo passou, ou a humanidade passou diante do tempo, até que, no início do século XXI da era cristã, em certo país da América do Sul, aconteceu um ferrenho debate envolvendo uma subespécie desse ofídio, a jararaca, e que, pelas proporções do bate-boca, deveria ter cedido o destaque do desfile para sua parente mais avantajada, a surucucu ou surucutinga.
O que anda acontecendo é que uma parcela significativa da população do país desandou a alimentar hostilidade para com um partido político, encastelado no poder, e – em especial – contra a figura de um ex-presidente da coisa pública. A artilharia pesada de ofensas mútuas se espalhou das trincheiras das grande, média e nanica imprensas para a Internet e suas redes sociais.
De minha parte, devo dizer que não vejo nenhum santo ou beato nessa história; não chego a colocar minha mão no fogo pra ninguém, nem mesmo estando usando uma luva térmica, dessas de 1 e 99, importadas da China. Entretanto, prezo a verdade e defendo a justiça.
Quando o ex-presidente foi intimado a depor, de forma coercitiva, junto aos responsáveis por uma operação (Lava-Jato? Lava a Jato?), ele saiu “cuspindo marimbondo”, soltando palavrões e dizendo que haviam “acertado o rabo da jararaca, mas não a mataram”. Logo, pensei com meus botões: “Preciso pedir ao Instituto Butantan a criação de uma vacina dupla, que me livre do mosquito da dengue e da picada de jararaca”.
Dois dias depois desse notável acontecimento, e que chegou a chamar atenção de pessoas desatentas como eu, um alto prelado da Igreja Católica, em homilia, isto é, no sermão que é feito durante uma missa, onde muitos assistentes aproveitam para dar um cochilo, disse, candidamente, sem transparecer nenhuma sombra de maldade: “Peça, meu irmão e minha irmã, a graça de pisar a cabeça da serpente... daqueles que se autodenominam jararacas...”
De tudo por tudo, eu me pergunto quais os fundamentos científicos, racionais e de bom senso para tudo isso que acontece e que irá acarretar desdobramentos (ameaçadores - pra todos os lados em que a gente apontar o nariz).
Cuidando da semântica e da morfologia, sem cutucar a jararaca com vara curta, vejo que:
- A incumbência de esmagar a cabeça da serpente foi dada a determinada mulher; ou seja: não é tarefa de nenhuma “minha irmã” e, muito menos, de nenhum “meu irmão”.
- O termo “jararaca” se presta a diferentes leituras. Entre elas, está a de designar alguém “linguarudo”, falastrão, que “fala pelos cotovelos”. Este sentido está expresso na música que diz: “Que mulher danada essa que eu arranjei / Ela é uma jararaca, meu Deus / Com ela eu me casei / Quando está desesperada, fala, fala pra chuchu / E, quando abre a matraca, logo vem o sururu...”. Neste sentido, o termo se assemelha ao de “cachorro que late, mas não morde”.
- A jararaca não é o tipo de serpente que frequentou os jardins do Éden, já que é nativa da América do Sul, e o continente nem havia sido descoberto naqueles tempos de antigamente.
- Nesta história em que a jararaca é execrada por uns, por ser réptil peçonhento, merece consideração o fato de que seu veneno é responsável pela fabricação de um dos mais utilizados medicamentos para hipertensão, o Captopril. Por isso, antes de matar a cobra e mostrar o pau, é preciso considerar que a preservação da espécie tem suas conveniências.
- Uma jararaca tem como pratos preferidos sapos e ratos. Pra gente que vive engolindo sapos, é sempre bom poder contar com o adjutório de uma cobra. Quantos aos ratos, seria uma boa sugestão pedir ao referido Instituto Butantan providenciar uma remessa de jararacas para serem transportadas para Brasília. Fiquei sabendo que a capital federal está infestada de ratos e ratazanas.
- Esta consideração anterior me leva a questionar a descrição que o ex-presidente faz de si mesmo, como se ele fosse uma jararaca. Eu não sei, só pergunto: é mesmo?
- Em nome da verdade, vejo que ele passou dos limites com seu linguajar, exacerbou ainda mais o clima de tensão em que o país está mergulhado.
- Considero que o prelado, no alto de sua sapiência, enfiou os pés pelas mãos, sem medir o alcance de suas palavras. Depois, falou que não era sua intenção usar aqueles termos, mas que foram bem empregados. Quer dizer: não quis assumir plenamente o que disse, subiu em cima do muro.
O que necessitamos é de bom senso, racionalidade, cuidado com o bem comum. Muitas pessoas públicas e de influência parece que não se dão conta dos riscos do sectarismo, do fanatismo religioso ou ideológico. Se atentassem para a sabedoria popular, haveriam de aprender de ditados que ensinam: * “quem com ferro fere, com ferro será ferido”; * “quem semeia vento, colhe tempestade”; * “em boca fechada não entra mosquito”, e assim vai.
De minha parte, poderia recorrer a outro dito: “em poço que tem piranha, macaco esperto bebe água de canudinho”; ou um outro ainda mais grave: “quem fala demais dá bom dia a cavalo”. Mas quem me mandou ter a língua trelosa?
Etelvaldo Vieira de Melo


PLANTAS DO CERRADO

sapium_02
Imagem: timblindim.wordpress.com
LEITEIRINHO (Sapium hasterianum)

Leiteirinho
para os bezerros
olhos dos homens.
Quem toma desse leite,
embebeda-se de flor.



Imagem: plantasquecuram.blogspot.com

                   
                                             


VELAME-BRANCO (Macrosiphonia velame)                   
                         
Cai a noite
e as flores
do Velame-branco
desabrocham
no mar de Minas.
Minas não tem mar
mas o cerrado é um mar.
O Velaime navega
pela noite adentro
e as flores derramam
aromas pelo espaço.

Que nave ave,
a vagar sem nunca
sair do lugar!
Que vagas secas
do mar das Gerais!

Amanhã,
na hora mais quente
do dia,
as flores murcham
e o oceano
mineiro de pedras
velará o sono ardente
das flores do Velaime.                         


PODIA SER PIOR

Imagem: ndoline.com.br


Quando algo dá errado pras minhas bandas, eu costumo pensar: “Console, Florisbela, podia ser pior”. A essa maneira de pensar eu chamo de Filosofia de Vida. A FV tem me valido em muitas situações, fazendo com que eu chegasse até aqui sem muitos arranhões ou machucados. Ela é assim como as ferramentas de uma oficina ou as muitas coisas que carrego na minha bolsa. Não sei por que os homens implicam tanto com as bolsas femininas. Com suas calças, camisas e paletós, podem eles dispor de, no mínimo, sete bolsos. Alguns ainda acham pouco: chegam a fazer uso das cuecas para transportar outros bens, além dos genitais. Mas nós, mulheres, só dispomos de um só bolso, que é a nossa bolsa. Na minha, eu carrego de tudo um pouco. Tem até agulha e linha, para o caso do vestido rasgar ou a alça do sutiã se soltar. Como diz o ditado, “seguro morreu de velho”. Agora, apesar de todo cuidado, chego a experimentar situações constrangedoras. Minha amiga Adalgisa havia me convidado para passar o final de semana na sua fazenda. Seria ótimo, se eu não andasse com uma desconfiança danada dela. Da última e única vez em que lá estive, quando saía do banho enrolada numa toalha, ela veio com essa conversa assanhada: “Tira logo esta toalha pra eu te dar uns amassos”. Então, eu falei: “Cruz credo, sai pra lá, sapatão! O que eu gosto mesmo é de homem, homem com agá e, de preferência, maiúsculo”. Agora, ela está me convidando novamente. Parece até que se esqueceu do esfrega que lhe dei.  O meu problema é que, apesar das centenas de anos de terapia, ainda não aprendi a ser totalmente assertiva. Quando, tal como a ingênua Chapeuzinho Vermelho, estava indo pra cair nas garras do lobo, fui salva no último minuto por um pedido de outra amiga, a Tatá. Foi o que falei pra Adalgisa: “Sinto não poder ir pra fazenda com você. É que Tatá tá me pedindo pra ficar com seu cãozinho de estimação. Ela vai passar o final de semana na sua terra natal”. Ouvindo a justificativa, Adalgisa comentou, olhando nos meus olhos com olhar pidão: “Que pena! Fica para a próxima”. Desse modo, eu me salvei de um constrangimento, embora tenha saído da brasa pra cair no espeto: o cãozinho de Tatá, um pequinês que atende pelo nome de Totó, é um capeta. Fica focinhando tudo, fazendo xixi em todos os cômodos do apartamento, marcando território, e eu correndo atrás, com balde e esfregão, para enxugar aquela torneira ambulante. À noite, quando o coloco lá na área de serviço, ele fica chorando feito cachorrinho querendo mamar, enquanto arranha a porta. Em situações como essa é que me valho da FV: podia ser pior. Vai que não aparecesse a Tatá com o Totó, e eu aceitasse o convite de Adalgisa. Vai que ela estivesse numa situação de “matar cachorro a grito”, que ela viesse pra cima de mim feito uma cadela zangada, e eu, desatualizada que ando com essa tal de assertividade...
Etelvaldo Vieira de Melo