MEUS NOMES

Nascimento de Vênus - Sandro Botticelli


Eu nasci
há dois mil anos
e me chamaram Eva.
Comi a fruta proibida
e me transformei em Vênus,
deusa gerada da água.
Em seguida, fui Madalena.
Minha vida corria boa
mas mataram meu amado.
Então surgi Beatriz,
inventada por um poeta,
mas eu era puro papel.
Então transformei-me em Joana,
a que via anjos nos bosques,
mas fui chamada pra guerra
e queimada pelos ingleses.
Aí eu virei rainha,
Antoniette, a coquette,
acabaram me decapitando.
Desse jeito mudei pro Brasil.
Fui aqui Maria Bonita,
com apelido de Diadorim,
mas como gosto é de luta,
morreram-se nome e romance.
Brasileiros bons de pena
conheceram-me como Diva
ou Maria Bertoleza.
Agora me chamo Dilma,
a que vive de falso poder.
De novo caçando briga,
o povo de repente se liga
passa a chamar-me Madonna
(vou morrer de depressão).

NÃO É DE HOJE O TRAMBIQUE EM NOSSO PAÍS

Este texto não faz coro àqueles que buscam no passado justificativas para os erros presentes. Sendo assim, os trambiqueiros de plantão (mensaleiros e diaristas, operadores de lava-jato e petroleiros), corruptos e corruptores, devem todos ir para o lugar que lhes é devido, a cadeia (e mais: ressarcindo a nação com todo o dinheiro roubado).

Ingenuamente, eu julgava que a história do trambique no Brasil era coisa de pouco tempo. Claro que tinha conhecimento de um deslize aqui, outro acolá, mas eles eram creditados como exceções de uma regra: o país era limpo.
        
Em passeio a Porto de Galinhas, no Estado de Pernambuco, tomei conhecimento de um fato histórico que me deixaria com os cabelos em pé, caso ainda os tivesse.
        
O local era conhecido com Porto Rico, já que usado para exportação de pau-brasil e açúcar, dois produtos que valiam ouro em épocas passadas, no tempo do Império.
        
Escravos eram trazidos da África para o trabalho nas lavouras de cana. E tudo corria bem, até que o escravismo começou a ser abolido no mundo e o Brasil se viu obrigado a fazer suas concessões – a Lei do Ventre Livre, por exemplo, foi uma delas.
        
Mesmo quando o furor abolicionista se alastrou, africanos eram trazidos clandestinamente para o trabalho nas lavouras. O artifício usado era acomodá-los debaixo de engradados... de galinhas de Angola.
        
Quando a carga chegava ao porto, a senha para os senhores de engenho era:
        
- As galinhas chegaram!
        
Confesso que desconhecia esse fato histórico. Não sei se ele é de seu conhecimento. Se for, para que esta leitura não seja perda de tempo, acrescento um dado que descobri no passeio. Quando chegamos ao Distrito (Porto de Galinhas pertence ao município de Ipojuca), o motorista da Agência de Viagens que nos transportava fez espalhar entre os habitantes do local: - Novas galinhas chegaram!
        
Quando voltamos para casa e olhamos no espelho, passando as mãos nos bolsos da calça, descobrimos como fomos depenados! Tratado como galo de Angola, acabei pagando o pato, sendo espoliado sem dó ou piedade por aqueles que buscam vingança para as humilhações sofridas por seus antepassados.


Etelvaldo Vieira de Melo   

ESTRELA

Imagem: www.youtube.com

Menino que vens à terra
encontras o Sol e a Lua
e, ao vê-los, te fazes luz
e caminhas com teus pés para ter o pão,
buscando a justiça e a paz
entre teus irmãos.
Menino que ainda és
um grãozinho que se desdobra
e vai crescendo
se abrindo em galhos
em flores e frutos.

Não és uma planta,
mas um menino
abrindo os braços
formando as pernas
tornando-se ente
que depois de pronto
vem para o mundo
viver a vida.

Também um dia
tua mãe surgiu
foi embrião
passou pelo parto
pra ser também gente
que foi filha de outrem
passado de feto
a homem semente.

ARRECIFE DE CARROS





S
e existe uma cidade que trata os carros com toda consideração e respeito essa cidade é Recife. Pelo menos, é isso que tenho observado quando tento atravessar as avenidas, três, indo para a praia. Você gasta quase meia hora para cruzar cada uma delas, assim mesmo com risco de vida. Quando chega à calçada do outro lado, você tem que se apalpar para ver se não falta nada, se tudo está no lugar. Necessita, também, de uns cinco minutos para desacelerar as batidas do coração. Tudo muito diferente do Sul Maravilha, onde você pode cruzar as ruas de olhos fechados, estando nas faixas desenhadas no asfalto.
           
- Não existe semáforo em Recife? – pode você perguntar por perguntar.
           
Onde estou, quando existem, estão a quilômetros uns dos outros. Você tem que tentar a sorte em qualquer ponto.
           
- O número de carros é grande? – pode você, mais uma vez, perguntar por perguntar.
           
Estou impressionado com o número de carros em circulação. Aqui, parodiando um poema de Victor Hugo, se o ser humano tem a supremacia, a preferência é dos carros. Basta olhar para a cara deles, para notar como rodam satisfeitos, despreocupados com os freios, enquanto os pedestres caminham aperreados.
           
- Mas isso acontece porque está hospedado nas proximidades da praia – pode você considerar por considerar.
           
Acho que você se engana. Estive me aconselhando com a dona de um restaurante, buscando informações sobre certos locais onde pretendia ir de ônibus. Ela falou que, se eu descesse em determinado ponto, não teria como atravessar a avenida em frente, tal o fluxo de veículos.
           
Viiixi Maria! Aff Maria! Não é à toa que odeio automóveis.
Etelvaldo Vieira de Melo

Imagem: www.floresonline.com

GRAÇA & SANDRA
Sabidamente, Sandra me desafia
A escrever para Graça uma poesia
Na forma de um acróstico necessário
Devolvendo assim a homenagem
Repleta de carinho mais alegria
Ao cabo de meu aniversário.

E retribuir a homenagem era tudo que eu queria.

Maria, seu nome, Maria
Acende o fogo da imaginação
Rimando versos em melodia
Irradiando lirismo e poesia
A brotarem de seu coração.

Graça, um acróstico, sendo para você, não é brincadeira.

Repleto de boa intenção
Imagino driblar a barreira
Onde o cedilha de Graça faz interrogação
Sendo obstáculo maior à versificação.

Por isso também Sandra propôs tal ardil
Achando que para ele não encontraria solução.
Resgatando o sangue nordestino de meu nome em improvisar
Achei as palavras certas para a equação.
Bem que Graça em vinte e seis de março está a aniversariar
E Sandra planta mais uma flor em oito de abril
Nisso a homenagem a essas jardineiras de saberes e sabores
Sendo elas plantadoras de palavras, de flores e amores.

BOLO DE NOZES


Parabéns pra você!!!
Imagem: recadosonline.com
Cai o dia, vem a noite               
Leva e traz o ciclo da vida
E Cleber diz um verso sobre a lida
Brincando com política e açoites.
Ele faz o aniversário tão vivido
Refazendo seus textos aguerridos.

A sua crônica é engraçada e caprichosa
Mostrando a todos a mulher ou a alegria
Inventando piadas, fantasias.
Graças a Deus (?) ele existe com suas rosas
Ofertando aniversário com suas prosas.

LA BELLE DE ALCEU

                                  Para o Cleber, pelo aniversário, e para Adélia – sua Catherine Deneuve.
         
         Já passava de meio-dia, mas – como todo bom mineiro que se preza – fomos, minha esposa e eu, fazer um tour pela praia da Boa Viagem, na cidade de Recife.
           
Requisitamos umas cadeiras e um guarda-sol, ficando acertado com os proprietários, Anderson e Lula, que o pagamento seria através do consumo de comes & bebes.
           
Estranhei ser atendido por aqueles dois, pois julgava que o primeiro estava se recuperando de uma surra de luta livre e o segundo estivesse, naquela altura, pelo Brasil afora, empenhado na campanha política. Quando me falaram seus nomes, considerei estar sofrendo os efeitos da insolação, mas depois vi que o acontecido era uma mera semelhança de nomes, não tendo nada a ver uma coisa com a outra, querendo dizer com isso que o Lula de cá não tinha nada a ver com o Lula de lá, embora a coincidência de nomes e de estado natal.
           
Acomodado na cadeira e protegido pelo guarda-sol, fiquei ali olhando para o mar e para as pessoas à minha frente, enquanto bebericava uma cerveja, pensando ser aquela a vida que eu havia sonhado.
           
De repente, não mais que de repente, vi três mulheres caminhando em direção ao mar. Enquanto elas se afastavam, julguei, tendo por base a perspectiva traseira, que uma delas era La Belle de Jour, não a Catherine Deneuve, do filme de Luis Buñuel, mas aquela da Boa Viagem, cantada nos versos de Alceu Valença.
           
Acontece que eu estava limpando os óculos quando se afastaram as três. Assim que retornaram, fiquei decepcionado com a visão dianteira, sendo essa Belle um tribufu, mais feia do que capeta chupando limão. De qualquer modo, não descartei de todo a hipótese de ser ela a musa de Alceu, pois a música já vai pra mais de vinte anos de existência e o tempo é implacável com todo ser humano.
           
Juntando uma coisa com outra, isto é, procurando dar um desfecho para este relatório, acabando de vez com este arreidei, quero dizer que me senti feliz em resgatar um pouco da história daquele compositor pernambucano. Só fiquei amofinado por não saber o local exato em que La Belle apareceu frente aos olhos de Alceu, nem mesmo se era uma figura real, como a Garota de Ipanema de Vinícius, ou se era fruto da imaginação desse outro compositor. Quando pesquisei sobre o tema, as opiniões foram tão desencontradas e esdrúxulas (indo de dona Zazá a Zuzu, passando por Catherine, Brigitte Bardot, uma quenga e uns baseados) que julguei por bem deixar os créditos na conta de tanto sol na moleira, dos analistas e do compositor.


  

Etelvaldo Vieira de Melo

  

CRÔNICA

Imagem: malasepanelas.com




Ele vai indo fluente pela vida                                

Tão escritor, tão lúdico cronista.
A palavra voa livre e divertida
Luta com ela e ainda é otimista.

E, tranquilo, sonha com certeza
Transformar esta terra e os viventes.
Eleva-se escrevendo fortalezas
Levas de lírico momento monumento.
Vê como é ele, neste aniversário
A vida transbordando-lhe no dia
Lendo poesias, cozinhando árias
Dedicado ao pãozinho que anuncia
O princípio do amor e da folhia.

A PRIMEIRA PERGUNTA QUE NÃO QUIS CALAR: QUEM SOU EU?

          Não sei se aconteceu com você, mas já me senti como aquele personagem do conto “O Idiota Na Cidade Grande”. Vindo do interior e chegando à cidade, ele foi tomado de pavor, com medo de se perder em meio a tanta gente.
           
Chegando a noite, ele procurou se acomodar em frente a uma casa de comércio, tendo o cuidado de amarrar uma corda no seu tornozelo e prendê-la numa estaca.
           
Um sujeito brincalhão, vendo aquilo, assim que o idiota adormeceu, desamarrou a corda e amarrou-a no seu próprio tornozelo, deitando-se ao lado do outro.
           
Pela manhã, ao acordar, o idiota, vendo a corda amarrada no tornozelo de um estranho, perguntou-lhe:
           
- Ai, ai, ai, ai, ai! Se você é eu, por favor, me diga o que eu sou, afinal? – ele dizia isso se apalpando, todo apavorado.
           
“Quem Sou Eu?” – esta é a pergunta que atormenta todo ser humano, desde tempos imemoráveis. Para os desavisados, quero dizer que existem duas ciências, uma do comportamento e outra esotérica, que se propõem a dar resposta a tal questão.
           
Bom demais, não é mesmo?
           
Seria, se não viessem, à moda dos medicamentos, com rótulos e bulas, a descreverem suas aplicações, contraindicações e efeitos colaterais.
           
Mas o que estou querendo? Não somos um somatório de características físicas e psicológicas, um cardápio de qualidades e defeitos?
           
Somos, e eu não tenho como discordar. O nó da questão é que não aceito e acho que ninguém deve aceitar rótulos.

Coisa mais desagradável é alguém falar para mim:

- Não faça isso, Eleutério, pois não é capaz, e eu conheço você muito bem.

Pronto: já me sinto todo podado, amarrado e amordaçado, enjaulado, encurralado.

A ciência esotérica, que se propõe responder a essa pergunta escabrosa e que não quer calar, tem seus pressupostos baseados no giro da Terra em torno do Sol e leva em conta a posição dos astros; daí, o seu nome: Astrologia. De acordo com o alinhamento da Terra frente ao Sol e considerando o posicionamento dos astros no dia de seu nascimento, pimba!, você é enquadrado num dos doze signos zodiacais.

Como exemplo, eu, Eleutério, nasci sob o signo de Peixes (acabei de colher uma flor no jardim de minha existência), tido e havido como a sucata, aquele que vem por último, na rabeira. É por isso que os nascidos sob este signo têm a incumbência, a exemplo de Atlas, de carregar as dores do mundo.

Temos que dar crédito ao que diz a Astrologia? Não sei, mas pessoas, via de regra, recorrem a ela em suas conversas, nem que seja para perguntar:

- Qual é mesmo o seu signo?

Com o avanço tecnológico, a Astrologia criou ares de sofisticação, incluindo em seu repertório os signos ascendente e descendente, a regência dos astros, alinhamento dos planetas, ano bissexto, horário de verão e outros detalhes mais. Em resumo, é muita coisa para ser levado em conta, o que cansa a beleza e provoca uma leve dor de cabeça.

Como a Terra tem saído de seu eixo, pode ser que isso acarrete uma mudança na caracterização dos signos. Para mim, seria ótimo pegar um pouco do atrevimento do ariano e da ousadia e liberdade do aquariano, signos vizinhos.

Se está difícil engolir os desaforos próprios de meu signo, posso recorrer a outros horóscopos, como o chinês – por exemplo, que leva em conta a data de nascimento e não a posição dos astros. Andei pesquisando a respeito e não gostei nada do que li a meu respeito, saindo da brasa e caindo no espeto. De qualquer modo, horóscopo chinês deve ser bom para os chineses, que deveriam estar lá do outro lado do mundo. A única palavra em mandarim que sei pronunciar é “Han Gai”, nome de um china que me atendia lá no shopping popular, onde ia fazer minhas compras de eletrônicos, e que não esqueci por associá-lo com “rango”.

A ciência que se propõe a dar uma resposta à pergunta “Quem Sou Eu?” é a Psicologia. Estou dizendo isto - usando de referências passadas, e não sei se o software ou aplicativo requer atualização - com base em um Teste Caracterológico que leva em conta a emotividade, a atividade e a secundariedade, enumerando oito tipos possíveis de indivíduos.

Penso que, se formos dar crédito ao que dizem a Astrologia e algumas ciências, o ser humano já nasce com várias marcas, algumas de qualidade e algumas defeituosas. Não estou afirmando nada de extraordinário com isso, mas sinto-se reconfortado ao pensar assim, já que tal pensamento me redime do sentimento de culpa por me considerar um ser desprezível.
           
Passando para considerações científicas, informo ter feito o tal teste caracterológico, cujo resultado disse ser eu do tipo sentimental ou melancólico. Os três elementos do caráter afirmavam que eu era uma pessoa emotiva, não-ativa e secundária. Em síntese, a análise apontava ser uma flor delicada: um nada me fazia murchar, ou seja, um gesto ou uma palavra descortês poderia causar-me uma ferida profunda.
           
Como exemplo, lembro-me de um fato ocorrido num encontro com familiares de minha esposa. Pela tarde, vesti uma blusa, o que provocou o seguinte comentário de uma cunhada:
           
- Velho é friorento mesmo – falou, dando uma gargalhada. E aquelas palavras nunca foram apagadas de minha memória.
           
Peço para que as pessoas entendam minha herança genética e que fez de mim uma pessoa sensível, honesta, confiável, impressionável, reflexiva, sincera. Também espero que compreendam a lentidão com que respondo aos estímulos, o fato de sonhar grandes projetos e não realizar nenhum, meu medo, insegurança, minha timidez. 
           
Ao relatar tudo isso, estou dando crédito ao que diziam Astrologia e Psicologia? Vamos dizer que sim, mas com um reparo: não somos produtos em série; por trás da pessoa (cuja etimologia remete a "máscara", "personagem") está o indivíduo, que é ser único, irrepetível. Enfim,  eu, Eleutério, o crédulo, sinto que, também por questões genéticas ou zodiacais, sou portador de muitos defeitos que poderiam me tornar infeliz. Não realizei grandes projetos e passei a vida na quase obscuridade. Entretanto, aprendi a valorizar as pequenas coisas e a encontrar beleza no que é simples. É com essa maneira de ver a vida que construo meu projeto de felicidade.
Etelvaldo Vieira de Melo