BOLA CHEIA

A temporada do ludopédio começa timidamente e não poderia ser diferente.Estão de volta, portanto, as expressões lugar comum, proferidas pelos narradores do rádio, da TV e a turma da mídia impressa. Enfim, é o Brasil.


                                           Ivani Cunha


POESIA EM TEMPOS DE PANDEMIA: DE DESEJO E FANTASIA

→ Descubra o Significado de Sonhar Com Elefante
                        Imagem: desvendandosonhos.com

🐘

Entre nuvens, voa suave o elefante

abanando suas grandes orelhas

de lá para cá, de cá para lá

(como se estivesse a remar)

🐘 

Entre nuvens, voa delicado o elefante

movendo suas enormes patas

para frente e para trás, para trás e para frente

(como se estivesse a nadar)

🐘 

Entre nuvens, voa sutil o elefante

torcendo seu engraçado rabo

ora pra direita, ora pra esquerda

(como se estivesse a sinalizar)

🐘 

Entre nuvens, voa atento o elefante

balançando seu enrugado nariz

para cima e para baixo, para baixo e para cima

(como se estivesse a farejar)

 🐘

O que faz o elefante tão cedo entre as nuvens?

Não vê que o sol nem bem acordou ainda?

Por que balança o nariz, torce o rabo

Move as patas, abana as orelhas?

🐘 

O elefante suave

delicado

sutil

e atento

voa voa em busca da flor de gnaus

aquela que sobre um floco de nuvem

acaba de nascer.

Etelvaldo Vieira de Melo


DOMINGO DE BOLA

Ivani Cunha
Para matar a saudade das transmissões do futebol.

SAMBA ENREDO DA G.R.E.S. PRÓ-CELAS: ALEGRE ALEGORIA EM TORNO DO NEGREIRO

Bateria de Escola de Samba|Contagiante - YouTube
Imagem: YouTube

Glória à escravidão castrada do poeta!
Alves pulando Carnaval
É VENDAVAL.
Brincam vadias doudas na Avenida Tetas
inquietas musas em brilhos e adereços.
Grandezas negras de um país avesso.
Brasil de anil  fabril  febril  donde estás?
Adonde, ó deus dos Orixás?
Há dois mil anos se estreitam as cabrochas
em braços machos fortes.
Muitas delas, escravas mortas.
Tântricas belas em pelo que Iemanjá exporta.
Escola da Pró-celas corre o infinito
como turba de infante borboletas
(parece capeta.).
Vagam vagas nos céus as tétricas estrelas:
inde cumê elas. Vem cá, povo, come elas
nos mastro da mezena.
Resvala, brigue, 
                        rebola a bolinar
                                                minha mulata cuíca a sonhar.                               
Que nauta deu bandeira o violão!
Atabaques ao mar, varrei o samba, tufão.
Graça Rios

LIRISMO PROS TEMPOS DE QUARENTENA: NEM TUDO É O QUE APARENTA SER

Lamparina no vento do sertão - YouTube
Imagem: YouTube

Não é que ele fosse uma pessoa extremamente corajosa, mas seu índice girava em torno de 85%, uma marca muito boa para quem morava em cidade em que as casas ainda eram aluminadas por lamparinas abastecidas a querosene.

Certa tarde, em que os últimos raios de sol se escondiam no horizonte e as primeiras sombras da noite começavam a se espalhar pelo céu cinzento, estava ele caminhando por uma trilha em meio a um cerrado quando, vindo de certa distância à frente, pareceu ouvir um barulho assim:

- Toc, toc, toc, toc. Xiii...

Achou que era barulho de vento nas árvores da redondeza, seguiu tranquilo.

Poucos passos à frente, o ruído se repetiu, agora de maneira irrecusável:

- Toc, toc, toc, toc. Xiii...

Suas pernas começaram a tremer, o coração disparou e ele, instintivamente e motivado pelos 15% de covardia, começou a correr em sentido contrário ao som. No entanto, 20 metros adiante, retomando a coragem, pensou, enquanto se benzia com o Sinal da Cruz:

- Não posso fugir desse jeito, como uma criança que teme assombração. Preciso saber o que é isso.

Assim pensando, retomou o caminho e, passo a passo, foi se aproximando daquele barulho estranho:

- Toc, toc, toc, toc. Xiii...

O ruído foi aumentando cada vez mais, enquanto que o coração parecia não mais caber dentro do peito.

- Toc, toc, toc, toc. Xiii...

Foi aí que avistou o lago, logo após a curva da trilha. Uma árvore estava tombada à sua margem, com tronco e galhos boiando na água.

Forçando a vista, avistou um pica-pau sobre o tronco. E lá estava ele a bicar: toc-toc-toc-toc. Depois, enfiava o bico na água: Xiii...

Quem me contou esse caso foi um vizinho, o Tonho da Flô. Tendo ele a tendência de exagerar as coisas, pode ser que seja invenção sua ou que a história não é bem assim. Mas isso não importa.

Estou me lembrando dele, quando tento compreender certas coisas que acontecem na vida da gente.

A vida moderna, não só através da luz elétrica, conseguiu banalizar e jogar no ridículo os mistérios que se escondiam na natureza. Tempos atrás, quando o relógio na igreja tocava as badaladas da meia-noite, o mundo da normalidade ia dormir para que reinasse o da fantasia e do mistério, cheio de suspense e assombrações.

Viver é fazer confronto com o mistério, que, em última análise, não passa de uma verdade adormecida. Aceitar o mistério, isto é: não se dispor a acordar a verdade, pode representar o que um filósofo chama de “salto da absurdidade” (“salto no escuro”), que vem a ser a disposição de fé, expressão da religiosidade. Aí está implícito o risco do fanatismo, uma vez que quanto menos a pessoa compreende uma coisa mais tende a acreditar nela.

No plano psicológico, muitas vezes não queremos confrontar o mistério porque ele nos assusta, porque ainda estamos no tempo da lamparina a querosene em nossas dimensões psicológica e emocional. Somos dominados pelo medo de correr riscos, de enfrentar o desconhecido; preferimos fugir, porque a fuga nos dá uma fugaz sensação de tranquilidade. Por isso não amadurecemos, porque não corremos riscos. Mas a tranquilidade é apenas um sentimento passageiro, porque a fuga é filha do medo de enfrentar os desafios da vida e mãe do mais vil dos sentimentos, a covardia (“covarde”: do francês “couard”, “de cauda abaixada” – desistir da luta, estar com medo, não ter coragem para enfrentar a situação).

De tudo, fica a ideia de que VIVER requer coragem para enfrentar os desafios. Os desafios quase nunca escondem lobisomens e assombrações; pelo contrário, na maioria das vezes, o que você descortina logo após a curva do caminho é um lindo pássaro, pousado sobre o galho de uma árvore, e uma flor, juntos a um regato de águas cristalinas.

            Etelvaldo Vieira de Melo

BOOK REVIEW


Chuva choveu by rhjeditorial - issuu

Summary
Chuva Choveu is a book of poems, based on Brazilian folklore. It brings as themes old games and enchants both children and adults. In addition to be intensely memorialistic, not only reveals a character of extensive research, but also of constant rewriting. The book was selected and acquired by MEC, in 2019, in order to compose libraries and Brazilian schools.

Chuva Choveu: from childhood to adulthood

The book Chuva Choveu can get you to the world of beauty and stick forever in your mind. It proves to be a passionate, loving research work in Brazilian’s children folklore. Even adults can see the point of reading happy childhood poetry, beyond the time when they played blind-blind. If you like to learn by heart excellent literature, getting something out of it, this is your best choice. Obviously, you will able to appreciate the stanzas and feel like a great poet yourself: 'like a bee buzzing in the garden flower' (poem: Iô-Iô). If so, it does seem you will start to write, after Chuva, your own poetic text in friend's blogs.
Why, evidently, do we recommend this literary book for you? Because it was selected by MEC, in 2019, for all brazilian schools. Answer me, please, dear reader: Describing the ancient theme of 'children's games’, what kind of modern art could you compose? ‘Whoever has a good North and a long stick / blows up clay / takes food / and luck’ (poem: Quebra-Pote). Certainly, you are also a sensitive poet. We ask that question because the smart Chuva author encourages everybody to participate in a rhythmic textual experience. Would you accept it? We do. It’s a big proposition, if not difficult.
‘The writing of Chuva Choveu was really arduous and eternal (two years of researches and multitasking), confesses the author, but pleasant, infinite and ambitious. It consisted of total body and personal feelings being surrendered. There were moments the author asked herself: Should I abandon everything or continue writing it? For the little boys sake?’. Wow! Yeah! I’m going on.
‘Take the shuttlecock, / wind-blown. / The feather is light / to fly. / The shuttlecock goes / free in the wind: / is a little bird loose in the air.’ (poem: O Vento Levou ...).        Invariably, Maria da Graça Rios' book can be purchased either at Editora RHJ (new edition), Estante Virtual (old edition) or at Amazon Books, curious teacher. You can look for it here:
RHJ
Estante Virtual
Amazon

HISTÓRIAS PROS TEMPOS DE QUARENTENA: GRANDES VIDAS PEQUENAS

Solidariedade humana mais afectada pelo populismo e nacionalismo |  Sociedade | Jornal de Angola - Online
Imagem: Jornal de Angola
(Um olhar através da vidraça de um ônibus)
Certos temas são recorrentes em minha maneira de ver a vida. Isso é normal por ser eu quem sou. Soaria estranho se não tivesse aprendido nada, se me apegasse ao novo como verdadeiro, simplesmente por ser novidade.
  Exemplo de pensamento recorrente é a exortação feita por Gandhi a um de seus discípulos, dizendo que devemos saber valorizar os pequenos gestos e as pequenas coisas da vida: varrer um pátio, descascar batatas, limpar vasos sanitários, em vez de ficar aguardando grandes acontecimentos. Aprendi, desde cedo: é preciso saber viver grandemente os pequenos acontecimentos, já que a vida pouco tem de extraordinário.
  Outra coisa que também aprendi é valorizar o que é simples. Julgar que tudo que é importante cabe dentro do simples, eis uma de minhas recorrências. Se não cabe, penso que pode ser facilmente descartado.
  A vida de muitas pessoas cabe na palma da mão. Nem por isso, deixa de ter seu valor. Vale assim como o pequeno rio que atravessa a aldeia do poeta Fernando Pessoa. Na visão do autor, ele se torna até maior que o rio Tejo, pois é esse pequeno rio que banha as terras de sua aldeia: “O Tejo é mais belo que o rio que corre pela minha aldeia, / Mas o Tejo não é mais belo que o rio que corre pela minha aldeia / Porque o Tejo não é o rio que corre pela minha aldeia”.
Nas proximidades de casa, existe uma rua que faz uma bifurcação. Justamente nesse local há uma casa gradeada. Um de seus moradores, presumo, fica grande parte do dia em frente ao portão, orientando motoristas de ônibus (que dispõem de pouca visibilidade por causa do cruzamento).
  Toda vez que passo ali, usando do transporte coletivo, lá está o senhor dando sinais para os motoristas. Muitos agradecem com buzinadas, outros recorrem a gestos amigáveis de mão. O senhor exibe, então, um sorriso orgulhoso de ter feito algo de bom.
Ao final do dia, com o sentimento de dever cumprido, ele se arrasta para dentro de casa. Estava me esquecendo de dizer que aquele senhor, sorridente sob um boné com a aba virada para trás, que cuida de orientar motoristas de ônibus a troco de buzinadas ou gestos de agradecimento, aquele senhor tem as duas pernas amputadas.
Nesses tempos de pandemia e de confinamento, eu queria, se pudesse, que a imagem desse senhor se espalhasse pelo Brasil afora. Ela haveria de dizer para cada pessoa:
- Calma! Aja com cuidado! Não tenha pressa! Juntos, iremos superar tudo isso. Juntos, e de mãos dadas, iremos reconstruir esse país.
Nesses tempos difíceis, esta ideia me conforta. Porque acredito que todo o sofrimento que passamos só se justifica enquanto ensina a lição da solidariedade, tão bem expressa na imagem daquele senhor orientando os motoristas que trafegam por uma simples rua, de um bairro qualquer, num cidade entre tantas outras, de determinado país, território desse planeta Terra.
Etelvaldo Vieira de Melo


DESEJOS

Amigo leitor, você não acha que as bruxas merecem ser contempladas pelo direito ao acesso às tecnologias mais avançadas?
Ivani Cunha


HISTÓRIAS PROS TEMPOS DE QUARENTENA: A FELICIDADE NÃO FOI EMBORA

Você faz a Diferença: Na simplicidade de uma flor está o amor.

Quando completou 49 anos de vida, uma famosa atriz fez uma declaração terrível: “No fim da minha vida estou descobrindo que não sou uma pessoa amável, que não mereço ser amada, que tem alguma coisa de muito errada comigo”.
Tais palavras retratam uma pessoa que, pelo menos aparentemente, chegou ao fundo do poço da infelicidade. Também demonstram que o ser feliz para ela está associado ao amor, na relação de ser amável e ser amado.
Não sei porque, ao ler tal declaração – talvez como contraponto – ocorreu-me a lembrança de outra pessoa feliz, pelo menos aparentemente. Ele tem apelido de Nô e nunca teve uma vida carregada de glamour, luxo ou riqueza. Veio de uma família humilde e nem mesmo conseguiu elevar sua estatura física: não chega aos um metro e cinquenta.
Ao longo do tempo, foi acumulando aparentes defeitos, que tornavam sua vida cada vez mais custosa.
Primeiro, foi o analfabetismo, que lhe impossibilitou atos triviais, como o de olhar as horas.
Tentando ajudá-lo, seu irmão deu-lhe de presente um relógio que, logo logo, foi devolvido, Deus que te pague, como algo imprestável.
Dias desses, perguntei-lhe como se orienta diante de rotinas – almoçar, por exemplo.
- Eu olho para o Sol – explicou ele, sorrindo.
- Mas, e quando está chovendo?
- Aí, eu vou pela barriga – completou, com um sorriso grande.
Não pense que tal diálogo foi fácil. Nô sentiu crescer, à medida que o tempo passava, outro “poblema”, o da surdez. Recorrendo a dados estatísticos, tão caros a outro amigo, o Amador, creio que o índice de surdez de Nô anda na casa dos 94,8%.
Anos atrás, arrumou uma infecção no pé e, só recentemente, conseguiu passar por uma cirurgia, que lhe extirpou o dedão do pé direito. Quando lhe pergunto como está de saúde, responde:
- Estou bem, com a graça de Deus.
- E o dedo?
- Ah, o dedo ficou com doutor Alfredo!
Não sei se Nô teve algum envolvimento afetivo. Sei que não se casou e mora sozinho.
Para ameniza um pouco sua solidão, o mano deu-lhe de presente um rádio que, logo logo, foi devolvido, Deus que te pague, pois a altura do volume haveria de incomodar muito os vizinhos.
Assim, sem dedo, surdo e analfabeto, Nô vai tocando sua vida. Caso lhe pergunte se é feliz, haverá de me dar uma resposta que imagino qual seja. Ela não é transcrita aqui em respeito àquelas outras pessoas que, por caminhos diferentes, também conseguem ter essa tal felicidade.
PS1: Como provocação, sabendo que você é desprendido e não se incomoda em compartilhar suas descobertas de vida, deixo uma pergunta: o que é a felicidade? o que é ser feliz? Deixe aqui sua opinião. Outras pessoas poderão aprender muito com sua resposta.
PS2: Só não vale dizer para tomarem Fluoxetina. E nem Hidroxicloroquina.
Etelvaldo Vieira de Melo 

FUTEBOLÊS


O futebol, com as preciosas narrações pelo rádio, faz muita falta.
Ivani Cunha

ESSE OBSCURO OBJETO DE DESEJO

Esse Obscuro Objeto de Desejo | Já viu esse?



O que move a existência humana? Eis uma pergunta formulada desde os primórdios da Filosofia. Platão, Nietzsche, Foucault, Saussure, consideram que o desejo é o motor das ações humanas. Teoricamente, deixam estabelecido que a partir da hiância (corte do cordão umbilical) todo indivíduo se torna eternamente desejante. Diante da impossibilidade de retorno ao estado homeostático uterino, o indivíduo projetará em objetivos futuros sua incompletude.
O desejo em Psicanálise não trata de algo a ser realizado, mas de uma falta jamais realizada. Em todas as escolhas, há sempre um novo desejo. Portanto, ele permanece insatisfeito. Renasce continuamente uma vez que está em outro lugar que não no objeto a que visa ou no significante suscetível de poder simbolizá-lo.
O próprio desejo persiste em designar o desejo do Todo (objeto perdido) pela expressão de desejo da parte (objetos substitutivos). Trata-se de um fluir metonímico, pois tal objeto estará sempre se deslocando em direção ao que aparenta ser o outro, perdido. O sujeito se vê aprisionado pela vã tentativa de obturar sua falta constitutiva. É nessa premissa que alicerçamos a construção desta tese.
Por que selecionamos Aleijadinho para fundamentar nossa proposta? Porque, à medida que empobrece e perde a saúde, suas imagens adquirem maior riqueza e beleza estética. Arminho, ouro, pedras preciosas, ornamentam as vestes sacras. Anjos rosados resplandecem desenhados na pedra sabão, enquanto a palidez marmórea desfigura o artista.
Amarrados camartelo e pincel ao toquinho do braço, o pequeno grande escultor mineiro anseia pela perfeição artística. Aqui, um traço retilíneo conforma o ombro da santa; ali, uma curva acentuada faz seu olhar glorificado. A crença em alcançar a completa esfera paradisíaca como auxílio das mãos conduz beleza e mistério ao abandono da lepra deformante.
Morre a carne putrefata, mas nasce um gorducho Menino do seio da Virgem Maria. Nada obsta ao autor desconforme o prazer da criação. Faminto de pão e teto, ascende aos altares e frutos do jardim celestial. O difícil e conflituoso espírito barroco acalma Cristo no caminho do Calvário. A luta pelo ideal estético fica sempre à frente do infinito tempo e da sociedade colonial em que vive. Cravada na montanha, uma esplêndida Madona aspira à igreja ouro-pretana.
A pujança da obra de Lisboa provém da mais dura miséria. Os Profetas Inconfidentes identificam-se com o martírio do homem. Isaías trama Revolta, sublimando a do Poeta. Oseias corta correntes com a força indômita do Gênio adoecido. Os soldados, vestidos de roxo, veem flores perfumadas surgindo do estrume fétido com que ele julga curar-se. Então, Monsenhor se comove e encomenda-lhe um frontispício.
Disfarçado de astúcia e paz, o aleijado colore a serpente, lançando o voo das pombas na amplitude do adro. São horas sombrias e longas, recobertas de sinos e fitas. A realidade é urtiga, conduzindo aos roseirais. Escritos vagam nas vagas do mar sob os pés angélicos. Entre o divino e o profano, exausto em cima das tábuas, Aleijadinho adormece. Lá fora, o templo é tão simples; cá dentro, resplende luxúria.
O que suscita o desejo sobre esses objetos pintados no mundo? Algo indecifrável, diremos. Um brilho, uma textura, um som, um significante. Eles são, para Lacan, faces simbólicas ou imaginárias daquilo que está muito além do princípio do prazer.  Tal elemento concreto passa a ser o alvo do artista, concentrado em pleno gozo. No caso de Francisco, a linguagem da escultura se torna fundamental para a reconstrução do inconsciente recalcado pela mágoa. Alcançou o absoluto, mas há coisas maiores que o tudo.
Considerados tais aspectos concernentes ao tema proposto, comprovamos em larga escala a assertiva inicial. Aspiramos constantemente ao que ainda não conquistamos. Certa de que o desejo constantemente nos atravessa, dizemos que caminhamos ansiosamente ao encontro de um ótimo conceito por esta sofrida escritura.


"THIS OBSCURE OBJECT OF DESIRE”
(Buñuel Film)
What drives human existence? This is a question formulated since the beginning of philosophy. Plato, Nietzsche, Foucault, Saussure, consider the desire of human actions’ engine. Theoretically, let them establish that from the hyance (umbilical cord cut) to the individual becomes eternally desiring. Faced with the impossibility of returning to the uterine homeostatic state, the individual will project objectives that are supposed to compensate  his incompleteness in the future.
Desire in Psychoanalysis is not something to be accomplished, but actually a lack of accomplishment.  In  all choices, there is always a new desire. Therefore, he remains dissatisfied. The object is continually reborn elsewhere its signifier can symbolize it.
The desire for the whole (lost object) is to be designated by its part's expression of desire (substitute objects). It is a metonymic flow, because such an object will always be moving towards what appears to be the other, lost. The subject sees himself imprisoned by a vain attempt to fulfill the constitutive lack. It is on this premise we base the construction of this thesis.
Why did we select Aleijadinho to support our proposal? Because, as he impoverishes and loses health, his piece of Art acquires greater wealth and aesthetic beauty. Ermine, gold, precious stones, adorn the sacred robes. Rosy angels shine drawn on the soapstone, while the marble pallor disfigures the artist .(1)
Tied hammers and brushes to his little arm, the great sculptor from Minas Gerais longs for artistic perfection. Here, a rectilinear trait conforms the Saint's shoulder; there, a sharp curve makes her gaze glorified. The belief in achieving one complete paradisiac sphere is helped by his hands which leads to beauty and mystery in order to obliterate the deforming leprosy. The putrefied flesh dies, but a plump Boy is born from the Virgin Mary’s bosom.
Nothing precludes this author from the pleasure of creation. Hunger for bread and shelter ascends to the altars of the celestial garden’s fruits. The difficult and conflicted barroc spirit soothes Christ on the Calvary’s path. The struggle for the impossible ideal aesthetic is always ahead of his time in the colonial society in which he lives. Set in the mountain, that splendid Madonna aspires to the golden-black church.
The strength of Lisbon's work comes from the harshest misery. Twelve Inconfident prophets identify with the men’s martyrdom. Isaiah sublimes Lisbon’s rebellion. Hosea cuts chains with the indomitable force of the sick Genius. The soldiers, dressed in purple, see fragrant flowers emerging from the foul manure with which he deems to heal himself. Then, a rich matrix bishop orders him a precious frontispiece.
Disguised as cunning and peaceful, the cripple dyes the biblical green snake, launching the dove's flight across the churchyard. Time is dark, long hours, covered with bells and ribbons. The reality is made of nettle, leading to rose bushes. Writings roam the waves of the sea under the angelic feet. Between the divine and the profane, exhausted on the boards, Aleijadinho falls asleep. Outside, the temple remains simple; inside, shine lust.
What does arouse the great desire about these painted elements in the world? Something indecipherable, we could say. A glow, a texture, a sound, a signifier. This volition, for Lacan, symbolizes imaginary faces of what is far beyond the principle of pleasure. This concrete dream becomes the Art target, concentrated in full enjoyment. In Francis' case, the known sculpture language becomes fundamental to an unconscious reconstruction repressed by sorrow. He had achieved the Absolute, but there are even more infinite greater things.
Considering these aspects related to the proposed theme, we proveon a large scale in the initial assertion. We constantly look at what we have not yet conquered. Certain that our desire constantly crosses everybody, let us say we walk anxiously to meet the most satisfactory concept for our eloquent scripture.
 _____
(1) Reference to Camões Inês de Castro’s episode.
Graça Rios







HISTÓRIAS PROS TEMPOS DE QUARENTENA: HÁ MALES QUE VÊM PARA BEM

▷ Fuscas: Imagens Animadas, Gifs Animados & Animações – 100 ...
Imagem: imagensanimadas.com

Em passado remoto, quando essa tal de covid-19 nem sonhava em dar as caras, estava eu aguardando na faixa de pedestre para atravessar uma avenida. Como o fluxo/refluxo de veículos era grande, somente depois de uns quinze minutos é que um motorista (homem) se apiedou de minha pobre alma, indicando que eu poderia atravessar. Satisfeito, levantei o polegar direito em sinal de agradecimento.
Assim que cheguei do outro lado, eis que dou de cara com o Alderico.
Alderico ou Alberico, estou em dúvida, é um galo que gasta mais de duas águas pra cozinhar, já que está quase chegando na casa dos oitenta anos. Entretanto, como trabalhou a vida toda em serviço pesado, ostenta saúde e aparência invejáveis. Para não dizer que ainda é um sujeito bonito, vamos falar que é simpático, alegre, brincalhão. De velho mesmo, só a mania de gostar de uma conversa fiada.
Como passo com frequência por um prédio em construção, onde trabalha como vigilante, temos tido longas conversas, todas fiadas.
Alderico gosta de contar vantagem. Assim, fiquei sabendo que:
1 - ele já construiu, anexos à sua casa, vários barracões para aluguel;
2 - além da aposentadoria, recebe um salário razoável como vigilante;
3 - os filhos, casados, só o procuram em busca de ajuda financeira;
4 - tem dois carros: um Gol e um Fusquinha;
5 - a mulher só quer saber de trabalhar, tomando conta de crianças;
6 -  a véia não quer nada de sexo.
Assim sendo, quando Alderico vai pro lado dela, reclama:
- Tenha vergonha na cara, homem véio. Se quer alguma coisa, vai procurar na rua.
Certo dia, estando ele “matando cachorro a grito”, aconteceu de uma vizinha, mãe solteira e muito bem apanhada, olhar pros seus olhos com olhos melosos. Alderico não pensou duas vezes: lançou-se ao ataque e, logo, começou a fazer gols, 3 a 4 por semana.
- Um ótimo índice de aproveitamento! – falei, certa vez, com olhar de espanto, tentando transparecer inveja.
Alderico dá aquela risada grande, cheio de autossatisfação.
As saídas para um motel de bairro vizinho aconteciam no Fusquinha. O banco de passageiro era tirado para que a moça, Aparecida, pudesse ficar agachada, evitando o risco de ser reconhecida. Talvez, quem sabe, pode ser, foi baseado nessa situação que os produtores da Disney criaram o título do filme “Se Meu Fusca Falasse”.
Tudo ia bem, mas já estava cansando (tipo essa tal de quarentena), você sabe, precisava voltar ao normal. E, assim, as saídas pro motel foram raleando, de três para duas, de duas para uma, de semana/sim para semana/não, de semana/não para outra também/não; uma ajuda daqui/outra dali; um dinheirinho pra cá/outro pra lá; Alderico satisfeito, e Aparecida aparecendo ainda mais satisfeita – com o dinheirinho que passou a cair na sua mão (e ela tendo que dar quase nada).
Alderico achava ainda que tinha estoque pra contar vantagem, mas eu sabia que tudo não passava de conversa fiada. Como bem diz a anedota: homem velho, quando arruma mulher nova, no máximo está comprando jornal pra outros lerem.
Mas chegou o dia fatal. A esposa de um colega de Alderico achou que este estava influenciando o marido para abandoná-la. Acabou dando com a língua nos dentes: contou pra velha do Alderico toda a história das saídas de Fusquinha.
Foi um rebu lá na vila, com sopapos se espalhando para todos os lados. A torcida toda querendo ver o circo pegar fogo. Tudo teria piores consequências se Alderico, a certa altura, não tivesse dado uma de galo do terreiro, segurado a mulher em sua fúria assassina. Aparecida estava com o corpo cheio de arranhões e hematomas.
Depois de tudo, desapareceu a Aparecida.
Nos últimos dias, parece, a poeira assentou de vez, voltando a ser como antes no quartel de Abrantes.
- Quer dizer que, agora, você dependurou de vez a chuteira! – falei, mais como provocação.
- É – respondeu Alderico, com um sorriso frouxo.
Dias depois, falou, certamente para despistar aquela ideia de dependurar a chuteira:
- Minha mulher, agora, toda vez que eu chamo, ela vem. – E dá um sorriso largo, dando a entender que isso acontece muito.
- Que bom, hein! – falo, tentando demonstrar admiração. – Como bem diz o ditado, há males que vêm para bem. – E completo, para deixá-lo sem graça: - Se com a reserva dava para fazer tantos gols, imagine como deve ser com a titular!
Etelvaldo Vieira de Melo



AEROPORTO OPERA?

Essa história de aeroporto praticar a medicina é muito sério. Nunca vi na relação dos aprovados no vestibular (consulto anualmente as principais) o nome de nenhum aeroporto. O amigo já viu?

Ivani Cunha