AMOR, CINCO LETRAS QUE CHORAM



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Amor, cinco letras que choram                                                     
no hospital de Genuíno
na pressão alta de Genuíno
no espetáculo que se forma em torno de Genuíno.
Na caixa preta
das emendas parlamentares
no reduto de 8,8 bilhões destinados às campanhas.
Nas denúncias de desvio público
no cidadão que não tem
como vigiar
a falta de transparência
do Congresso e do Governo.

Amor, cinco letras que faltam
no uso dos recursos públicos
no escândalo dos anões do orçamento
na máfia dos sanguessugas
no mensalão entre outros.

Amor, cinco letras cruentas
nas campanhas eleitorais.
Quando se investigam aliados
afirma-se que o governo
e o ministro não os controlam.
Quando se investigam adversários
fala-se em instrumentalização.

Brasil,
um dos cinco países mais frágeis
na percepção do mercado
internacional.
Culpa da frouxidão
no trato da economia
nacional.
Maquiagem e truques contábeis
agravam os problemas.

Amor, cinco letras que querem
Preservar a estabilidade
E construir a infraestrutura
Para que o povo nas ruas
Conheça o sentido
Das manifestações.








PAREM O MUNDO, QUE EU QUERO DESCER


Este texto de ficção tem referência em fatos reais, todos eles am- plamente documentados. Não quer ser nenhuma espécie de fobia, não quer condenar ninguém.   Seu propósito é o de contribuir para tornar esse mundo menos poluído, mais humano.                 

Olhando para ela, vestida daquele jeito, ninguém arriscaria a hipótese de que estivesse indo para uma escola. Mas estava. Imagino que, lá, deveria sofrer toda espécie de bullying; ela deveria fingir-se indignada, puxando o vestido curtíssimo, como se ele fosse de borracha e pudesse ser esticado.
       
Em sala, conseguiria provocar muita comoção, quebrando a sequência lógica dos discursos dos professores e roubando a atenção dos alunos, com os mais afoitos tendo ímpetos de subir pelas paredes.
       
Caso alguém se desse ao trabalho de lhe perguntar o que estava fazendo ali, haveria de responder, sorrindo:
       
- Não está vendo que estou estudando? Quero garantir meu futuro.
       
Dentro do princípio de que os fins justificam os meios, estaria certíssima, já que seu QI era incapaz de captar aquelas fórmulas esquisitas - repassadas pelos mestres, haveria de usar seu QF para atingir seus objetivos. Aquele ambiente insosso da escola haveria de lhe proporcionar os meios, haveriam de ver.
       
Havia também a possibilidade de se aproximar do mundo do futebol e agarrar um jogador em início de carreira. Poderia ser um cara feio, mas ela iria mostrar a máxima de que “o essencial é invisível para os olhos”, iria se apaixonar pela sua beleza interior. Depois, caso alguém dissesse que havia se vendido, haveria de postas fotos sensuais nas redes sociais, como a dizer:
       
- Vocês acham que me vendi? Olhem pro meu corpo e digam se meu preço ainda não ficou barato! (*)
       
Entretanto, aquela perspectiva do mundo da bola, de ter que entrar em disputa com outras Marias Chuteiras, tudo isso a deixava desanimada, cansada antes da hora, ela que já não gostava nem um pouco de futebol. Cheia de pretensão, queria mesmo era entrar no mundo artístico, queria ser estrela de TV.
       
Certo dia, ela vai até a faculdade com vestido curto e justo, diferente demais para frequentar uma sala de aula, sendo, então, hostilizada, xingada de inúmeros palavrões. O caso vai parar nas redes sociais e ganha repercussão nacional. No mês seguinte, ela é expulsa e se torna manchete nos principais jornais do mundo. Era o trampolim que esperava para conquistar seu espaço na TV.
       
Hoje, ela se promove tornando pública sua vida íntima, num desserviço para com as causas femininas, envergonhando aquelas mulheres que lutam contra todas as formas de machismo ainda persistentes na sociedade. Aquilo que deveria ser segredo passa a ser compartilhado por revistas, jornais e programas de TV: remodelagem de nariz, lipo na barriga, correção de cicatriz em siliconado seio, ninfoplastia. Quem tropeça nesse tipo de reportagem, corre o risco de  ouvi-la falar:
       
- Ninguém me segura mais. – E, numa alusão àquela outra figura que fez leilão de sua virgindade: - Estou pensando seriamente nessa possibilidade, já que tenho tudo em estado de seminovo, principalmente a antiga couve-flor, agora uma borboleta, uma flor de laranjeira ou um botão de rosa.
       
Caso ela venha a leilão, seria bom que viesse com um manual de instrução ou uma bula. Afinal, com tanta química no corpo e tantos produtos artificiais, é importante levar em consideração aqueles portadores de alergia e de intolerância a glúten.

(*) Bem diz o ditado: Quem ama o feio, bonito lhe parece. É sabido que Vênus, a mais bela das deusas, tornou-se esposa de Vulcano, o menos favorecido dos deuses e que era coxo. Portanto, está passando da hora dessa implicância com modelos, que se casam com jogadores de futebol. Quem disse que não pode ser uma questão de amor? Está certo que o relato mitológico permite uma segunda leitura: Vulcano era o artista dos céus, era ele quem fabricava todas as coisas... presentes, inclusive.

Etelvaldo Vieira de Melo

       


MENSALÃO

Imagem: outraspalavras.net
Como é que se julga alguém?                       
E se for inocente?
E se for culpado?
Quantos anos pode-se estar preso?
Como o povo participa das prisões?
E se o preso é apenas um peixinho?
E os mártires?
E a tortura?
E se o governo está infiltrado?
E se um preso foge para a Itália?
E se o tubarão está em casa, assistindo à TV?
E os heróis do parlamento?
Por que outros não atingem a mídia?
Quantos anos vão ser cortados da pena?
Como deve se comportar o preso?
E os advogados?
E as leis?
Pode uma prisão para mil pessoas abrigar mil e quinhentas?
Por que as revistas e os jornais são direcionados?
Quem é o juiz?
O que é a Constituição de 1988, com suas brechas e complementos?
E os presos que já caíram no esquecimento?
O que é a Moral?
O que é a Ética?
Quais os destinos do Brasil?


DESCOBERTA CIENTÍFICA REVELA ESTRUTURA CEREBRAL DO HOMEM

Num desses vídeos que pululam na Internet tais como milho de pipoca em frigideira, alguém disse que o cérebro masculino é dividido em compartimentos ou caixas. Entre outras coisas, isso quer dizer que o homem só consegue conversar sobre um assunto por vez, porque abrir duas ou mais caixas complica a sua cabeça. Como exemplo, ele não consegue conversar sobre família, futebol e política, ao mesmo tempo. Já as mulheres são diferentes. Observe quando duas “amigas” se encontram: os assuntos se interligam como ramificações neurológicas e as palavras voam pra tudo quanto é lado. (Eu disse amigas entre aspas porque há controvérsia sobre a amizade feminina: para muitos, não existe amizade entre mulheres, o que prevalece é competição e rivalidade. De minha parte, acho que elas se permitem uma certa tolerância, não mais que isso.) As mulheres conseguem, pois, discorrer sobre vários assuntos, enquanto assistem a um programa de TV, ou preparam uma comida, ou amamentam um filho. Já com os homens, os temas são tratados um de cada vez, em tom comedido e intercalados por longos silêncios. Quando um homem fala em demasia, os outros comentam que ele está sendo, pelo menos, linguarudo como as mulheres. Os momentos de silêncio, muito apreciados, são aqueles em que uma caixa vazia é aberta, fato que as mulheres não conseguem absolutamente entender:
           
- O que você está pensando?
           
- Nada, não estou pensando em nada.
           
- Como não está pensando em nada?
           
Como explicar que ele acabou de abrir uma caixa vazia e que está se deliciando com aquele vácuo absoluto?
           
Segundo o autor do vídeo, que acabei de identificar como Cláudio Duarte, outra caixa que o homem gosta muito de visitar e sobre a qual pratica pouco é a caixa do sexo.

Creio que não posso me apresentar como protótipo de homem para as mulheres, já que não tenho nenhuma semelhança física com um Brad Pitt, por exemplo, a não ser quando em certos momentos do filme O Curioso Caso de Benjamin Button. De qualquer modo, como homem, gosto muito de caixas. Quando vou comprar alguma coisa, considero que a embalagem vale quase tanto quanto o conteúdo. Se ela se encontra um pouco amassada, descarto o produto. Também gosto de guardar as caixas, pois sempre penso que poderão ser úteis de alguma maneira, nem que seja para embalar... outras caixas.

Quanto às caixas de meu cérebro, uma das que gosto de abrir é a da imaginação. Faço como o amigo Amador quando visita um Ferro Velho. Viro, vasculho, remexo e, quando encontro alguma coisa interessante, trato de embrulhá-la com palavras, pois as ideias são altamente voláteis e desaparecem por um nada. Quando consigo prender uma imaginação rara, sinto um prazer imenso, como se aquilo fosse uma das coisas mais importantes de minha vida.

Falando sobre esse tema, lembro-me da vez em que estive na casa de meu amigo Aloísio. Ele mora numa construção imensa, decorada com o maior bom gosto e cercada por uma cuidadosa área verde. Nada disso, porém, despertava tanto seu orgulho quanto um quarto de despejo, onde guardava – em catalogadas e numeradas caixas – seus petrechos de marcenaria, hidráulica e elétrica, além de outros acessórios. Desnorteado diante de tantas coisas bonitas e interessantes, fiquei sem entender o porquê de seu empenho em nos mostrar aquele cubículo aparentemente banal. Hoje, com um pouco de atraso, reconheço que aquele quarto e aquelas caixas são a materialização da mente de meu amigo; daí, a sua beleza e seu significado. Aloísio, peço-lhe desculpas por não ter compartilhado de sua emoção, quando nos mostrava cada caixa com seu código de identificação.

Se o cérebro masculino é dividido em compartimentos ou caixas, o feminino pode ser entendido como uma bolsa de mulher, onde as divisões são meramente decorativas, estando tudo junto, junto e misturado - expressão inventada por um repórter esportivo – tudo disposto numa bagunça organizada.

Finalizando, mais um reparo, que nos mostra essa pequena diferença entre as estruturas mentais feminina e masculina. Recorrendo ao Livro do Gênesis: se aquela fruta proibida estivesse embalada numa caixa, como hoje acontece nas gôndolas dos supermercados, Adão teria pensado duas vezes antes de aceitar a oferta de Eva, já que haveria de gastar muito tempo analisando a aparência da caixa. Melhor seria se estivesse acompanhada de um manual de instrução, já que nenhum homem ousa abrir qualquer embalagem sem antes ler as instruções técnicas. Como ela estava despida a olho nu (a fruta), tudo deu no que deu. De forma mais explícita, a mitologia grega tratou do tema no relato de Pandora (cf. crônica postada em 29/12/2012).  Se dependesse de Epimeteu, a humanidade estaria feliz e em paz para sempre, pois a caixa com o presente de Júpiter havia sido guardada lá em cima do armário. Foi Pandora quem não resistiu à curiosidade de saber o que havia ali dentro. E você, já pensou na possibilidade de receber US$1 milhão de presente neste final de ano? Basta apertar um botão, que está dentro de uma caixa e que um desconhecido irá lhe oferecer. Como contratempo, você estará provocando a morte de um desconhecido. Esse é o tema do suspense A Caixa (The Box), de 2010, estrelado por Cameron Diaz e James Marsden. 

Mas é melhor parar por aqui, antes que as mulheres comecem a me atirar pedras ou caixas de sapato vazias. Vou decorar o texto e colocá-lo numa embalagem de presente. Por fora, vou transcrever um trecho daquele singelo poema de Victor Hugo, onde ele diz: O homem é o cérebro; a mulher, o coração. O cérebro produz a luz; o coração produz o amor. Creio que, assim, iremos terminar em paz, tendo dado – com a inestimável participação de Cláudio Duarte - uma pequena colaboração na busca de entendimento entre as mulheres e os homens.

Etelvaldo Vieira de Melo

FILIPINAS

Vista aérea mostra estragos causados pelo tufão Washi nas Filipinas Leia mais
Imagem: fotografia.folha.uol.com.br
Quando a inspiração chegou    
o poema já estava pronto.
O ritmo dos furacões
tomou conta do território
e expulsou a inspiração
a poder de versos livres.

A inspiração argumenta
que traz naufrágios,
cartas de suicidas, 
viagens de Ulisses,
poemas de Hugo
e poetas orientais.

A poesia nem liga.
Sempre quis nascer livre
para falar das Filipinas
ruínas
ilha filha do tufão.
O gosto amargo do presente
que o autor oferece,
com veemência,
ao caríssimo leitor.

O SAPATO DE SETE VIDAS E O GATO DE SETE LÉGUAS



Tem coisas que eu não sei como são possíveis; tem coisas que até sei, mas não gosto ou não aceito. Não sei, por exemplo, como fui desenvolver uma unha encravada, já que minha mãe tinha o cuidado de me comprar sapatos enormes, sob a alegação de que eu estava em fase de crescimento.
           
- Logo, logo eles estarão certinhos nos seus pés – falava ela, tentando dourar a pílula do aperto financeiro.
           
Assim, acontecia de estar andando pelo passeio de uma rua e os bicos dos sapatos já estarem dobrando a esquina, cinco metros adiante.
           
Do que sei e não gosto, tem o exemplo de assistir a filmes baseados em fatos reais. Quando eu lei no script ou na tela:

Este filme é baseado em história real

eu não quero nem saber se é bom ou deixa de ser. Para mim, filme tem que ser pura ficção. A realidade não reúne tempero suficiente para agradar meu paladar cinematográfico. Já o gênero literário, no qual eu me arrisco semanalmente, o das crônicas, para mim, tem que ser calcado em fatos reais. Vez por outra, invento uma mentirinha para tornar o texto mais palatável. A essência, no entanto, é 100% verdadeira, legítima, não como esses smartphones que ando namorando e que, já de longe, cheiram a produtos falsificados. Como estou me tornando uma pessoa exigente em minhas compras, pode até ser que eu caia na esparrela de uma compra mal sucedida, mas que vai ser difícil, vai.
           
Ainda nesse roteiro de não engolir certas coisas, achava que havia um pouco de exagero naquela crônica de Millôr Fernandes, onde ele descrevia os sacrifícios de uma mãe em fazer as vontades de um filho. Ela chega ao ponto de comer metade de uma lagartixa frita em manteiga, exigência do déspota do filho. Só que na hora dele dar conta de sua fatia, recusou-se solenemente, alegando que a mãe havia engolido exatamente a sua parte preferida.
           
Depois que minha amiga Dialinda andou me falando sobre suas desventuras familiares, comecei a achar o texto do Millôr plausível. Minha amiga tem um filho, Redogério, que, entre os 15 e 18 anos de vida, criava um gato himalaia, chamado João.
           
João era um gato especialíssimo, não bastasse ser da raça Himalaia – aquela resultante do cruzamento do Persa com o Siamês. Você consegue imaginar um gato todo peludo, ronronando para você, enquanto passa roçando o rabo entre suas pernas, de cá para lá e de lá para cá? Pois bem, além desses atributos, ele era muito inteligente. Redogério contou que, certo dia, passeava com João pelas ruas do bairro quando, de repente, o animal parou, não queria sair do lugar. Redogério puxou-o pela coleira, mas João resistiu bravamente. Quando foi ver o motivo de tanta resistência, descobriu que o gato estava com a pata dianteira sobre uma nota de R$100,00.
           
Como diz o ditado, não há bem que não acabe; um dia, João arranjou uma infecção urinária, fato que o deixou bem debilitado e fazia com que visitasse regularmente o veterinário. E a Dialinda ia despendendo dinheiro para as consultas e os medicamentos, enquanto Redogério a recriminava, com lágrimas nos olhos:
           
- Você é uma desnaturada! Você não ama o João!
           
Enquanto isso, o dinheiro estava indo para o ralo com consultas e medicamentos. Mas tudo não foi o bastante e João acabou morrendo. Não foi uma morte qualquer: ele teve direito de ter o corpo cremado, enquanto que suas cinzas foram depositadas numa urna. Redegério até quis que o anúncio de sua morte fosse publicado na sessão de avisos fúnebres do principal jornal da cidade.
           
Quando eu quis saber onde estava a urna, Dialinda me respondeu:
           
- Não tenho a mínima ideia de onde ela foi parar!
           
Depois do João, Redogério mudou de espécie, adotando um cachorro, Jimi Hendrix. Apesar de não ter tido uma vida atribulada,Jimi acabou  morrendo logo, em razão de alguma coisa que andou bebendo. A última incursão de Redogério no mundo animal foi a aquisição de três gatas: Lana, Lena e Luna. (Se ainda morasse com a mãe, certamente a teria deixado na lona – expressão que significa levar à falência.) Nesta altura, Redogério já estava casado e era pai de uma menina. Ela teve uma crise alérgica, provocada por uma das gatas, não se sabe qual. Por via das dúvidas, as três foram descartadas e a história chegou a seu final.
           
PS: A propósito, este texto faz exceção ao meu compromisso com a verdade; portanto, qualquer semelhança com fatos reais pode ser um pouco de coincidência.
Etelvaldo Vieira de Melo

              

RENASCER

O que foi, hoje, não é                    
noves fora outro dia.
A tristeza e o pavor
podem num SUS!
transformar-se em alegria.

Passado o susto da hora
renova-se o ciclo vital
Imagem: www.iplay.com.br
não nos lembramos de nada
pós voltarmos ao real.

Pela lembrança fúlgida e fingida
vivenciamos a morte
mas passamos de um plano a outro
sem sabermos que é da sorte.

Imaginemos momentos como imagens.
Cada instante acontecendo
é uma miragem.
Cada sonho sonhado é apenas sono.

Nada importa o que foi
no movimento.
Após o acidente que ora perpassamos
continua a existência
e os bons e os maus momentos.


AUTOAJUDA: ORIGENS


Tenho para mim mesmo, com a desconfiança de estar redondamente enganado, que o fenômeno da autoajuda começou com aquele seriado da TV chamado Kung Fu, produzido entre 1972 e 1975. O personagem Kwai Chang Caine, interpretado por David Carradine, era uma espécie de andarilho que enfrentava as situações mais instigantes e perigosas. No jargão popular, no momento em que “a porca torcia o rabo”, ele se lembrava de um mestre oriental, completamente cego, Mestre Pô, a chamá-lo de Gafanhoto e a incutir-lhe vários ensinamentos como: “A melhor maneira de aceitar a perda de um ser amado é saber que, quando o amor é de verdade, nada é perdido”; “Gafanhoto, a alma não concebe o tempo. Apenas registra o conhecimento.” Para os desavisados, Quentin Tarantino faz uma homenagem para a série em seu filme Kill Bill, com David Carradine sendo ator de destaque. Para os cinéfilos, tem mais: Jodie Foster, com apenas 11 anos, interpretou Alethea na primeira temporada; Harrison Ford participou da segunda temporada, em 1974.

Os primeiros autores declarados de autoajuda beberam na fonte desse western-filosófico; depois, cada qual tratou de construir seu próprio poço artesiano.

Podemos perguntar: a autoajuda não fala do óbvio? (“A força do escorpião não está no seu tamanho, mas no seu veneno”). Sim, mas é preciso observar que, em muitas circunstâncias, o óbvio aparenta ser obscuro (Caetano Veloso: o que se revela “pode ter sempre estado oculto, quando terá sido o óbvio” – Um Índio). Diante de dificuldades, perdemos nossas referências e ansiamos por algo que acalme nossos temores, alguém que nos dê a mão. É quando se aproximam as palavras bem intencionadas e aquelas ditas por aproveitadores e mercenários. Mas a própria religião não é assim? Existem aqueles que são sinceros em suas pregações, como existem os que exploram a boa fé e a ingenuidade do povo. Embora, muitas vezes, ache-os engraçados e infantis (“Quando você imita outra pessoa, está deixando de ser você mesmo”), eu não ridicularizo os autores de autoajuda. Só espero que sejam sinceros, honestos naquilo que escrevem.

Quanto ao Mestre Pô, para mim, sua lembrança está associada à de outro professor, Joaquim, e que não tinha nada de bonzinho. O homem era uma fera, tínhamos que andar na linha, pois, diante de qualquer vacilo, ele não se importava em nos punir severamente, seja com uma reprimenda, seja com um “zero” no boletim. Nas suas aulas, a gente nem piava; nas suas provas, não olhávamos para os lados nem em pensamento. Como ele era tão esperto, não sei; só sei que parecia que ele enxergava sombras pelos cantos dos olhos e isso lhe era suficiente para entender o que se passava à sua volta.

Certa vez, ele se deu mal. Nossa turma havia mudado de sala e de prédio. Como ele se orientava pelo número de passos, um colega, o Baianinho (Baianinho, onde anda você?), ofereceu-se para encaminhá-lo até a sala, que ficava logo ali na entrada. O Baianinho, no entanto, fez uma volta pelo mundo até chegar ao destino: subiu e desceu escadas, passou por todos os corredores, chegou aos banheiros... Quando, enfim, entraram na sala, o professor transpirava e mostrava-se totalmente tonto, de tanto virar o rosto de um lado para o outro, tentando memorizar o percurso.

Houve uma vez em que ele entrou de licença para um tratamento de saúde, deixando um colega em seu lugar, outro cego, só que esse outro era genuíno, legítimo, sem tirar nem por. E o coitado pagou pelos crimes que não cometeu: colocávamos um jarro de flores, numa cantoneira, bem na frente, perigosamente afastada do canto. E a aula transcorria naquele suspense, o professor caminhando de lá para cá e nós na expectativa de quando ele iria derrubar a jarra. Outras vezes, ele tentava ir até o fundo da sala, mas ajuntávamos as carteiras de tal modo que ele tropeçava e quase caía.

Naquela época, não havia hipertensão e colesterol; não existia a palavra bullying e a neurose que ela provoca nos pais e educadores; não existia o fenômeno da autoajuda e Paulo Coelho ainda não se tornara aquele inteligente parceiro musical de Raul Seixas; naqueles tempos, éramos boas pessoas, mas tínhamos essas pequenas maldades que coloriam ainda mais nosso dia a dia.  

Etelvaldo Vieira de Melo 

2 DE NOVEMBRO

Imagem: www.freewords.com.br

                                       

No dia 2 de novembro                                        
fenece Eurídice, a bela
flor inspiradora
do lírico Orfeu.

Parte Orfeu com sua lira,
no dia 2 de novembro,
buscando em todos os montes
buscando em todas as fontes
a outra alma desejada.

Vai Orfeu
e convence Caronte
a levá-lo em sua barca
do Hades ao Vale dos Mortos.

E tão doce era o tom da lira
que Plutão, senhor dos Infernos,
emocionou-se ante a dor.

E disse a Orfeu:
- Leva Eurídice,
que te segue.
Mas nem um momento te voltes
para vê-la sair das trevas.

Imagem: veronicagorlois.blogspot.com
Saem o cantor e a sombra
de Eurídice, a segui-lo.
E a morte, derrotada,
vê-los partir entre as marés
as hileias e os corais.

Mas como era grande a viagem
naquele 2 de novembro!
E a incerteza do milagre
já tentava o bom Orfeu.

Ia tocando sua lira
e até as pedras choravam.
Breve iria sair do fogo
e contemplar sua Eurídice,
rainha do Pantheon.

Ó Orfeu, por que não suportaste
a final travessia pelo bosque?
Por que aos 2 de novembro
te esqueceste
da promessa feita aos mortos?

Por que falta de cuidado
te viraste para trás
e viste a tão triste imagem
de Eurídice tornar-se pó?

Jamais te perdoariam
o universo e mesmo os homens,
mas teu amor era cego
e mais cego te tornou.

Hoje, no dia 2 de novembro,
só podes na tumba fria
da esposa lançar as flores.
Que foste fraco em teu fado
e perdeste num olhar curioso,
a musa de teus amores.

DIA DOS FINADOS É AMEAÇADO DE MORTE

Ó TEMPORA, Ó MORES! Expressão latina, muito usada por Cicero, e que um vestibulando se deu ao trabalho de traduzir por: “Oh temporais, oh mares!”.       

            Declaração óbvia é a de que vivemos um tempo em que somos, a cada momento, surpreendidos por inovações tecnológicas que desencadeiam mudanças nos hábitos e costumes.
            Você já se perguntou, muitas e muitas vezes, se vale a pena gastar um pouco mais na aquisição de um produto top, uma vez que, logo, ele já estará superado e com preço bem mais em conta. Essa é uma das vantagens do capitalismo moderno: quando a pessoa depara com um produto novo que se torna seu objeto de desejo, mas o dinheiro está curto, ela pode ter o seguinte pensamento: “Hoje não é possível, mas ainda vou ter você em minhas mãos!”
            O avanço tecnológico não afeta apenas os hábitos de consumo; ele vai além, abalando e reestruturando a maneira da pessoa ser e estar no mundo. Durante muito tempo, em uma das avenidas da cidade onde moro, havia uma loja de papelaria e armarinho que mantinha na sua entrada, como atração e destaque, um conjunto de cinco peças de baú – uma espécie de mala de madeira em forma de caixa – que estavam dispostos de forma empilhada. O mundo dava suas voltas, a Lua repetia suas fases, a ameaça de guerra pairava no ar, as crises econômicas se sucediam, mas lá estavam, firmes, as cinco peças de baú, como se formassem uma família. Para mim, elas representavam um ponto de segurança, como se fossem a própria arca de Noé, que iria me salvar do dilúvio prestes a cair por sobre a humanidade. Eu pensava que, enquanto ali estivessem, eu não teria com que me preocupar, pois eram o meu porto seguro, minha balsa salva-vidas.
            O crescimento urbano e o aumento assustador de veículos fizeram com que o trecho daquela loja fosse desapropriado, para dar lugar a uma manta de asfalto, a acolher em sua superfície os transportadores do progresso a vomitar monóxido de carbono, em meio a rugidos de motores, freios e buzinas. E, assim, os baús desapareceram, ficando comigo o sentimento de faltar apoio aos pés, de perda de minhas referências e de que o mundo já não era mais a minha casa. A partir de então, eu estava perdido.
            Apesar de estranho ao mundo, ou talvez por isso mesmo, observo curioso as transformações cada vez mais rápidas que ocorrem no dia a dia. Sem me dar ao trabalho de um exercício de futurólogo, observo, simplesmente, a destruição em massa que a modernidade promove. Meu medo é que as outras pessoas também percam suas referências, como perdi a minha, quando da destruição daquela Papelaria. O ser humano foi, até hoje, um ser de raízes, construídas nas relações interpessoais, na aquisição de valores e formação de hábitos. Esse foi o terreno no qual ele se sedimentou. Vejo agora, talvez por influência de uma invenção sua – o cultivo de plantas hidropônicas - que também ele se transforma em um ser aerícola, sem raízes, sem laços, voltado sobre si mesmo, sem ligações aos outros humanos, além do interesse próprio.
            Quando me lancei nesse mergulho de refletir sobre os tempos modernos, não esperava encontrar águas tão profundas, que quase me fazem afogar – eu que não sei nadar em tais profundidades. Vamos retornar para a superfície, para a parte rasa, embora falando sobre um tema que assusta muita gente: a morte. Mas não há motivo para preocupação, já que tocaremos apenas em seu aspecto comercial.
            Até bem pouco tempo, a morte era tratada com encomendação, velório, enterro, caixão, cemitério e outras coisas mais, dependendo do status do defunto. Já foi também reverenciada em prosa e em verso, como nos escritos de Brás Cubas, de Machado de Assis, quando, falando a seu respeito, deixa a dedicatória “ao verme que primeiro roeu as frias carnes do meu cadáver”, ou no poema Morte e Vida Severina, de João Cabral de Melo Neto, musicado por Chico Buarque, quando – falando da terra onde o defunto era enterrado – dizia “é uma cova grande pra tua carne pouca, mas à terra dada não se abre a boca”.
            Até bem pouco tempo, havia os cemitérios, que eram reverenciados pelo menos uma vez por ano, no dia de finados, e todo aquele ritual de respeito aos parentes e famosos que já partiram dessa vida. E havia uma indústria e um comércio em torno disso: as fábricas de caixões, urnas, mausoléus, lápides, o comércio de flores, arranjos e cotas.
            De repente, surge uma novidade que joga no chão todo esse aparato: já agora o defunto não mais necessita de um pedaço de terra para descansar seu corpo, ele pode ser submetido a um processo de cremação em forno com temperatura entre 500ºC a 1200ºC. De sua massa corpórea restarão apenas algumas partículas inorgânicas, que serão trituradas até formarem cinzas, pó. E, assim, um corpo pesando cerca de 70 quilos fica reduzido a menos de um quilo de cinzas, embaladas em uma pequena urna, entregue aos parentes.
               Dias desses, um amigo chegou perto de mim e disse:
               - Dou-lhe um doce se adivinhar onde estive ontem.
               - Uma dica, pelo menos.
            - Dou-lhe várias: Era um local muito bonito, com som ambiente, poltronas, bufê com salgados, doces, sucos e cafés dos mais variados gêneros, sinal de Internet sem fio, TV para filmes e canais abertos, sanitários, fraldários, ambiente climatizado e vários apartamentos.
            Meu amigo estava se referindo a um cemitério moderno, que oferece o serviço de cremação, com velório “on line” para visitantes virtuais.
            Quando surgiu a injeção eletrônica, muitos mecânicos de fundo de quintal não se adequaram à nova tecnologia. Meu medo é que o mesmo venha a acontecer com aqueles que trabalham no ramo funerário. Com a cremação, como fica a produção de retratos emoldurados em bronze? E os mausoléus, os túmulos? E o próprio cemitério com o dia 2 de novembro, se a moda de cremação for para frente? As homenagens sobram somente para os mortos antigos, que logo acabam caindo no esquecimento. Assim, eles acabam matando de vez os defuntos, finando o Dia dos Finados!
            Se a moda de cremação pega, os túmulos, mausoléus e lápides irão acabar. E é aí que mora o perigo: para onde irão os epitáfios, essas sínteses singelas de desejos, experiências e filosofias de vida? Alguém já se deu conta de que ali, em frases simples, pode estar a resposta para todo o dilema existencial: quem sou eu, de onde vim, para onde vou? Vocês não se dão conta de que, acabando com os epitáfios, estarão como que destruindo aqueles cinco baús, uma das últimas raízes a ligar os humanos entre si?
            Por tudo isso, peço aos legisladores do país, à nobre classe política, aos juízes e governantes para que revejam a legislação pertinente ao processo de cremação, já que não basta apenas atender aos interesses dos donos dos cartórios com a obrigatoriedade de requerer registro, com documento assinado por testemunhas. É preciso dificultar essa prática crematória ao máximo. Vamos salvar os mausoléus e os cemitérios! Que o epitáfio não seja apenas letra de música e registro da história! A propósito, já pensou qual seria o seu?  
Etelvaldo Vieira de Melo