HISTÓRIA: UMA SUCESSÃO DE MENTIRAS SUCEDIDAS SUCESSIVAMENTE

 

Napoleão Bonaparte disse certa vez, enquanto apertava a barriga por causa de uma gastrite crônica:

- Nada muda mais que o passado.

Como a dor estava insuportável, acrescentou com cara azeda, depois de tomar um copo de sal de fruta:

- História é um monte de mentiras juntas. Ou seja, ela não passa de um conjunto de mentiras sobre as quais se chegou a um acordo.

É com pesar que leio estas frases de Napoleão, já que abomino a mentira e odeio as pessoas mentirosas. Depois, vejo que essa história de ficar espalhando fake news não é coisa de agora, já que remonta aos tempos de nossos primeiros ancestrais, quando a Serpente induziu Eva comer a maçã, dizendo-lhe que assim ela seria igual a Deus.

Não obstante esses percalços com a História, procuro, sempre que possível, resgatar a verdade por trás de tudo que acontece.

Olhando para a História do Brasil, por exemplo, percebo que o chamado “Grito do Ipiranga”, imortalizado na pintura de Pedro Américo de Figueiredo e Melo (um de meus ancestrais) de 1888, está bem longe do que foi retratado: a comitiva de Dom Pedro I era de, quando muito, 15 pessoas. Depois, ele não estava a cavalo. Para o tipo de trajeto feito, era costume usar mulas. Quero dizer: vasculhando os anais da História, pode ser que a gente vai se dar conta de que o Grito da Independência aconteceu em cima de uma mula. Ou jumento. Ou burro. Ou até de um bardoto. Não que isso possa alterar alguma coisa dos desdobramentos futuros. Mas poderá resgatar um pouco da dignidade dessa classe de equídeos tão espezinhada pelas más línguas. Pedro Américo foi generoso, para não dizer hipócrita, ao fazer aquela pintura de ares cinematográficos com Dom Pedro erguendo a espada sobre um cavalo garboso (e que serviu de inspiração para Johnston McCulley, escritor americano, criar em 1919 seu famoso personagem Zorro).

De acordo com outras más línguas, Dom Pedro estava acometido de uma desinteria quando lhe chegou a carta de José Bonifácio e dona Leopoldina com a má notícia de que a Corte portuguesa queria reduzir seus poderes. Segundo essas fontes, o grito do Ipiranga se deu com Dom Pedro suspendendo a ceroula e ajeitando as calças, enquanto saía de um matinho próximo ao riacho Ipiranga. Falou:

- Putz grila! Logo agora que estou com uma bruta dor no duodeno me vem essa notícia desagradável? Que indecência a abusar de minha sorte!

Já outros registros anotam outra fala de Dom Pedro: "Para o meu sangue, minha honra, meu Deus, eu juro dar ao Brasil a liberdade". E gritou: "Independência ou morte".

Pelo que estou vendo, registrar a História é uma coisa complicada. Por isso fico sem entender aqueles que se preocupam em deixar um bom nome para as futuras gerações.

 Talvez tenha mais razão Molière quando disse: “Eu prefiro viver dois anos na terra do que mil anos na História”.

Outro problema com a História tem a ver com o contexto em que os fatos sucederam, pois não dá pra enxergar com os olhos de agora, por exemplo, algo que aconteceu em 876 dC. Nos tempos medievais, e ficamos horrorizados ao saber disso, era sinal de santidade uma pessoa viver infestada de piolhos. Quanto mais piolhos tivesse, mais santa era considerada. O próprio Napoleão Bonaparte fez uma declaração que ainda não foi bem compreendida pela posteridade. Ele disse:

- Falo em espanhol com Deus, em italiano com as mulheres, em francês com os homens, e em alemão com meu cavalo.

Estaria ele desprezando os alemães? Aparentemente, sim. Mas, se olharmos para o contexto, vamos ver que sua fala era um elogio aos germânicos, pois não havia, na época, nada mais próximo de militar do que um cavalo.

Falando em cavalo, a História registra esta frase atribuída ao General João Figueiredo, nos tempos da Ditadura Militar, por volta de 1978:

- O cheirinho de cavalo é melhor do que o do povo.

Como compatrício de João Guimarães Rosa, também quase que nada não sei, mas desconfio de muita coisa. Pode ser que essa frase do general tenha sido deturpada. Vamos imaginar que Figueiredo não soubesse dirigir automóvel. Para justificar sua inabilidade, teria dito:

- Para mim, o cheirinho de cavalo é melhor do que o de gasolina.

Vai daí que um de seus desafetos ao ouvir aquilo, tenha espalhado para a imprensa: - Olha, O Figueiredo está dizendo que prefere cheiro de cavalo a cheiro de gente...

Tem razão Bonaparte: a História é um conjunto de mentiras. Certamente que este texto que acabo de redigir contém muita meia verdade. O perigo é eu ter dito exatamente a metade que é mentira.

Etelvaldo Vieira de Melo

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