Por causa de seu temperamento extrovertido, Fridolino Xexeo pode aparentar
ares de arrogância, metidez. No entanto, trata-se de uma pessoa simples e
agradável, tirando sua propensão de exagerar as coisas e de ser um tanto quanto
aproveitador, pecadilhos de somenos importância. Ingenaldo, que detesta gente
cínica e metida, é um de seus amigos mais próximos.
Ingenaldo gosta de adivinhações. Sabendo disso, Fridolino lhe propôs
este enigma:
Em viagem, certo estudioso do comportamento humano chegou a uma ilha
distante do oceano Pacífico. Os moradores dali – o pesquisador já sabia de
antemão – apresentavam uma característica peculiar: quem era político só falava
mentira; quem não era político só dizia verdade. Querendo saber quem era quem,
o pesquisador perguntou a um indivíduo de topete e bigode, que usava uns
exagerados óculos esportivos:
- Você é político?
O sujeito respondeu na língua nativa, deixando o entendimento do
pesquisador do mesmo tamanho, sem nada esclarecer.
Outro indivíduo, agora um senhor de cabelos grisalhos e cavanhaque,
traduziu:
- Ele disse que é político.
Já um terceiro personagem, um jovem de incipiente barbicha, contestou:
- Não. Ele disse que não é político.
Com base no que disseram, meu caro Ingenaldo, quem é e quem não é
político nessa história?
Ingenaldo, que acompanhava com atenção a narrativa, ao ser questionado,
tirou do rosto seus óculos de armação azul e ficou limpando lentamente suas
lentes com um lenço de papel. Depois, conferiu contra a luz se estava tudo
certo. Aparentemente satisfeito, colocou os óculos de volta entre as orelhas.
Só depois desses preliminares é que falou:
- Está aí uma coisa que me incomoda muito, uma das grandes tragédias
dos tempos modernos.
- O quê? – quis saber Fridolino Xexeo. O fato de os políticos serem
mentirosos?
- Não. Estou me referindo a esse dualismo entre verdade e mentira.
Seria bom demais se as pessoas só dissessem a verdade ou, então, só mentissem.
Não haveria o risco de alguém ser enganado.
- Mas, então, por que as pessoas mentem?
- Vivemos uma época onde os valores são pervertidos, com mentira e
verdade sendo relativizados. O que predomina mais do que nunca é o interesse:
se for de meu interesse acreditar em algo, ele passa a ser verdadeiro para mim.
Então, começo a usar até mentiras para justificar o que me interessa.
- Dentro do princípio de que os fins justificam os meios.
- É por aí. Além disso, o que determinada pessoa fala ou faz deixa de
ser desabonador, desde que na essência estejamos de acordo. Essa máxima acaba
valendo para quem está à direita, à esquerda, ao centro e até para quem não sabe
em que lado está.
- Realmente, essa relativização da verdade é algo terrível. A verdade,
que deveria ser um valor supremo, acaba sendo sujeitada aos interesses. É isso
que te incomoda?
- Sim, meu maior medo é ver as pessoas misturando interesse com
verdade, achando que verdade é aquilo que lhes interessa. Com isso, passam a
condenar o que é bom, inocente, enquanto endeusa o que é perverso, o que
espalha maldade, só porque atende um pouco que seja aos seus interesses. Quem
se deixa levar pelos interesses corre o risco de se tornar cego à verdade.
- A verdade nem sempre é agradável aos olhos; pelo contrário, a mentira
é cheia de atrativos – falou Fridolino.
- Seria bom que as pessoas se espelhassem no exemplo de George
Washington, primeiro presidente dos Estados Unidos. Ele era tido como uma
pessoa íntegra, honesta. Diz a lenda que, aos seis anos de idade, cortou a
preciosa cerejeira de seu pai, mas, quando seu vandalismo foi descoberto, o
menino imediatamente admitiu o erro: 'Eu não posso mentir. Eu cortei a
cerejeira'.
- É. Infelizmente, são poucos os que assumem que cortaram a cerejeira.
Estão sempre jogando a culpa nos outros. Mas, voltando à questão da história
que te contei: quem é e quem não é político?
- Meu caro Fridolino. Vamos
deixar a solução desse enigma por conta dos leiturinos. Caso algum não saiba, é
só avisar, que venho dar a mão. Certo?
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