Todo domingo, a antiga sala de cinema de minha
cidade natal (Cine Theatro Nossa Senhora Aparecida, também conhecido como
Cinema do senhor Antônio Procópio) exibia um seriado como aperitivo para a película
principal. O seriado, ao mesmo tempo em que dava solução a um determinado caso,
deixava um suspense para o domingo seguinte, muitas vezes fazendo com que os
dias da semana se arrastassem em agonia insuportável.
Entre os vários seriados que acompanhei, lembro-me
bem de um chamado Capitão Marvel (que não era a versão que apareceu depois na TV). Contava a história de um jovem, adolescente
quase, que, diante de situação de perigo, procurava o isolamento de determinada
rua deserta e, ali, transfigurava-se, tornando-se um super-herói. O nome do
jovem era Billy Batson. Quando falava o nome “Shazam”, era instantaneamente
atingido por um raio, enquanto ecoava um trovão, Brrr Booom! Então, ele assumia
uma forma adulta de herói, com poderes sobre-humanos, fazendo com que a
bandidagem recebesse o merecido castigo. Entretanto, no final da apresentação,
lá estava o Capitão Marvel amarrado sobre um trilho e uma máquina a vapor se
aproximando velozmente, enquanto a pergunta, que não queria calar, ficava
estampada na tela:
Terá
o nosso herói condições de se libertar das amarras antes de ser atingido pelo
trem? Aguardem até a próxima semana...
Várias situações contemporâneas remetem a esse
seriado, já que lidam com o inconsciente coletivo, sacralizam o profano,
colocam o ser humano em confronto com o sobrenatural, o mítico e suas
simbologias.
Assim, temos o sacerdote, sua batina e paramentos,
em uma celebração litúrgica; assim, temos os juízes e suas togas, em sessões do
Judiciário; também isso acontece, quando da cerimônia de casamento, a noiva se
paramenta de vestido branco, véu e grinalda, o noivo se reveste com um terno e,
ali, diante do celebrante e das testemunhas, trocam alianças, juram fidelidade.
São tantos ritos no dia a dia que, fizessem efeito
do Shazam e seu Brrr Booom, a Terra seria energizada com profusão de raios,
enquanto os cães seriam acometidos de loucura, frente ao barulho ensurdecedor
dos trovões.
Quando o homem branco invadiu as terras indígenas,
o conflito tornou-se frequente. Pela tela do cinema, vimos inúmeras vezes os
índios se paramentando para a guerra, com cantos e danças, depois de haverem
pintado os rostos com tintas vermelhas. Estava ali um grito de Shazam.
Outro grito de Shazam ocorre hoje, quando moças se
preparam para aquelas saídas de fim de semana. Elas se despem de sua beleza
natural, vão ao banheiro e, depois, trancam-se no quarto. Lá de fora, ouvimos o
Brrr Boom de trovão, sinalizado por secador de cabelo em atuação desesperada,
imaginamos o espelho quase se desmanchando diante de tantos olhares incisivos,
preocupados, sérios, enviesados, perfilados, sorridentes, lacrimejantes,
estudados. Uma porta do guarda-roupa bate aqui, slam, outra bate ali, blam,
ouvimos arrastar de cadeira, parece que o mundo está desabando dentro daquele
quarto. De repente, depois de um tempo que parece século, eis que a porta se
abre e surge... oops! - mas quem é aquela figura? Será que estou sendo vítima
de ilusionismo? Não foi uma determinada moça bonita que aí entrou? Por que,
então, está surgindo esse monstrengo? Assustado, quase saio correndo; a garota,
entretanto, está se sentindo muito bem, com sua maquiagem carregada,
equilibrando-se em seus sapatos altíssimos. Afinal, ela se transfigurou,
tornou-se a Mulher Maravilha e está indo em busca de uma aventura emocionante.
Em casa, fico torcendo para que a aventura daquele
dia tenha um final feliz, que a Mulher Maravilha não termine amarrada sobre um
viaduto dinamitado e pronto a explodir! Meu coração já não suporta tantas
emoções!