ALGUÉM

Imagem: Pinterest

 

Na história de sua caminhada pela vida

existem pessoas para as quais você será indiferente.

Elas estarão ali para compor o cenário

e a trama da própria existência.

Outras ficam à margem do caminho,

vítimas das injustiças sociais.

Diante delas, você se fará a angustiante pergunta:

“Como posso ser feliz vendo outras pessoas sofrendo?”

Existe alguém que olhará para você com simpatia

e irá lhe estender a mão nas dificuldades e alegrias.

Ele será seu apoio e se chamará “amigo”.

Outro alguém olhará para você de forma especial

(um olhar além da simpatia e amizade –

olhar de despojamento e confiança).

Vocês irão caminhar juntos,

dividindo e compartilhando as alegrias e os tropeços,

as incertezas e as descobertas.

Ele irá aquecer seu coração e se chamará “amor”.

Na história de sua vida,

existe alguém que irá iluminar seu caminho,

servindo-lhe de conforto nas necessidades

e de esperança nos momentos de dor.

Ele é chamado por muitos de “Deus”,

enquanto outros não conseguem nem mesmo

identificar seu nome.

Na história de sua vida existe, finalmente,

alguém poderoso e decisivo que

– mais do que qualquer um –

poderá torna-lo feliz ou infeliz.

E este alguém ninguém mais é do que você mesmo.

Você que caminha... com sua vida nas mãos!

Etelvaldo Vieira de Melo


BARULHO COM A PENA (37)

Noite gotas de luar. Sou f

ilha A

quem Kronos devor

ou.

Palavra pênsil

ment

o

pra desist

ir

ex

istir?

Mó,

moo quem tem farelos.

Graça Rios

SENSIBILIDADE PARA SENTIR

 
Imagem: cronicasparalapaz.wordpress.com (Reprodução/Internet)

O brasileiro, via de regra, enxerga mais com o tato do que com os olhos. “Deixa eu ver isso aí”, diz o fulano, estendendo a mão para pegar o objeto.

Se com a visão acontece assim, por via de consequência, o que podemos dizer com relação às emoções, especialmente o sentir?

A palavra “circo” anda perdendo seu sentido originário e passou a ter um sentido mais figurativo. “Aquele sujeito está armando um circo” quer dizer que ele vai aprontar qualquer coisa, comprar uma briga, por exemplo. “Circo” deixa de ter aquele significado de uma trupe de artistas, malabaristas, trapezistas, palhaços, que faz suas apresentações sob uma lona armada.

Tempos e tempos atrás - quer dizer: faz muito tempo – caiu sobre minha cidade natal, assim feito um meteorito, um desses circos mambembes que rodam pelas pequenas cidades do interior. A curiosidade para o que vinha de fora foi natural, todos ficaram sabendo que um circo estava se instalando lá na rua do Lava-Pés. Tratava-se de um circo bem ruinzinho mesmo, não dispunha de atrações animais, nem apresentava o sempre bem-vindo e assustador “Globo da Morte”.

Para a população, restava fazer o quê? Todo mundo disponível foi assistir às apresentações. Em uma semana, tudo estava resolvido, mas o pessoal do circo queria fazer o que a gente fazia quando criança ao chupar uma laranja: queria ir até o bagaço. Enquanto houvesse alguém com disposição (e dinheiro) para repetir a dose, eles não iriam embora!

Foi nesse ‘fim de curso’ que cheguei à cidade e resolvi, certa noite, ir ao circo. Fiquei muito tempo fora das dependências, observando o movimento que, por ser final de semana, era até razoável. O locutor, usando de um alto-falante dependurado lá em cima do mastro, chamava o povo para o espetáculo. Percebi que, enquanto houvesse alguém na dúvida shakespeareana de ir-ou-não-ir, o pessoal do circo não começaria o espetáculo. Por isso, tratei logo de comprar o ingresso e entrar.

Lá dentro, tratei de subir com cuidado as arquibancadas mal amarradas, já que, em dias anteriores, alguém sentara numa ponta da tábua e havia derrubado um que estava sentado do outro lado. Achei um lugar razoável, com uma boa visão do palco, uma vez que haveria também a apresentação de uma peça teatral (“E o Céu Uniu Dois Corações”). Forrei com um lenço o local onde ia me assentar, olhei para os presentes e para a lona toda remendada. Por seus furos, vi a Lua e as estrelas no céu. E fiquei esperando.

E começou o espetáculo. Desfilaram pelo picadeiro malabaristas, trapezistas e palhaços. Após cada apresentação, os artistas se curvavam, aguardando os aplausos. Tive que me desdobrar, deixando as mãos doloridas, porque as pessoas reagiam muito mal, quase ninguém aplaudia. Vi que a situação estava ficando dramática, os artistas estavam ficando desanimados!

De repente, aconteceu o inusitado: as luzes do circo apagaram. As pessoas soltaram um Ohhh... de espanto, que foi silenciado quando um gerador foi posto a funcionar. Com o circo às escuras, somente o palco ficou iluminado.

A partir daí, o comportamento da plateia mudou completamente. O desânimo evaporou, tomou doril, só ficando o entusiasmo e a alegria. Tudo era motivo de aplauso, até as piadas sem graça dos palhaços provocavam gargalhadas.

Confesso que, na hora, fiquei sem entender. Depois é que me ocorreu essa descoberta fenomenal: o brasileiro, melhor dizendo, o mineiro, ou – para ser mais preciso – as pessoas lá da minha terra natal têm seus sentimentos melhor aflorados quando se encontram no escuro! Talvez isso também explique o sucesso do único cinema da cidade, o Cine Teatro Nossa Senhora Aparecida, do Antônio Procópio, apesar do desconforto das poltronas de madeira e do assédio sem trégua de vorazes pulgas!

Etelvaldo Vieira de Melo

PS: Este texto, especialmente a parte onde falo com carinho das pulgas do cinema do Antônio Procópio, motivou uma crítica feroz de certa conterrânea. Ela disse que, além de mentiroso, sou péssimo escritor, sem nenhuma originalidade. Isso me deixou deveras magoado e, não fosse o aconselhamento terapêutico da sobrinha e psicóloga Adriana (Dri), meu trauma iria perdurar para sempre, com o risco de nunca mais conseguir colocar uma caneta na mão. Cruz credo!


ULISSES MELANCÓLICO (36)

 


Dispus meu navio

nas ondas do mar

sonhando soçobrar

no casadouro louro

abraço da sereia.

 

Risonha tecedeira

com ervas do sargaço,

princesa afia a fio

solteiro bisonho sonho

 

sonhando-me

a cantar

noutro tear.

Graça Rios

DOCES LEMBRANÇAS

 

Tive uma infância e uma adolescência profundamente marcadas pela religiosidade. A Semana Santa, por exemplo, é uma celebração da qual guardo inesquecíveis lembranças.

Uma delas vem de minha mãe. Para aumentar um pouco o salário de sua magra pensão, tendo que cuidar sozinha de sete filhos, ela se virava de todo jeito ao longo do ano. Quando da celebração da Semana Santa, inventava de fabricar velas, para serem vendidas durantes as procissões.

Eu me lembro bem desta cena. Depois de armar um guarda-chuva sem o tecido, ela dependurava pedaços de barbantes nas extremidades das barbatanas. Em um tacho sobre um fogareiro improvisado no quintal, colocava restos de velas consumidas na igreja da cidade e que eram repassados pelo vigário - a troco de um percentual nas vendas. Quando a cera estava toda derretida, mãe pegava o caldo com uma canequinha e ia despejando nos barbantes, um por um, até a vela se formar.

Em determinado ano, ela se descuidou na fabricação, deixando um pouco de água misturar com a cera. Durante a procissão, muitas velas começaram a “pipocar”, a estalar, assustando as pessoas. Uma senhora se aproximou de mãe e falou: “Olha, eu comprei uma vela com o João Pesco (o vendedor de mãe), e ela quase me mata de susto, de tanto estralar”. E mãe: “Iiii... eu também comprei uma assim, comadre!”. E ria, escondido.

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Quando adolescente, participei de trabalhos de Evangelização em algumas cidades de minha diocese.

Durante a celebração da Páscoa, em determinada cidade, aconteceu um fato dramático e divertido ao mesmo tempo.

Foi no momento em que o celebrante dizia: “Glória a Deus nas Alturas....”. Como se sabe, neste momento, a ressurreição de Cristo é celebrada com alegria: as luzes da igreja são acesas, as imagens dos santos, cobertas de pano roxo, são destampadas, o coral canta o “Glória a Deus”, enquanto os sinos da igreja dobram e repicam.

E assim aconteceu naquela celebração, que teve ainda fogos de artifício, acrescidos dos acordes da banda de música paroquial.

O acidente começou quando o pano roxo, que cobria uma das imagens, agarrou e não queria se soltar. A moça puxava, puxava e... nada! Enquanto isso, o coral cantava com todo fervor, o sino dobrava e repicava, a banda de música tocava entusiasmada suas marchas e contramarchas, os foguetes estouravam e arrebentavam... por sobre o telhado velho da velha igreja, fazendo com que um pozinho (de cupim, imagino) caísse sobre as pessoas. E tudo foi indo assim até o Prefácio: pano agarrado, coro cantando, sino repicando, banda tocando, foguete pipocando e pó caindo sobre as pessoas.

O celebrante, todo solene e de braços abertos, disse: “Porque, neste momento de tanta alegria e (acrescentou por conta própria) de tanta confusão...”. Começaram a rir o celebrante e seus ajudantes (eu estando no meio). E rimos tanto que até choramos de tanto rir. E, quanto mais a gente ria, mais vontade de rir tinha.

Depois da celebração, ficamos todos envergonhados, o que iria pensar o povo vendo aquela falta de respeito? Mas uma senhora se aproximou de mim e disse, me deixando abestalhado: “Foi tudo muito bonito. A gente viu que vocês se emocionaram tanto que até choraram!”.

Depois dessa, eu aprendi: os olhos veem o que o coração sente. Talvez seja por isso que a lembrança da Semana Santa me traz tanta emoção. Os pensamentos até me fazem ouvir o João Pesco tocando a matraca pelas ruas da cidadezinha da minha infância: trac, trac, trac.

Etelvaldo Vieira de Melo

NÃO É FÁCIL FAZER EDIFÍCIO (35)

Imagem: You Tube

 

Ôolho noivo de pimpolho novo

cruza vigas de cetim carmim

em teto de ovo quente.

 

Se arquiteto dular,

engenha vela e janela

pr’Arlequim se expiar.

Graça Rios

PÁSCOA: MORRE A SEMENTE PARA NASCER A FLOR

 
Imagem: Depositophotos

Páscoa, tempo de mudança, de passagem, travessia.

O Cristo morto desfila pelas ruas da cidade, acompanhado pela Senhora de coração trespassado.

Multidão-de-se-perder-de-vista caminha tristonha em fila, sob o compasso e os acordes fúnebres da banda de música paroquial.

“Marias-Beús” se escondem por detrás de véus, enquanto Verônica canta no silêncio constrangido do povo. Desenrolando um pano e mostrando para todos os transeuntes a face do Cristo morto: Ecce Homo.

Páscoa, tempo de mudança, de passagem, travessia.

“Eis que vos anuncio uma boa nova” – o anjo diz.

Alegrai-vos.

A voz do sacerdote rompe o silêncio da nave em escuridão:

“A Luz de Cristo!”

Páscoa, tempo de renovar a Esperança, fundada na certeza da Fé

Sabendo que, com certeza, sem Esperança e Fé, a vida se torna por demais dolorosa e insuportável.

Páscoa, semente que morre e germina em flor.

Páscoa: vida que vence a morte, que vale mais que a morte.

Páscoa: vida que passa pela morte, que é feita de mortes.

Assim como a semente precisa morrer na terra para poder nascer e brotar

Assim também temos que “morrer” para podermos “viver”.

A noite prepara o dia

O inverno anuncia a primavera

A chuva é o prelúdio do sol

A tristeza prenuncia a alegria

A lágrima antecede o sorriso

A dor possibilita o prazer

A morte é o prólogo da vida.

A Páscoa nos ensina: é preciso saber passar pelos momentos difíceis, pois são eles que antecedem as mudanças.

É preciso saber morrer, para poder viver

Quem não sabe morrer, não sabe viver.

Celebrar a Páscoa é renovar a Esperança de que haverá dia   em que o Mundo saberá passar dos momentos de sofrimento, paixão e morte para uma vida nova de Solidariedade, Justiça e Paz.

FELIZ PÁSCOA!

Que a Páscoa esteja com você. Que você seja Páscoa para quem está ao seu redor.

 

Etelvaldo Vieira de Melo


UM CLICK UM STILL (34)


 

Quando se perturba a maré estelar, tranquila estrela tamanho do sol percorre sua órbita a milhões de anos-luz da Terra. Em dado momento, passa perto do buraco negro cem vezes maior que o congênere astro do dia iluminado. Resistir, quem há-de?  Nenhuma partícula gravitacional, nenhuma luz, aproxima-se da cava. Orifício cresce. Perdida, bela Star espirala e cai abismo adentro, emitindo gozo e radiação.

Graça Rios