SENSIBILIDADE PARA SENTIR

 
Imagem: cronicasparalapaz.wordpress.com (Reprodução/Internet)

O brasileiro, via de regra, enxerga mais com o tato do que com os olhos. “Deixa eu ver isso aí”, diz o fulano, estendendo a mão para pegar o objeto.

Se com a visão acontece assim, por via de consequência, o que podemos dizer com relação às emoções, especialmente o sentir?

A palavra “circo” anda perdendo seu sentido originário e passou a ter um sentido mais figurativo. “Aquele sujeito está armando um circo” quer dizer que ele vai aprontar qualquer coisa, comprar uma briga, por exemplo. “Circo” deixa de ter aquele significado de uma trupe de artistas, malabaristas, trapezistas, palhaços, que faz suas apresentações sob uma lona armada.

Tempos e tempos atrás - quer dizer: faz muito tempo – caiu sobre minha cidade natal, assim feito um meteorito, um desses circos mambembes que rodam pelas pequenas cidades do interior. A curiosidade para o que vinha de fora foi natural, todos ficaram sabendo que um circo estava se instalando lá na rua do Lava-Pés. Tratava-se de um circo bem ruinzinho mesmo, não dispunha de atrações animais, nem apresentava o sempre bem-vindo e assustador “Globo da Morte”.

Para a população, restava fazer o quê? Todo mundo disponível foi assistir às apresentações. Em uma semana, tudo estava resolvido, mas o pessoal do circo queria fazer o que a gente fazia quando criança ao chupar uma laranja: queria ir até o bagaço. Enquanto houvesse alguém com disposição (e dinheiro) para repetir a dose, eles não iriam embora!

Foi nesse ‘fim de curso’ que cheguei à cidade e resolvi, certa noite, ir ao circo. Fiquei muito tempo fora das dependências, observando o movimento que, por ser final de semana, era até razoável. O locutor, usando de um alto-falante dependurado lá em cima do mastro, chamava o povo para o espetáculo. Percebi que, enquanto houvesse alguém na dúvida shakespeareana de ir-ou-não-ir, o pessoal do circo não começaria o espetáculo. Por isso, tratei logo de comprar o ingresso e entrar.

Lá dentro, tratei de subir com cuidado as arquibancadas mal amarradas, já que, em dias anteriores, alguém sentara numa ponta da tábua e havia derrubado um que estava sentado do outro lado. Achei um lugar razoável, com uma boa visão do palco, uma vez que haveria também a apresentação de uma peça teatral (“E o Céu Uniu Dois Corações”). Forrei com um lenço o local onde ia me assentar, olhei para os presentes e para a lona toda remendada. Por seus furos, vi a Lua e as estrelas no céu. E fiquei esperando.

E começou o espetáculo. Desfilaram pelo picadeiro malabaristas, trapezistas e palhaços. Após cada apresentação, os artistas se curvavam, aguardando os aplausos. Tive que me desdobrar, deixando as mãos doloridas, porque as pessoas reagiam muito mal, quase ninguém aplaudia. Vi que a situação estava ficando dramática, os artistas estavam ficando desanimados!

De repente, aconteceu o inusitado: as luzes do circo apagaram. As pessoas soltaram um Ohhh... de espanto, que foi silenciado quando um gerador foi posto a funcionar. Com o circo às escuras, somente o palco ficou iluminado.

A partir daí, o comportamento da plateia mudou completamente. O desânimo evaporou, tomou doril, só ficando o entusiasmo e a alegria. Tudo era motivo de aplauso, até as piadas sem graça dos palhaços provocavam gargalhadas.

Confesso que, na hora, fiquei sem entender. Depois é que me ocorreu essa descoberta fenomenal: o brasileiro, melhor dizendo, o mineiro, ou – para ser mais preciso – as pessoas lá da minha terra natal têm seus sentimentos melhor aflorados quando se encontram no escuro! Talvez isso também explique o sucesso do único cinema da cidade, o Cine Teatro Nossa Senhora Aparecida, do Antônio Procópio, apesar do desconforto das poltronas de madeira e do assédio sem trégua de vorazes pulgas!

Etelvaldo Vieira de Melo

PS: Este texto, especialmente a parte onde falo com carinho das pulgas do cinema do Antônio Procópio, motivou uma crítica feroz de certa conterrânea. Ela disse que, além de mentiroso, sou péssimo escritor, sem nenhuma originalidade. Isso me deixou deveras magoado e, não fosse o aconselhamento terapêutico da sobrinha e psicóloga Adriana (Dri), meu trauma iria perdurar para sempre, com o risco de nunca mais conseguir colocar uma caneta na mão. Cruz credo!


2 comentários:

Dri disse...

E a sensibilidade para sentir, parte do se permitir acessar os nossos sentimentos, agradáveis ou não, eles nos revelam muito sobre nós…

Anônimo disse...

Desculpe, mas ri muito do PS: rsss
Que imagem, que chamam de EU, o pensamento construiu e a moça conseguiu magoar? Sofremos muito nesse jogo enganoso que o nosso pensamento faz! Sartre disse: O INFERNO É O OUTRO… e eu digo: O OUTRO é o nosso pensamento que nos leva onde quer! O ato de observar o pensamento e onde ele quer nos levar (conflito), já dilui o seu poder!
No mais…. Que literatura lê, essa senhora, que magoou essa sua imagem “impermanente” e condicionada, que se deixou magoar? A literatura do WhatsApp da tia, de fake news da velharada bolsonarista? Kkkk
Desculpe, mas essa gente tresloucada só me faz dar risada!
Assuma o controle do seu pensamento e você dará as ordens de onde ele deve ir, parar ou ficar…. ele é o inferno! 😘

Postar um comentário