No soneto Velho Tema, discorrendo sobre a felicidade,
Vicente de Carvalho reconhece que ela, a felicidade,
Existe, sim, mas nós
não a alcançamos
Porque
está sempre apenas onde a pomos
E nunca
a pomos onde nós estamos.
Esta passagem sempre me vem à cabeça, quando penso que as coisas
nem sempre acontecem conforme nossa ideia ou desejo. Assim, quando queremos
algo, não o temos; quando ele chega às nossas mãos, já não podemos ou não o
desejamos mais. Quase sempre falta sincronismo entre nossos desejos e nossas
posses.
André Gide já chamava a atenção para isso, ao dizer: “Espera
tudo que vem a ti, mas não desejes senão o que vem a ti. Não desejes senão o
que tens”.
Pode parecer (e é) uma banalidade isto que estou a dizer,
mas assim é a vida, feita quase só de banalidades. Porque não damos valor ao
trivial, ao comum, nossas vidas ficam quase sem sentido, vazias, já que quase
nada têm de ‘extra-ordinário’. O que importa, então, é enxergar a felicidade
nas coisas que estão bem pertinho da gente.
Meu amigo Eleutério, por exemplo, quase todo dia está chamando sua
esposa Percilina para, juntos,
comemorarem alguma coisa. O quê? As coisas mais corriqueiras, como um dia que
chega ao fim ou um filme a que assistiram.
Eleutério é agradecido à vida por ter lhe ensinado isso: que
importa reconhecer e valorizar mesmo as coisas banais e simples do dia a dia.
Ele entende que é essa sabedoria que se aprende com o tempo. Se não fossem as
dores a se distribuírem pelo seu corpo, por causa da idade, bem que ele poderia
tocar a vida com leveza e bom humor.
A propósito, ele está agora me chamando para uma comemoração:
- Meu
amigo, venha tomar comigo um cafezinho, que acabei de coar! Vamos comemorar a
tarde de sábado, com esta chuva gostosa a cair!
Distraído, eu nem estava notando a chuva. Quando Eleutério me
chamou a atenção, olhei para a janela, a tempo de perceber um arco-íris se
formando no horizonte, com o sol aparecendo por detrás de nuvens.
Não sei bem, mas aquilo me pareceu assim algo extraordinário,
apesar de aparentemente ser também algo simples e banal.
A propósito, simples e banais são as expectativas que estou
criando para o Novo Ano, batendo à porta.
Faço votos (e estendo esses votos até você) de que a
Esperança possa estar presente em cada passo de minha vida ao longo de 2024.
Além dela, espero estar, durante o ano, sempre com o espírito desarmado. Isso
é, que eu deixe de lado o preconceito, o ‘pre-juízo’ (mas sem abrir mão do senso crítico), achar que já sei de tudo,
não permitindo que a vida me seja sempre uma novidade.
Outra coisa importante é que eu esteja sempre ‘faminto’.
Em sentido figurado, existem pessoas que se dizem sempre ‘cheias’, satisfeitas. Mal começa o ano, e elas já batem na barriga, falando assim: - Puxa, como estou cheio, como estou satisfeito! Elas se acomodam diante da vida, porque não julgam importante irem atrás do
novo.
Finalizando, importantíssimo, espero ser sempre
honesto, sincero. Ano Novo é tempo de promessas muitas vezes vazias,
mentirosas, feitas da boca para fora, com palavras que não são legítimas,
verdadeiras. Aprendi, ao longo do tempo, que nem sempre serei bem-sucedido
naquilo que faço. Sendo honesto, isso não importa, pois a honestidade sempre
traz algum resultado.
Assim, em singela embalagem, deixo aqui pra você a
Esperança, junto com os votos de que esteja sempre faminto, vivendo os
acontecimentos de maneira desarmada, sem pre-conceitos, sendo sempre honesto
consigo mesmo. E enxergando a felicidade nas coisas que estão bem pertinho de você.
Desse jeito, penso que 2024 será um ano brilhante. Você também pensa assim?