Sei que
uma conversa entre nós é igual a diálogo de surdos: cada um fala e nenhum
entende o outro. Mesmo assim, estou me atrevendo a lhe fazer uma confissão.
Vamos lá. Ao final, espero não ter jogado a conversa fora, alguma coisa tenha
entrado pelos seus ouvidos.
Penso
que o Mundo seria melhor para todos se houvesse justiça social, quero dizer, se
a desigualdade entre as classes fosse algo decente, sem tanta disparidade de
posse e de oportunidades. Crianças de famílias ricas e de famílias pobres mal
acabam de nascer e já têm seus destinos traçados. Qualquer coisa diferente que
venha a acontecer será uma exceção confirmando a regra.
Não, eu
não estou defendendo a ideia de um puro assistencialismo. Só desejo que todos
tenham acesso a uma educação decente, que lhes permita desabrochar e
desenvolver suas potencialidades, independentemente da classe social.
Se
vivêssemos numa sociedade assim, sem tanto desnível e com uma educação
universal proporcionada pelo Estado, creio que teríamos menos violência, a
Natureza seria bem tratada – e não estaria à beira da hecatombe, com se
encontra hoje – com as pessoas, de modo geral, vivendo em harmonia e em paz.
Mas
respeito sua opinião, se você pensa que isso que estou dizendo não passa de uma
utopia, que o ser humano é um lobo para o outro, que o egoísmo faz parte de sua
natureza e que nunca, jamais, quem está lá em cima na escala social vai
estender a mão de forma desinteressada para os menos favorecidos. Respeito sua
opinião, quando acredita que a educação, em todos os níveis e instâncias, deva
ser para atender aos interesses da elite, no sentido de manter e preservar o
status quo.
Respeito
sua opinião, quando pensa que a ganância desmedida é um celeiro de discórdias e
de guerras, de ódio e de destruição sem fim. Mas, pensa você, nada podemos
fazer. E, quando o projeto aqui na Terra fracassar de vez, os poderosos já se
antecipam e projetam a conquista de outros mundos e planetas.
Penso
que os meios de comunicação social, que vou designar de forma genérica como
Imprensa, deveriam ter o compromisso com a verdade, ajudando na educação das
pessoas para que possam viver num mundo cada vez melhor. Eu penso assim, mas
respeito sua opinião, quando pensa que é natural a Imprensa apelar ao
sensacionalismo para vender suas matérias, notadamente quando explora e
ridiculariza as figuras dos pobres, dos ignorantes, dos oprimidos e
marginalizados. Depois, você parece saber que ela, a Imprensa, está a serviço
de quem tem o Poder, que são os ricos, os poderosos, os banqueiros, os grandes
empresários, os latifundiários, essa gente toda, que é uma minoria, mas
efetivamente é quem manda, desmanda e faz acontecer.
Eu penso
que a religiosidade é algo extraordinário, porque mostra nossa dimensão
transcendental, essa nossa ânsia de superar a finitude através de uma porta
para a eternidade. Mas, se a religiosidade é algo bom, também penso que a
religião não é algo tão bom assim. Porque, em vez de nos libertar, muitas vezes
ela nos aprisiona entre dogmas de falsa moralidade, de normas proibitivas, de
sentimentos de punição e de culpa. Eu penso assim, mas respeito sua opinião
quando diz que a religião está aí para isso mesmo: para servir de conforto para
os pobres, para os desconsolados, para os oprimidos, prometendo-lhes um mundo
melhor, só que numa outra vida. Respeito seu ponto de vista, quando vê mérito
numa religião que favorece a acomodação, que é usada para fins políticos, que
ajuda a manter o poder de “César”. Respeito sua opinião, quando diz para eu
deixar de ser bobo quando fico indignado ao ver pastores e padres explorando a
boa-fé das pessoas simples.
Sob meu
ponto de vista, as coisas poderiam melhorar se tivéssemos um Sistema Político
que determinasse a existência de poucos partidos (que seriam fortes e
poderosos, que obrigasse a fidelidade partidária, que estabelecesse de forma
clara seu perfil ideológico), que o número de representantes nas Câmaras fosse
tão somente o necessário e suficiente, que sua escolha se desse através de
processo que atendesse aos interesses da maioria da população, que o regime
fosse democrático e bem definido nas atribuições de suas partes, não permitindo
a existência de excrecências de “anões e centrões”.
Eu penso
assim. E, como para tudo na vida deveria haver uma preparação, também penso que
deveria existir curso para preparação de político. Para mim, político tem que
ser profissional, assim como existe o médico, o engenheiro, o advogado, o
faxineiro, o lavrador. Você se submeteria a uma operação nas mãos de alguém que
nem é médico? Vai acreditar na estrutura de um prédio construído sob responsabilidade
de alguém que nada entende de engenharia? Eu me pergunto: nossos políticos
estão preparados para exercer suas funções? Mais do que isso, estão eles
vocacionados para tal mister?
Se penso
dessa maneira, respeito sua opinião, quando diz que o arranjo político da
sociedade se junta a tantos outros (educação, religião, Imprensa...) para que,
no fundo, nada mude, tudo continue do mesmo jeito. Nesse sentido, o atual
Sistema Político é perfeito, já que continua permitindo a existência de
candidatos paraquedistas em períodos eleitorais, clãs de políticos que se
vendem como antissistema, aumento de extremistas e fracasso das forças
progressistas.
Ao fim
de tudo, cá estamos nós, você e eu, cada um com suas próprias ideias. Nesse
antagonismo, começo a entender melhor sua posição. Percebo que ela vem de sua
história, do que é importante para você, de seus valores. Desse modo, entendo
seu preconceito com aqueles menos favorecidos, com os explorados e
marginalizados; compreendo sua ojeriza com as minorias, sua ganância de ostentação
e poder, respeitando aquela filosofia de “quem pode, pode; quem não pode, se
sacode”. E, assim, cada um de seu jeito, cá estamos nós, empenhados nessa
travessia, cada qual em uma margem desse rio que é o viver.
Etelvaldo
Vieira de Melo