CONFESSANDO COM VOCÊ

 
Imagem: Biblioteca Pedro Seromenho (Facebook)

Sei que uma conversa entre nós é igual a diálogo de surdos: cada um fala e nenhum entende o outro. Mesmo assim, estou me atrevendo a lhe fazer uma confissão. Vamos lá. Ao final, espero não ter jogado a conversa fora, alguma coisa tenha entrado pelos seus ouvidos.

Penso que o Mundo seria melhor para todos se houvesse justiça social, quero dizer, se a desigualdade entre as classes fosse algo decente, sem tanta disparidade de posse e de oportunidades. Crianças de famílias ricas e de famílias pobres mal acabam de nascer e já têm seus destinos traçados. Qualquer coisa diferente que venha a acontecer será uma exceção confirmando a regra.

Não, eu não estou defendendo a ideia de um puro assistencialismo. Só desejo que todos tenham acesso a uma educação decente, que lhes permita desabrochar e desenvolver suas potencialidades, independentemente da classe social.

Se vivêssemos numa sociedade assim, sem tanto desnível e com uma educação universal proporcionada pelo Estado, creio que teríamos menos violência, a Natureza seria bem tratada – e não estaria à beira da hecatombe, com se encontra hoje – com as pessoas, de modo geral, vivendo em harmonia e em paz.

Mas respeito sua opinião, se você pensa que isso que estou dizendo não passa de uma utopia, que o ser humano é um lobo para o outro, que o egoísmo faz parte de sua natureza e que nunca, jamais, quem está lá em cima na escala social vai estender a mão de forma desinteressada para os menos favorecidos. Respeito sua opinião, quando acredita que a educação, em todos os níveis e instâncias, deva ser para atender aos interesses da elite, no sentido de manter e preservar o status quo.

Respeito sua opinião, quando pensa que a ganância desmedida é um celeiro de discórdias e de guerras, de ódio e de destruição sem fim. Mas, pensa você, nada podemos fazer. E, quando o projeto aqui na Terra fracassar de vez, os poderosos já se antecipam e projetam a conquista de outros mundos e planetas.

Penso que os meios de comunicação social, que vou designar de forma genérica como Imprensa, deveriam ter o compromisso com a verdade, ajudando na educação das pessoas para que possam viver num mundo cada vez melhor. Eu penso assim, mas respeito sua opinião, quando pensa que é natural a Imprensa apelar ao sensacionalismo para vender suas matérias, notadamente quando explora e ridiculariza as figuras dos pobres, dos ignorantes, dos oprimidos e marginalizados. Depois, você parece saber que ela, a Imprensa, está a serviço de quem tem o Poder, que são os ricos, os poderosos, os banqueiros, os grandes empresários, os latifundiários, essa gente toda, que é uma minoria, mas efetivamente é quem manda, desmanda e faz acontecer.

Eu penso que a religiosidade é algo extraordinário, porque mostra nossa dimensão transcendental, essa nossa ânsia de superar a finitude através de uma porta para a eternidade. Mas, se a religiosidade é algo bom, também penso que a religião não é algo tão bom assim. Porque, em vez de nos libertar, muitas vezes ela nos aprisiona entre dogmas de falsa moralidade, de normas proibitivas, de sentimentos de punição e de culpa. Eu penso assim, mas respeito sua opinião quando diz que a religião está aí para isso mesmo: para servir de conforto para os pobres, para os desconsolados, para os oprimidos, prometendo-lhes um mundo melhor, só que numa outra vida. Respeito seu ponto de vista, quando vê mérito numa religião que favorece a acomodação, que é usada para fins políticos, que ajuda a manter o poder de “César”. Respeito sua opinião, quando diz para eu deixar de ser bobo quando fico indignado ao ver pastores e padres explorando a boa-fé das pessoas simples.

Sob meu ponto de vista, as coisas poderiam melhorar se tivéssemos um Sistema Político que determinasse a existência de poucos partidos (que seriam fortes e poderosos, que obrigasse a fidelidade partidária, que estabelecesse de forma clara seu perfil ideológico), que o número de representantes nas Câmaras fosse tão somente o necessário e suficiente, que sua escolha se desse através de processo que atendesse aos interesses da maioria da população, que o regime fosse democrático e bem definido nas atribuições de suas partes, não permitindo a existência de excrecências de “anões e centrões”.

Eu penso assim. E, como para tudo na vida deveria haver uma preparação, também penso que deveria existir curso para preparação de político. Para mim, político tem que ser profissional, assim como existe o médico, o engenheiro, o advogado, o faxineiro, o lavrador. Você se submeteria a uma operação nas mãos de alguém que nem é médico? Vai acreditar na estrutura de um prédio construído sob responsabilidade de alguém que nada entende de engenharia? Eu me pergunto: nossos políticos estão preparados para exercer suas funções? Mais do que isso, estão eles vocacionados para tal mister?

Se penso dessa maneira, respeito sua opinião, quando diz que o arranjo político da sociedade se junta a tantos outros (educação, religião, Imprensa...) para que, no fundo, nada mude, tudo continue do mesmo jeito. Nesse sentido, o atual Sistema Político é perfeito, já que continua permitindo a existência de candidatos paraquedistas em períodos eleitorais, clãs de políticos que se vendem como antissistema, aumento de extremistas e fracasso das forças progressistas.

Ao fim de tudo, cá estamos nós, você e eu, cada um com suas próprias ideias. Nesse antagonismo, começo a entender melhor sua posição. Percebo que ela vem de sua história, do que é importante para você, de seus valores. Desse modo, entendo seu preconceito com aqueles menos favorecidos, com os explorados e marginalizados; compreendo sua ojeriza com as minorias, sua ganância de ostentação e poder, respeitando aquela filosofia de “quem pode, pode; quem não pode, se sacode”. E, assim, cada um de seu jeito, cá estamos nós, empenhados nessa travessia, cada qual em uma margem desse rio que é o viver.

Etelvaldo Vieira de Melo

 


0 comentários:

Postar um comentário