Certa vez, o leão procurou o pato e a raposa
para, juntos, formarem uma associação: A Associação dos Vorazes
Caçadores (AVC).
Logo na primeira caçada, conseguiram um bom
número de presas, pois adotaram uma tática deveras interessante. Ei-la:
Aproximando-se sorrateiramente por trás da
vítima, o pato grasnava: - Quá! – Quá! - Quá!
Esta, assustada, corria em outra direção,
dando de cara com o leão.
O leão rugia: Uaaauuu!
Ainda
mais assustada, desviava à direita e, sem perceber, caía num alçapão armado
pelo raposão.
- Cataplum!
Estando a gaiola cheia, pediu o leão para o
pato efetuar a partilha dos bens arrecadados. Este pegou uma calculadora (Made
in China) e fez as contas: A+B+C+...+Z = X >
X : 3 = Y.
-
Pelos cálculos, caberá a quantia de Y para cada um – falou o pato, enquanto
ajeitava os óculos, todo orgulhoso, em pose quase patética.
- Você
é um cretino, um analfabeto de pai e mãe e que não sabe fazer contas – urrou o
leão, desferindo um potente tapa no meio da cara do pato, matando-o.
Depois, pediu para que a raposa refizesse as
contas. Esta deixou praticamente tudo no monte do leão, reservando para si
apenas algumas sobras do quinhão.
-
Estou tomado de admiração – falou o leão. – Qual a escola onde estudou, para
fazer cálculos de tamanha precisão?
Falou a raposa:
- Foi
na escola da vida que aprendi esta lição / Ao ver a desgraça de um pato, vítima
da própria ambição.
Moral:
Em certas circunstâncias, levar vantagem
alguma já é muito vantajoso.
Etelvaldo
Vieira de Melo
1 comentários:
De repente, acorre à memória uma historinha infantil versejada: "Ratusca Boduça de Rafo Rafuça morava na roça / por voracidade, quis ir à cidade com toda essa troça / os cinco fedelhos de Rafo Rafelhos que filhos lhe são / pois lá na cidade tem uma comadre que habita o porão / da gorda ricaça Fifica Fogaça, que tem na despensa / mui ricas pitanças pra suas papanças e nem sequer pensa...". E adiante narra a ouvidos ainda inocentes um assalto sistemático de ratos à desprevenida Fifica Fogaça. Outro nome para o tesouro da "Viúva", mote de um arguto historiógrafo das mazelas nacionais.
A memória foi acionada pela burlesca assonância de uma notícia: no Maranhão, o ministro dos Esportes, André Fufuca, visitou o estádio Fufucão, batizado em homenagem ao avô. Além do Fufucão, uma areninha em Pindaró, cidade governada por Fufuca Dantas, pai de André Fufuca. Cerca de R$ 90 milhões foram reservados para a construção de novos campinhos-soçaite, com grama sintética e dependências confortáveis.
Essa nota ressalta aos olhos quando o governo se debate para anunciar um pacote de corte de gastos, tido como indispensável ao equilíbrio econômico do país. Educação e saúde são os alvos de sempre, mas se suplica o quinhão de outros Poderes, como a magistratura e o parlamento.
As mordomias são ofensivas, senão obscenas. Juízes têm direito a 120 dias de folgas, fora os 60 de férias tradicionais. Parlamentares dispõem de R$ 44,67 bilhões para esbanjar em emendas aleatórias. O custo das isenções tributárias para empresas é de R$ 97,7 bilhões. E, para defender o país de ameaças supostamente internas (como se depreende do sinistro conspiracionismo "punhal verde e amarelo"), pois inexistem as externas, as Forças Armadas ficam com R$ 86, 8 bilhões.
No campo social, as despesas são modestas, mas é premente o caso das universidades federais, que consomem R$ 5,5 bilhões em meio a enormes dificuldades. Neste mês de novembro, a UFRJ, aliás com um reitor competentíssimo à frente, deu nó em pingo d´água para não ficar sem luz. É caso representativo porque se trata da maior universidade federal do país, uma das melhores da América Latina, com professores de alta qualidade, laboratórios e pesquisas relevantes para a sociedade nos campos da tecnologia, da saúde, da matemática e das ciências sociais.
Para o economista João Sicsú, "quem corta a luz da universidade é o governo federal, não a concessionária de energia. Ela forneceu o serviço, quem não pagou a conta foi o governo" (Sintufrj, 14/11/2024). Este argumento sugere uma revisão de prioridades na elaboração do orçamento, que entenda "valor" não como o monetarista da meta de redução a zero do déficit público, e sim como uma atribuição desejável, dotada de conteúdo acessível a todos os agentes sociais e de uma significação apta como objeto de atividade útil.
É patético confrontar dificuldades mesquinhas de um centro de excelência do conhecimento, indispensável ao crescimento econômico, com facilidades triviais da esbórnia orçamentária. Na historinha, o gato conteve dona Ratusca Boduça. Na história vivida, déficit zero não pode continuar a ser álibi da rataria que rói há séculos, sem dó, o baú patrimonial da nação.
Muniz Sodré
Sociólogo, professor emérito da UFRJ, autor, entre outras obras, de “Pensar Nagô” e “Fascismo da Cor”
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