SOLAR CALÇADO, ASSOVIAR E CHUPAR CANA


 
Imagem: Pinterest

Quando Sócrates ia para a praça (ÁGORA) fazer preleções para os jovens atenienses, costumava passar em frente a uma sapataria. Sócrates conhecia o sapateiro, tendo inclusive lhe encomendado alguns pares de sandália. Sabendo que o amigo não andava com as finanças em “céu de brigadeiro”, o sapateiro nada lhe cobrava, só pedindo para que Sócrates mencionasse seu comércio enquanto discursava (inaugurando já naquele tempo, mais de 2 mil e quatrocentos anos, o que hoje chamamos de merchandising). Pois foi assim, enquanto fazia parto das ideias, com sua maiêutica, e exercitava sua famosa ironia, que Sócrates passou a fazer referências ao sapateiro como aquele que tem competência para produzir um calçado. Ele usava esse argumento para provar que o governo da cidade deveria ficar nas mãos dos mais competentes, e não daqueles comedores de leite condensado e espetinho de camarão.  Ele era tão repetitivo nessa argumentação que aconteceu de um velho conhecido lhe dizer:

- E aí, Sócrates, ainda contando a velha história do sapateiro?

Esse mesmo conhecido, participando de uma preleção de Sócrates, perguntou-lhe:

- E aí, Sócrates, pode me dizer se peixe fecha os olhos quando dorme?

- Não sei dizer, respondeu Sócrates prontamente.

- Como assim, não sabe dizer! Você não é o senhor Sabe Tudo, o homem mais sábio de Atenas?

(Como pode ver, esse conhecido era bem encrenqueiro e provocador.)

- Olha, meu amigo – filosofou Sócrates, controlando-se para não esgoelar o outro, - o que eu sei é que nada sei.

Estou fazendo essa referência histórica, com base em alguns fatos e em muita fantasia, como forma de resposta para aqueles que, vira e mexe, implicam de eu estar sempre falando das caminhadas que faço pelas ruas do bairro, encontrando com alguns amigos e indo até o Sacolão Gigante, aquele que é grande no tamanho e baixinho nos preços. Outra referência é minhas idas de ônibus até o centro da cidade, onde, invariavelmente, faço compras em farmácias e no Mercado Central.

Foi isso que aconteceu naquela sexta-feira, quando me dispus a ir até um tal de “BH Resolve”, para renovar a carteira de passe-livre nos ônibus.

Andando pelo centro da cidade, notei que ele estava vazio, quase que jogado às moscas (o que seria verdadeiro no sentido literal, tal a sujeira pelas ruas e calçadas). Ver aquilo fez mal para minhas vistas, pois estava costumado com um “belo horizonte” e aquilo ali estava feio demais.

Renovada a carteira por mais três anos, saí quase correndo em direção ao Mercado Central, sabendo que ali a vista seria bem melhor.

Quando chegava ao Mercado, fui surpreendido por uma senhora a dizer:

- Nossa, que alegria!

 Ouvindo aquilo, me dei conta de que estava assoviando, um hábito que me incomoda muito. Acho que é um tique nervoso adquirido já faz algum tempo, desde que passei a usar um aparelho auditivo. No início, assoviava aquelas músicas de bangue-bangue à italiana (tipo “Quando Explode a Vingança”, de Ennio Morricone em filme de Sergio Leone). Depois, passeio a diversificar o repertório, indo de música brega até os clássicos. Minha esposa implica muito comigo, dizendo que fico dando bobeira na rua, parecendo um débil mental.

- Puxa vida! – falei constrangido para a senhora. – Não é que minha esposa acabou de me recomendar para ficar de bico fechado?

- Mas o que é que tem? – falou a mulher, sorrindo à “bandeira despregada”. – Assoviar é sinal de alegria.

- Bom, no meu caso acho que é um tique nervoso.

- Pois, então! Quem dera se todo mundo que tem um tique nervoso saísse por aí assoviando! O que as pessoas mais fazem é saírem atirando. Mas como é seu nome mesmo?

- Eleutério.

- Pois, então, parabéns para você, senhor Eleutério. Continue distribuindo seus assovios.

Foi então que nos despedimos, ela ficando na primeira loja de queijos. Eu fui até mais adiante, nos Laticínios Irmãos Costa, onde comprei doce de leite com nata, um queijo canastra e outro sem lactose.

Quando voltei para casa, estava naquela dúvida se continuava assoviando ou se comprava de vez um revólver. Também pensei na possibilidade de chupar cana, pois dizem que não tem como uma pessoa chupar cana e assoviar ao mesmo tempo. Contudo, essa hipótese foi descartada de imediato, uma vez que não possuo mais dentes apropriados para isso. Agora, estou dentro se for para degustar um destilado de cana. Aí, vou ter que comprar daquelas garrafinhas de aço inox para carregar a bebida, daquelas que vejo muito em filmes e que acho chique toda vida.

Etelvaldo Vieira de Melo