J. D. Vital e família com o Papa Francisco, em Roma
J. D. Vital (*)
O cardeal Pietro Parolin, secretário de Estado da Santa Sé,
desponta como favorito para suceder o Papa Francisco em um conclave que promete
ser marcado pela incerteza em tempos conturbados e marcados por polarizações
ideológicas e religiosas. Quem seria o nome certo para calçar as sandálias do
Pescador?
Segundo as casas de apostas inglesas, o purpurado italiano
lidera a lista dos “papabili”, com uma probabilidade de 4 por 1.
Solista de uma das mais longevas cortes diplomáticas do
Ocidente, Pietro Parolin, aos 70 anos de idade, pode até brilhar como um cometa
que transita nos céus de Roma há 12 anos, desde 2014, quando foi nomeado pelo
pontífice argentino para o cargo equivalente a primeiro-ministro do Vaticano.
Ele não é, porém, a estrela de Belém que anunciaria a
chegada de um sucessor de Jesus de Nazaré, capaz de sacudir e magnetizar a
Igreja. E de chacoalhar os pilares do templo.
Entre os vaticanistas cresce a convicção de que a Igreja
Católica terá de eleger um Barack Obama de mitra, caso queira surpreender o
mundo, testemunhar a crença nos valores da igualdade e da diversidade e afastar
qualquer suspeita de discriminação racial. Um papa, sem a tez europeia,
representaria um choque de cristianismo em seu rebanho estimado em 1 bilhão e
400 milhões seguidores.
A Igreja já agiu assim no passado. Ela aplicou um golpe de
mestre em cima da sociedade escravocrata de Minas Gerais há 135 anos. Nomeou em
1890 o padre Silvério Gomes Pimenta, um sacerdote negro e sábio nascido em
Congonhas, como bispo auxiliar de Mariana. Mais tarde, Dom Silvério foi elevado
pela Santa Sé a arcebispo.
Em momentos dramáticos da história humana, como os dias de
intolerância, desunião e ódio que vivemos, um candidato diplomata costuma
disputar com santos e profetas a preferência dos cardeais na Capela Sistina.
A habilidade do Secretário de Estado no trato de questões
delicadas como a guerra da Ucrânia e as tensões entre os governos de Donald
Trump, dos Estados Unidos, e XI Jinping, da China, reforça o cacife de Pietro
Parolin. Resta saber se o prelado no topo das casas de aposta carrega consigo
também as virtudes missionárias desejáveis em um novo papa, permitindo a
reedição do conclave de 1958 que elegeu o cardeal Angelo Giuseppe Roncalli,
patriarca de Veneza, para suceder o Pio XII. O patriarca, então com 77 anos de
idade, tomou o nome de João XXIII.
Roncalli integrava o quadro de emissários políticos da
Igreja. Sua longa carreira diplomática, iniciada em 1925 como visitador
apostólico na Bulgária e, em seguida, como delegado pontifício na Grécia e na
Turquia, prosseguiu com sua nomeação em 1944 para o espinhoso posto de núncio
apostólico em Paris, durante a ocupação da França pelas tropas de Adolf Hitler.
O arcebispo italiano serviu à Igreja, com diplomacia,
santidade e compaixão. Salvou milhares de judeus perseguidos pelos nazistas
durante a Segunda Guerra Mundial. Em 1953, o Vaticano o removeu de Champs
Élysées, promovendo-o a cardeal e Patriarca de Veneza, antes de sua eleição
para comandante da Igreja Católica. Na Basílica de São Pedro, João XXIII, o
Papa Bom, de sorriso paternal, revolucionou a terra dos homens. Em apenas 4
anos e 218 dias de pontificado.
Convocou o Concílio Vaticano II. Renovou a face da Igreja.
Abraçou o ecumenismo. Soprou a poeira milenar da tradição que se depositara nos
altares. Iniciou uma era de transformações que resultaram na escolha do profeta
argentino Jorge Mario Bergoglio como 266º sucessor de Pedro e responsável por
mudanças radicais que buscaram a moralização da Cúria Romana, o fim do
carreirismo eclesiástico. O jesuíta combateu os crimes de abuso sexual por
parte do clero e abriu as portas da misericórdia aos divorciados e às minorias
do LGBT.
Seria o melhor dos mundos, assim na terra como nos céus, se
eleito, Pietro Parolin repetisse João XXIII e viesse a dar sequência ao legado
de Francisco, o Bom Pastor. Continuasse a luta na defesa intransigente dos
migrantes, dos deserdados e da ecologia. Levasse adiante a inclusão da mulher
na administração da Igreja, como fez Francisco nomeando a freira Simona
Brambilla para o Dicastério da Vida Consagrada e as Sociedades de Vida
Apostólica, primeira mulher prefeita no Vaticano. Que não hesitasse na denúncia
da injustiça social e dos conflitos armados da atualidade e fosse um
instrumento da paz.
A eleição de um papa vindo do fim do mundo da África ou da
Ásia seria mais midiática, com efeitos similares a aqueles desencadeados pela
chegada de Barack Obama à Casa Branca. Funcionaria, segundo vaticanistas, como
a célebre teoria do canadense Marshall McLuhan – “o meio é a mensagem”. Então,
teríamos uma mensagem de compromisso com a diversidade e a universalidade
estampada na testa do Santo Padre.
O impacto de um papa africano ou asiático, ainda que
pudesse provocar novas rachaduras na Igreja, revitalizaria os ensinamentos do
Evangelho de que todos os seres humanos foram criados à imagem e semelhança de
Deus, em pé de igualdade. Aptos a servir e também a governar.
Até a eleição do argentino, os cardeais de fora da Europa e
da América do Norte eram vistos com preconceito pela elite votante europeia.
Como se fossem, na expressão italiana, “un figlio minorenne” - um filho menor
de idade, segundo inconfidência do cardeal brasileiro Dom Paulo Evaristo Arns,
de São Paulo, na saída do conclave que coroou o polonês Karol Wojtyla como Papa
João Paulo II.
Papa Francisco fez a sua parte. Povoou o colégio dos
cardeais, antes dominado por europeus, com representantes da África e da Ásia.
Dos 30 cardeais africanos, 18 vão participar do próximo conclave, quase todos
de nomes desconhecidos e de pronúncia difícil aos ouvidos ocidentais. Por
exemplo, o arcebispo Protase Rugambwa, de Tabora, na Tanzânia. Ele ganhou o
chapéu cardinalício em 30 de setembro de 2023 e tem experiência na burocracia
vaticana, onde serviu como secretário do Dicastério para a Evangelização dos
Povos.
O sudanês Stephen Ameyu Martin Mulla, nascido em 1964,
também foi feito príncipe da Igreja por Francisco no consistório de 2023. É um
clérigo letrado, com doutorado pela Pontifícia Universidade Urbaniana de Roma.
Chefia a arquidiocese de Juba, capital do Sudão do Sul.
Sempre lembrado, mas nunca votado, o cardeal de Gana, Dom
Peter Kodwo Appiah Turkson, é cria do Papa João Paulo II que lhe deu o barrete
vermelho em 2003. Desde então, Turkson frequenta a lista dos “papabili” a cada
sucessão papal. Esta será sua última chance porque encontra-se na marca do
pênalti: completa 77 anos de idade em outubro, e em três anos ficará
inabilitado porque os cardeais com mais de 80 anos não podem participar do
conclave.
Os asiáticos entram com uma bancada de 23 cardeais, entre
eles uma estrela em ascensão, o cardeal filipino Luis Antonio Gokim Tagle,
arcebispo de Manila, filho de mãe chinesa. Suas posições pastorais,
particularmente o discurso a favor dos migrantes e contra a injustiça social na
exploração dos trabalhadores, mulheres e crianças, despertaram a atenção dos
vaticanistas. Bom de microfone, jovial e simpático, cabe-lhe, de forma
emblemática, o epíteto de Barack Obama asiático. Ou de Francisco filipino, devido
à admiração recíproca que cultivaram.
Gokim Tagle estudou e obteve o doutorado em Teologia no
mais alto grau, “summa cum laude”, na Universidade Católica da América, em
Washington, Estados Unidos. Bento XVI nomeou-o cardeal em 2012 e no ano
seguinte, já no pontificado de Francisco, passou a integrar importantes
dicastérios no Vaticano, como o da Evangelização e o Conselho da Seção das
Relações com os Estados e Organizações Internacionais da Secretaria de Estado,
presidida por Pietro Parolin.
O Espírito Santo, que ilumina as mentes e os corações,
sopra suas preferências nos ouvidos cardinalícios, à revelia da opinião pública
e não tem por hábito se informar nos
blogs dos vaticanistas. Por isso, ninguém sabe dizer quem usará o novo Anel do
Pescador.
A barca de Pedro navega como um transatlântico colossal,
incapaz de realizar manobras radicais e repentinas. Talvez, um nome que
represente o meio termo entre a velha oligarquia católica europeia e as terras
férteis de missão, nessa corrida eclesial, venha da minúscula comunidade
católica de Ulaanbaatar, na longínqua Mongólia, berço do poderoso imperador
Gengis Khan.
O cardeal Giorgio Marengo, nascido em 7 de junho de 1974 em
Cuneo, na Itália, recebeu de Papa Francisco a missão de pastorear a “pequena
Igreja da Mongólia”, dotada de apenas “9 locais de culto oficialmente
reconhecidos pelas autoridades, espalhados por todo o país; 30 religiosas e 25
sacerdotes de diversas procedências, dois sacerdotes locais e cerca de 1.500
batizados”, segundo informou o site “Vatican News” dois anos atrás.
O budismo tibetano predomina no país de 3 milhões de
habitantes. Giorgio Marengo foi enviado para evangelizar a Mongólia, onde a
messe é grande e os operários são poucos. Talvez, os cardeais do conclave
possam enxergar nele o missionário para reflorescer a Igreja no mundo
contemporâneo.
(*) J. D. Vital é jornalista, escritor e membro
da Academia Mineira de Letras