A CONSCIÊNCIA NEGRA ABRIGA O SOM DA ESPERANÇA

 


 

Só o desejo inquieto, que não passa,

Faz o encanto da coisa desejada.

(Mário Quintana)

 

É bom lembrar que só existe uma raça: a raça humana que forma uma grande família. Muitas questões, conceitos e preconceitos estão presentes na história dos povos e nos becos do Brasil. O som da cor acompanha as versões e interpretações da nossa cultura. No trilho de vozes, nas mãos calejadas pelo trabalho duro e no brilho de rostos que canta e encanta, a raça negra construiu o Brasil. Forçados a migrarem para o Novo Mundo, várias nações e tribos africanas fizeram o Brasil. As gerações que se seguiram colheram os frutos dessa gente sofrida. Entre tantos líderes, permanece viva a figura de Zumbi dos Palmares. Encarna e lembra outros líderes que “fizeram o brasil, Brasil” e que "fazem o Brasil", trazendo lições de trabalho, arte e afeto. No final do século XVII, o padre Antônio Vieira afirmou: “O Brasil tem seu corpo na América e sua alma na África”. O que foi acontecendo, ao longo dos séculos, com nossa brasilidade e maneira de perceber a história? A afirmação da “consciência negra” foi-se sedimentando com lutas, dor, coragem, arte e esperança. Não se pode esquecer que o racismo, como ideologia elaborada, é fruto da cultura moderna a serviço da dominação. O combate ao racismo acontece no interior da luta social, através de um processo de “descolonização cultural”. Segundo a filósofa Angela Davis: “Não basta não ser racista, é preciso ser antirracista”. Tudo que degrada a pessoa é injusto, fere a alma e rebaixa o ser humano. As diferenças culturais, religiosas, de raça e gênero, como outras, são reais e históricas. Diante da “ordem burguesa” ou do “branco moderado e morno”, somos convidados a abrir propostas solidárias como também estimular trabalho e luta por uma causa humana, social e cultural. Como tornar real a democracia? O problema não é novo. É de todos os tempos (desejo inquieto). Nossa brasilidade é construída com cores e dores. O tema “Consciência Negra” é um convite à reflexão para um amplo debate que abra caminhos de humanização. Concluo com o pensamento de Martin Luther King em sua “Carta a colegas de bom senso”: “Chegamos agora ao momento de elevar nossa política nacional, da areia movediça da injustiça racial, ao rochedo inabalável da dignidade humana”. Não importa quão duro seja o presente, precisamos reinventar o futuro para não deixar a democracia emagrecer.

(Mauro Passos)


PARA QUEM ACHOU QUE PIMENTA É COLÍRIO

Imagem: Freepik


A passagem de Jair Messias Bolsonaro pelos tribunais de Justiça do país tem se arrastado mais que novela mexicana dos tempos de antigamente. Está se tornando uma verdadeira agonia aguardar o desfecho dessa trama tropical, com don Jair assistindo ao “sol nascer quadrado” por detrás das grades de uma penitenciária qualquer.

Nunca, em tempo algum, vi tanta gente empenhada em livrar a cara de um réu tão comprovadamente confesso, como é o caso do Jair. Agora, com os tribunais decidindo que a justiça deve ir para os finalmentes, cria-se um alvoroço, quase chegando ao estado de comoção nacional, com as ‘inteligências pensantes’ se perguntando qual o presídio digno da receber tão ilustre visitante.

De Brasília, o governador Ibaneis, com aquela sua carinha de boneco Chucky – o brinquedo assassino, diz candidamente desconhecer o estado de saúde do ex-presidente, se ele é capaz de aguentar os “trancos & barrancos” de sua Papuda. De outras partes, vozes indignadas dizem que não existe no país presídio algum digno de receber tão ilustre hóspede.

Todo esse script encaminha a novela para três saídas - primeira: o ex-presidente ser anistiado, sofrendo punição alguma; segunda: ser condenado a uma prisão domiciliar de faz de conta: terceira: ficar “preso” em uma colônia de férias do Exército.

Temendo que alguma dessas hipóteses venha a acontecer, gostaria de refrescar a memória desses paladinos humanitários, lembrando o que Jair Bolsonaro aprontou nos tempos da Covid no país. Já se esqueceram de como ele ridicularizava as pessoas sendo mortas, sufocadas pela falta de ar? Ou, então, como ele se gabava de sua formação militar, que não lhe permitia ser derrubado por uma gripezinha qualquer? Qual é? Ele não se declarava o coisa e tal? Nunca vi tanto mimimi.

Espera lá – você pode me interromper. – Não tem você nenhum sentimento de humanidade?

Tenho, tenho até demais, que posso passar por bobo. Mas prefiro usar esse sentimento para com aqueles menos favorecidos. Para gente como Jair Messias Bolsonaro, o que eu quero é Justiça. Chega de impunidade, ela que só faz corromper a Democracia.

Etelvaldo Vieira de Melo

 

 

O BEIJO DE JUDAS E O LUGAR DA UTOPIA

 

A gente quer viver todo respeito

A gente quer viver uma nação

A gente quer é ser um cidadão.

(Gonzaguinha)

 

As religiões têm expressões de beleza como também falam de utopia, esperança, felicidade, solidariedade. Estamos sempre em busca da felicidade. Existe uma relação histórico-teológica entre a beleza e o sagrado, como está no livro da Sabedoria: “A beleza das criaturas conduz por analogia a contemplar o seu Criador” (13, 5).  Hoje, a velocidade, a pressa, o imediatismo, a eficácia, a produtividade liquidam o cuidado, o afeto. O determinante é o consumo. Caminhar à toa, ouvir uma música ou cuidar de um jardim são crimes de “lesa-agenda”. E, assim, vamos perdendo a sensibilidade, o desejo de mudança, os gestos de gratuidade. E, assim, vamos perdendo a capacidade de contemplação, admiração e encontros. Nesse caminho, qual o lugar da utopia (a solidariedade, os sonhos...)? Em tempos de crise, imaginamos uma realidade diferente: uma cidade harmoniosa em oposição ao caos urbano, a paz em oposição à guerra, a não-violência em oposição à violência, uma religião conectada com a vida, a educação como conscientização e formação humana etc. Esse caminho transformador e utópico pretende resistir à força mantenedora do status quo. Como lembra o poeta Manoel de Barros: “A expressão reta não sonha”. A utopia é uma forma de criticar a realidade para não se permanecer passivo e indiferente diante de uma realidade desumana e de uma estrutura desumanizadora. A utopia é um caminho de busca que propõe outras organizações, outras relações e outras formas de vida. O que a utopia propõe, portanto, é um impulso da ação para o bem de todos. Enfim, a construção da humanidade em todos os aspectos. Confiança e esperança são aprendizes do sonho, da consciência e lucidez. O ser humano é um animal que crê, conquista, sonha e reinventa. O ser humano quer a paz. E paz não se delega, é construção. É respeitar o outro: o pobre, o sem-terra, o morador de rua, o desempregado, o idoso, o mendigo. Como lembra o poeta Pablo Neruda: “É terrível, e ao mesmo tempo comovedor, ser por um instante, o portador da esperança dos oprimidos”. Com tantos contrastes, as religiões têm um papel efetivo de transformação social – plantar a paz, contribuir para dias melhores, principalmente para as camadas populares. O cristianismo deve se mobilizar em forma de ‘Boa Nova’ para responder às necessidades dos povos. Os aplausos ao governador do Rio de Janeiro, em uma Paróquia Católica, fizeram com que ele avaliasse a barbárie? Ou foi uma nova versão do beijo de Judas? Diante do ocorrido, o desafio é pensar, mudar, tornar a pensar, para mudar mais uma vez. A não-violência é o caminho para a paz. Neste contexto, a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) ficou fora do contexto (se fez silêncio). A perda da tradição é sinal de nosso tempo como também a falência das instituições. Construir a paz é acolher (lambuzar-se no outro). É comprometer-se com as causas do povo. Sem humanidade o cristianismo se torna um adorno e perde seu projeto – o amor a Deus e ao próximo. Há muitas religiões, mas só um Evangelho e só um Deus. Se em outras religiões, as pessoas buscam a Deus, no cristianismo é Deus que vai em busca das pessoas: “Eu vim para que todos tenham vida e vida em abundância” (João 10, 10). Essa é uma questão norteadora – avivar a utopia do Evangelho para completar a criação da humanidade.

(Mauro Passos)


A NÃO-VIOLÊNCIA É O CAMINHO PARA A PAZ



Não é possível separar a fé do amor pelos mais pobres. 

Se não o fazem, a democracia atrofia-se, torna-se um 

nominalismo, uma formalidade, perde a representatividade.

(Papa Leão XIV)

No Rio, Zema enaltece a ação da polícia e afirma: ‘Não ouvi falar de inocente que foi morto’. Por uma questão de bom senso, não “ouvo” (neologismo criado pelo Zema) governador de Minas. Uma casca de banana tem mais cuidado com o fruto: preserva e cuida. Assim, é também a política. Com educação, ética, justiça e respeito é possível fazer um governo para todos. Violência não é o caminho para a paz. A justiça não pede sangue.

(MauroPassos)