CADA CABEÇA, UMA SENTENÇA

Dizem que os contrários se atraem. Para mim, isso é baboseira, tirando a lei da Física. Na presente narrativa, entretanto, o dito era fato: quatro amigos, embora não houvesse algum casamento ou funeral, cada qual de seu jeito,  nada tendo que os misturasse, a não ser aquela forte e profunda amizade, o que levava à suspeita de que seriam do mesmo sangue.

Aconteceu, naquele dia, de se encontrarem em frente a uma banca de jornal. Como a finança dos quatro estava abaixo da linha vermelha, cuidaram de se inteirar das novidades de maneira graciosa, pra não dizer gratuita, lendo as manchetes ali expostas. Chamou particularmente a atenção do quarteto uma entrevista de um político, acossado que estava por denúncias de corrupção. Durante vários dias, esse político era acusado de envolvimento em desvio de dinheiro público, além de associação a elementos que eram alvos de investigações policiais por enxurradas, cascatas, cachoeiras e enchentes de irregularidades.

Apesar do intenso tiroteio de denúncias e insinuações, afirmava o político: “Não sou capaz de guardar por um segundo sequer ódio ou rancor por qualquer pessoa.”

Nesta altura, nossos quatro amigos interromperam a leitura e cada um cuidou de fazer seu comentário.

- Não quero parecer ingênuo – falou Ingenaldo, o mais novo dos quatro, adolescente ainda, enquanto cuidava de limpar seus óculos azuis. – Mas eu vejo essa declaração como algo comovente. Alguém que é incapaz de guardar ódio ou rancor para com aqueles que estão lhe atirando pedras. O mundo necessita de pessoas assim, pessoas que ofereçam a outra face para uma bofetada. Olho para o Oriente Médio, para a Europa em crise, olho para o nosso Brasil e lhes digo, do fundo de meu coração: como gostaria que essa semente de tolerância e bondade fosse plantada em todas as partes do planeta!

Dizendo isso, tirou um lenço verde-amarelo do bolso para conter uma lágrima a deslizar por sua face.

- Como você é ingênuo, meu estimado Ingenaldo! – falou Cinisvaldo, um jovem que cuidava de alisar seu saliente topete. – Não percebe que isso é discurso de político? Fala coisas bonitas para enganar os trouxas, como você! Acho até que os repórteres deveriam usar um detector de mentiras, para filtrar aquilo que andam publicando. Mas aí, talvez, nada seja publicado, pois quase tudo é mentira deslavada. Com esse detector, certa imprensa estaria também em maus lençóis; preocupada em defender interesses, ela corre pra longe da verdade.

- Eu analiso a declaração sob outro viés – falou Realisvaldo, este aqui já um senhor, cuidando de puxar seu bigode, uma mania que aprendera com o tempo. – A fala do político era endereçada a seus pares, isto é, aos políticos que o detratavam, muitas vezes escondidos por detrás da imprensa. Ele estava querendo dizer: “Tudo bem que alguém me pegou nessa. Todos nós estamos sujeitos a isso, por um descuido qualquer. Hoje, o azar foi meu. Porque, aqui, no mundo político, não existe alguém que seja impune, alguém que seja melhor do que eu. Mas vamos fazer assim: vocês me ajudam a sair dessa, eu passo uma borracha naquilo que andaram falando a meu respeito e tudo fica como antes, sem ódio e sem rancor. Poderemos cuidar de futuras alianças, posando – sorridentes – para câmeras de jornais e TV.”

- Olha – falou Risvaldo, o mais velho dos quatro, fazendo uma digressão diante dos comentários dos amigos, enquanto passava a mão pela cabeça de poucos cabelos. – Tempos atrás, achei que havia chegado a um ponto de minha vida em que não deveria mais levar as coisas muito a sério. Se não dava pra entender, pra explicar o que acontecia, aquilo não era motivo pra ficar morrendo de preocupação. Pensei: chega de levar a vida a sério. Já que não tem jeito esse negócio de querer entender, o melhor é começar achar graça, a rir de tudo, principalmente de mim mesmo.

- Agora eu me lembro – falou Ingenaldo, feliz com a descoberta. – Foi então que você mudou seu nome de Serisvaldo para Risvaldo!

- Exatamente. Você pode levar a sério, por exemplo, o que políticos andam aprontando? É tudo tão ridículo! Esta declaração que acabamos de ler, por exemplo, só poderia vir de alguém que tem “sangue de barata” ou quer ridicularizar nossa capacidade mental!  Leia os jornais, assista ao noticiário, olhe bem para as fisionomias, apesar das plásticas e dos botox.  Perceba o quanto as palavras escondem de hipocrisia, de fingimento! Quase tudo é motivo de riso! Podemos achar engraçado até mesmo aquilo que é sério, bom, verdadeiro; só que aí será um riso amistoso, amigável, de cumplicidade. Afinal, rir pode não ser o melhor remédio, mas custa pouco, é barato – e olha que não estou falando aqui do marido da barata!

Depois dessas falas, os amigos se despediram, cada um foi em uma direção: Ingenaldo caminhou para o sul, Risvaldo foi para o Norte, Cinisvaldo apressou seus passos para o leste, enquanto Reaslivaldo tomou o rumo do oeste.  Ficou o dono da banca, coçando sua vasta barba e embaraçado com a pergunta se não deveria mudar urgente de profissão, diante dos disparates que acabara de ouvir.
Etelvaldo Vieira de Melo 

1 comentários:

´Mário Cleber disse...

BEM BOLADO OS NOMES. Da mesma família "Valdo"?
Gosto de seus jogos de palavras.

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