TERRÍVEL, ASSUSTADOR, PERIGOSO

    Abri, calmamente, o boleto com a cobrança da fatura mensal de minha (força de expressão) operadora de telefonia celular.

    Assustado, quase tive um tono adrenérgico, seguido de uma acinesia. (Estas expressões não faziam parte de meu vocabulário, mas – por umas e outras razões – tento me aproximar do mundo médico e seu linguajar.)

    Logo, logo cuidei de ligar para a operadora, sendo atendido por uma voz eletrônica. Segui os processos burocráticos até digitar “0” (zero), pois queria conversar com um atendente de carne, osso e mente racional. A voz eletrônica me alertou para aguardar na linha após o atendimento, para responder a uma pesquisa de satisfação. Pensei comigo: “- Que bom! Hoje vou ter um atendimento educado, mesmo que seja por uma representante do sexo feminino!” (Antes que as belas virem feras e me atirem pedras, devo esclarecer que minha insatisfação com as operadoras de telemarketing tem base científica: 80% delas me tratam com pouco caso ou grosseria.)

   Fui atendido por uma voz masculina. Expliquei-lhe que a operadora estava me cobrando duas faturas e o meu plano era de controle, não havendo justificativa para um pagamento em dobro.

    Caprichei na argumentação até ficar sem palavras, mas julgando ter dado conta do recado.

   Foi aí que a voz masculina apresentou uma pérola de justificativa para a cobrança, deixando-me ainda mais embasbacado:

    - Senhor, a cobrança em dobro foi uma decisão do sistema. Mês que vem a sua fatura será de apenas uma franquia.

    - Mas como? – retruquei. Não tem sentido o sistema me cobrar por um serviço que não foi prestado. É ilógico, ilegal, imoral.

    - Mas, senhor – falou o atendente, tentando ser educado.   (Será que ele sabia da pesquisa de satisfação?) - Não tem nada a ver comigo, trata-se de uma decisão do sistema. Mês que vem será cobrado apenas uma franquia.

    - E quem garante que será apenas uma franquia? Pode ser que sejam duas, três...

    - Não, absolutamente...

    - Já imaginou se os sistemas de cartão de crédito, das empresas de luz, água aderirem à brincadeira... Pelo que estou vendo, esse tal de sistema tem uma mente complexa e um humor variável.

    - Bem, senhor, - falou a voz masculina, danando-se para a pesquisa de satisfação. – Mais alguma coisa?

    - Não, é só, já que você não pode fazer nada. Vou recorrer à Ouvidoria da empresa e ver se desmascaro esse sistema.

  Dito e feito. Acessei o site da operadora, gastei duas horas com os procedimentos burocráticos mais as tentativas de identificar o código secreto, podendo – finalmente – registrar a minha reclamação. Quando cliquei “enviar”, uma última surpresa: o sistema não está operando no momento; por favor, tente mais tarde...

    Depois do acontecido, fiquei pensando sobre o tema, chegando a perdoar muita gente que tinha como irresponsável, bandido e corrupto.

    - Os maus políticos são maus não por culpa própria, mas do sistema político que os torna corruptos.

  - Os agentes carcerários são uns coitados, mesmo quando acusados por suborno e violência. Será que não percebem que tudo é culpa do sistema prisional?

    - Os eleitores nunca, jamais podem ser acusados de não saberem votar. O sistema eleitoral que é ignorante, impedindo a escolha dos melhores candidatos.

   - A educação no Brasil está caindo aos pedaços? O país ocupa as últimas posições na escala de investimentos e resultados no ensino?  Claro que a culpa é do sistema educacional.

    Estou vendo que, definitivamente, deixamos o tempo em que um fio de bigode (ai!) valia como uma declaração em cartório. Hoje ninguém vale nada, o que conta é o sistema.

    Mas eu preciso guardar comigo essas declarações ou deletá-las. Pretendo digitalizá-las, mas morro de medo de que o sistema operacional do computador apronte uma pra cima de mim, deturpe minhas palavras e eu acabe vendo o sol nascer quadrado!

    P.S. Pode ser que nem isso venha a ocorrer, ver “o sol nascer quadrado”. Com o sistema prisional em petição de miséria, talvez eu seja jogado no fundo de uma cela abarrotada de prisioneiros, sem possibilidade de me mover até a janela para ver o sol através das grades.

Etelvaldo Vieira de Melo

1 comentários:

Vicente disse...

Parabéns, Etelvaldo, pela forma brilhante, inteligente e jocosa ao falar do famigerado SISTEMA. Quem ainda não foi uma de suas inumeráveis vítimas? Temos que unir forças contra esse terrivel malfeitor que nos torna impotentes e, por consequência , insensíveis , coniventes e complacentes com a incompetência de tantas instituições existentes em nossa sociedade. Sou seu leitor de carteirinha!

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