JOGRAL: A ESPERANÇA NOSSA DE TODO DIA

INGENALDO (IN) CINISVALDO (CI) REALISVALDO (RE) RISVALDO (RI) TODOS (TD)

IN: Nos tempos de antigamente, havia os deuses e havia os titãs.

CI: Titãs não é aquele conjunto de rock nacional, mas seres gigantes que habitavam a Terra; depois de uma discórdia com os deuses, foram derrotados em guerra terrível e expulsos dos céus.

RE: Como todos sabem, os céus são uma região situada acima do Monte Olimpo; é por isso que, de quatro em quatro anos, sua memória é reverenciada com a disputa dos Jogos Olímpicos, onde são eleitos os novos deuses dos esportes.

RI: Prometeu era um titã inconformado com a derrota para os deuses. Certo dia, ele teve uma ideia de vingança.

IN: Ele pegou um pouco de barro e deu forma ao primeiro homem. Para que a sua obra tivesse vida, foi necessário roubar um pouco da centelha do fogo divino.

CI: Para isso, contou com a ajuda de Minerva, deusa da sabedoria, que era muito generosa e ingênua, como você, Ingenaldo, e que não deve ser confundida com antiga marca de sabão em pó.

RE: (Vamos omitir detalhes da Guerra dos Titãs, os castigos que sofreram, a aventura de Prometeu nos céus, a história de Apolo e a explicação para o fato de que na África, até hoje, nascerem indivíduos queimados.)

RI: (Fazemos isso em atenção ao nosso leitor, cuja paciência não ultrapassa 20 minutos de tolerância.)

IN: Admirando sua obra, Prometeu disse: “Está aqui aquele que vai derrotar os deuses.”

CI: Júpiter, vendo aquilo, disse a Vulcão, arquiteto dos céus: “Faça algo que cause tanto trabalho ao homem e ele não encontre tempo para incomodar-me.”

RE: Vulcão pegou um tanto de barro e muitas centelhas do fogo divino e criou, com a perfeição de um deus, ... a primeira mulher . 

RI: Deuses e deusas se encantaram com a obra e lhe deram muitos presentes: beleza, afetação, bom humor, belas roupas, muitos pares de sapato, estojo de maquiagem, charme... inteligência... fluência verbal...

IN: Júpiter disse para a mulher: “Vá até Prometeu e diga-lhe que você será a sua esposa. Estou lhe dando um presente especial, que está embalado nesta caixinha, mas que só poderá ser visto no dia de seu casamento “  - E Júpiter mostrou-lhe um estojo em rica e decorada embalagem.

CI: Certo dia, estava Prometeu admirando a sua obra, quando viu, descendo do Monte Olimpo, a mais bela das criaturas.

RE: “Quem é você?” – perguntou Prometeu. Ela respondeu que se chamava Pandora, o que significa “todos os presentes”, e que vinha lhe trazer tudo de bom: beleza, saúde, alegria.

RI: Prometeu quis saber da caixinha.

IN: “Oh! - falou Pandora. – Trata-se de um presente de Júpiter e que só poderá ser aberta na noite de nosso casamento.”

CI: Prometeu não gostou de ouvir aquilo. Disse: “Pensando bem, não me casarei com você. Como seu trabalho foi muito em vir até aqui, eu a levarei até meu irmão, Epimeteu, e ele irá se casar com você.”

RE: Em grego, Prometeu significa “pensar antes” e Epimeteu, “pensar depois”. Daí, o ditado que diz: Quem pensa, não casa; quem casa, não pensa”.

RI: Pandora se casa com Epimeteu, com a promessa de jamais abrir a caixinha com o misterioso presente de Júpiter.

IN: Tudo correu bem durante certo tempo, mas houve o dia em que ela não resiste, depois de se perguntar: “Não está dentro desta caixa o melhor dos presentes?” Ela bem que não queria contrariar as ordens do marido, mas...

CI: Pandora abriu a caixinha e, imediatamente, saíram voando milhares e milhares de vespas que, ao se sentirem livres, se espalharam pelo mundo. Aquelas vespas eram todos os males que afligem a humanidade; a guerra, a fome, a pobreza, a inveja, a dor...

RE: Pandora, ao ver o que estava acontecendo, subiu sobre uma mesa e começou a gritar histericamente, enquanto agitava nervosa os braços. Ouvindo seus gritos, Epimeteu acorreu apressado e fez o que era sensato fazer: tapou a caixinha.

RI: Felizmente, a tempo a reter a última vespa a escapulir-se, a única digna de ser conservada na caixinha, um pequenino ser chamado...

TD: ESPERANÇA!

IN: Estamos terminando 2012, com milhares de vespas a espalharem dor e sofrimento sobre a humanidade.

CI: Existe a vespa da fome assolando milhões de pessoas, enquanto sobra comida na mesa dos abastados.

RE: Existe a vespa da falta de moradia para muitos, que tentam se esconder do frio e da chuva sob viadutos e marquises de prédios, enquanto outros moram em palacetes.

RI: Existe a vespa da violência e da guerra, linguagem universal para uma humanidade que ainda não aprendeu a usar da palavra “diálogo”.

IN: Existe a vespa da corrupção, que corrói consciências, destruindo valores e instituindo a lei da esperteza, com a honestidade sendo vista como sinônimo de ingenuidade.

CI: Existe a vespa das leis frouxas, que permitem conchavos a troco de poder, dinheiro e artimanhas judiciais.

RE: Todas essas vespas tentam enfraquecer e matar esse pequenino ser que carregamos e que se chama “esperança”.

RI: Mas ela irá resistir contra tudo e contra todos. Não porque sejamos...

IN: Ingênuos.

CI: Cínicos.

RE: Alienados.

RI: Ela resiste porque é o oxigênio da vida e nos permite acreditar no amanhã, apesar de tudo aquilo de ruim que conspira contra as possibilidades de ser feliz.

IN: Que, nesta passagem de ano, possa você reanimar a esperança que carrega consigo, uma esperança abalada, machucada diante de tantas decepções e maus exemplos. Não a deixe morrer, pois, quando morre a esperança, também morre todo sentimento de humanidade.

CI: Compartilhe a esperança, espalhe a ideia de que vale a pena ser honesto.

RE: Vamos, juntos, cuidar desse dom maior que é a vida.

RI: Juntos, vamos semear as sementes da alegria, da amizade, do amor.

TD: JUNTOS, VAMOS TRANSFORMAR ESSE CANTEIRO QUE É O MUNDO EM UM JARDIM DE FELICIDADE! FELIZ 2013!
FIM
Etelvaldo Vieira de Melo



Recados de Fogos de Artifício

Splash de Cores
O QUE TEM UMA MULHER?
 Flor na cabeça
Cravo nos pés.












Dois Mil e Treze

Que os geolhos arrasem
Que os sapatos saphateiem
Que as meias afinem
Que os destinos atinem
Que o esmalte transcenda
Que as luvas animem
Que o cabelo desperte
Que o crayon arrebente
Que a sobrancelha carregue
O olhar oblíquo e dissimulado.


Foto de bebê Lindo

Nasce uma criança:
A esperança do mundo.
Traz a nossa estrela,
Alumia este fundo
Lugar que não se alcança.                                      





CONSUMISMO              
Inda não comprei
mas hei de comprar
um carrinho branco,dois azuis,três amarelos, quatro verdes... 


                                                       







QUANDO A ORDEM DOS FATORES ALTERA O PRODUTO

Muitas e muitas vezes, eu questiono se vale a pena a vida do ser humano aqui neste planeta, se não seria melhor que tudo fosse como no tempo em que a Terra era informe e vazia, com as trevas cobrindo o abismo e apenas o Espírito de Deus pairava sobre as águas. Eu não estaria aqui, neste momento, escrevendo essas palavras, o relógio não estaria aqui na minha frente, arrastando os minutos e as horas para o fim, enquanto lá fora, no mundo, uma imensidão de coisas explode a cada segundo e se derrama em cores e tons por sobre países e continentes, matando, provocando a destruição e o caos.
           
Muitas e muitas vezes, eu me vejo pensando sobre a vida, seu encantamento, sua beleza. Mesmo entendendo quase nada sobre seu sentido, penso que Deus tinha toda a razão quando, depois de ter criado as coisas, contemplou sua obra e viu que tudo era muito bom. Aqui estou, neste momento, escrevendo essas palavras, o relógio está aqui na minha frente, registrando a passagem do tempo, enquanto que lá fora, no mundo, a vida explode em cores e sons, sob os reflexos do Sol.
            
Eu não sei, mas – às vezes – gostaria de que tudo não passasse de um sonho. Poderia ser um sonho meu, estando em outra dimensão. Poderia ser até que eu não existisse, não passasse da fantasia de um sonho de outra pessoa, do próprio Deus, quem sabe, entediado do próprio poder ou no exercício de suas infinitas habilidades.
           
É a vida um sonho? Prefiro entendê-la como um mistério. A aceitação do mistério não significa fechar as portas do entendimento, decretar o fracasso da razão. Significa reconhecer que a vida vai sempre mais além da percepção de momento, que há um mundo de revelações logo ali, após a curva do caminho. Aceitar a dimensão de mistério é ter a humildade de reconhecer que a vida nos surpreende a cada momento com novas manifestações de beleza e sentido.
            
Eu não sei, mas acho atraente a ideia do vazio, da ausência, do nada. Porque, se tudo fosse reduzido a nada, a maioria das pessoas estaria ganhando, lucrando. Porque essas pessoas só levam da vida o prejuízo: dor, sofrimento, lágrimas, decepções, tristeza, desilusão. Se tudo fosse reduzido a nada, não haveria alguma coisa de bom, mas também não existiria nada de mau, de ruim, de errado, estaria tudo em equilíbrio, em paz, em silêncio, na imobilidade do vazio, do nada.
            
Eu nada sei, já disse e posso repetir mil vezes. Não tenho a pretensão de ser dono da verdade. Observo e vejo pessoas que, apesar de tudo conspirar contra, sempre encontram um motivo para viver, para construir seus sonhos. Para elas, o sofrimento é fortaleza, meio de eliminar falsas ilusões a fim de alcançar os verdadeiros objetivos. É preciso tirar essa conotação negativa das dificuldades, pois são elas que nos ajudam a crescer e a nos tornarmos pessoas melhores.
            
Eu não sei se o que está aí e denominamos vida é fantasia, projeção ou realidade verdadeira. Sei que se trata de manifestação de um princípio só. Parece que as pessoas não nasceram para compartilhar, respeitar e fazer valer os direitos dos outros. Elas nasceram marcadas pelo estigma desse pecado original chamado egoísmo. Os mais injuriados diante dessas palavras são justamente os mais falsos, pois se escondem atrás da hipocrisia, tentando passar despercebido seu egocentrismo. Se não, como calar e tapar os olhos diante da perversão do trabalho, da inversão de valores – onde o ter se sobrepõe ao ser, da demagogia, corrupção, da exploração dos mais fracos, da fome e falta de moradia, da pobreza e miséria, tudo isso num quadro de guerra e violência?
            
Eu não sei se o que está aí e denominamos vida é fantasia, projeção ou realidade verdadeira. Poderia ficar lamentando os erros cometidos pelos humanos. Eles estão aí, como a lama na terra após um momento de chuva. Eu sei, porque meus olhos não estão fechados e nem meus ouvidos estão vedados. No entanto, esses erros são menores, valem menos que os acertos. O ser humano não é, por natureza, ruim. O seu egoísmo resulta de uma má educação, que pode ser reparada. O amor é uma força superior, embora seja muitas vezes abafado, como na trágica história de Orfeu e Eurídice, porque – infelizmente - as coisas ruins conseguem falar mais alto, aparecem mais. Por isso, quase passa a ser estranho falar do sorriso de uma criança, da beleza da Natureza, dos cuidados de uma mãe e seu amor incondicional, dos sonhos que se realizam, das palavras amigas, do perdão, da beleza de uma pintura ou de uma música, das pessoas que fazem o bem e trabalham pela Paz.
            
Enfim, tem razão o Jó das Escrituras, quando diz: “Por que não saí num aborto escondido? A vida do homem sobre a Terra é uma guerra. A minha carne está coberta de podridão e imundície do pó. A minha pele está seca e enrugada. A minha fortaleza não é como a das pedras. Nem minha carne é de bronze.”
            
Enfim, tem razão o Eclesiastes, quando, refletindo sobre a vida, chega à seguinte resposta e conselho: “Vai e come teu pão com alegria, bebe teu vinho com o coração alegre, pois tuas ações já foram há muito aprovadas por Deus.... Tudo que possas fazer, faze com todas as forças.”

 Etelvaldo Vieira de Melo

Segundo especialistas, três meses é o tempo médio de sobrevida de um blog. Como estamos nos aproximando dessa data fatal, cuidadosos, lançamos mão daquela máxima preconizada por Tim Maia (Blogu’eus – edição de 26/10/ 2012) de que aqui “vale tudo”. Sendo assim, todos aqueles que postarem seus comentários em nossas edições semanais, desde a 1ª, em 24/10/2012, até a de 20/04/2013, estarão concorrendo ao prêmio de dois livros, publicados pelos autores. Leitor atento e amigo, esta é a maneira simples e sincera que encontramos para expressar nossa alegria em estar compartilhando com você este espaço. Também é uma forma de avaliar o alcance e os reflexos de nosso trabalho. Graça e Etelvaldo.
Nota: Algumas pessoas manifestaram dificuldade na postagem de comentário.  A forma mais simples é através da conta no Google, para quem tem gmail. Outra forma é através da opção “Anônimo”. Você faz o comentário e digita seu nome. Depois, o sistema operacional vai pedir para você identificar algumas letras, querendo confirmar que se trata de um ser humano, e não de uma máquina. Depois de tudo isso, é só clicar e enviar a mensagem. 

Bebe em meio a flores
Surpresa
Cresce a unha
e o cabelo
cresce o dente
e o nariz:

então gente
tem raiz? 



ENQUANTO O SONO NÃO VEM
Enquanto o sono não vem
escrevo o meu diário.
mulher escrevendo no jardim pintura sem nome de autor EscreverConto novidades do dia e tristezas da noite.
Colo uma flor onde devia haver um verso
dedicado ao possível bem.
Folheio as páginas
vejo papéis de bombons
fotos
bilhetinhos laços de fita retratos de artistas pensamentos              
uma poesia escrita por Manoel de Barros.
Meu diário é um maracujá
das horas de medo e insônia.








Nota Explicativa: Por fazer referência a determinada data, 21 de dezembro de 2012, o presente texto mereceu tratamento diferenciado, antecipando-se a outros que aguardam pacientes em fila. Como o tempo é inexorável e uma contingência da vida, ou ele aparecia agora - talvez prematuramente, ou corria o risco de não resistir a três meses de espera, conforme registro em sua senha de inscrição: Nº 19.

VANITAS VANITATUM

Preciso tomar cuidado com esses textos que ando produzindo e seus termos, uma vez que não sei onde poderão parar – se é que não ficarão guardados em uma gaveta de minha escrivaninha, sem irem à luz do Sol.

Sendo assim, tenho notado que estou me tornando uma pessoa muito linguaruda, eu que, por índole e educação, sempre fui um sujeito comedido, poderia até dizer enrustido, mas aí estaria dando margem a análises psicológicas que poderiam me transformar em sucata de Ferro Velho.

Então, para precisão de conceitos, estou usando o termo “linguarudo” com a conotação de quem fala demais, e não no sentido de designar alguém que tenha a língua grande. Enquanto falastrão, poderei estar ofendendo essa ou aquela pessoa, mas não pretendo machucar ou magoar ninguém. O acontecido é que, de repente, minha língua se soltou e não estou encontrando meios de ficar com a boca fechada.

No momento, o assunto que anda me incomodando já foi tratado em outra ocasião e será apresentado em oportunidade futura, quando falei do risco que as pessoas correm ao demonstrarem ostentação, exibindo para outros suas posses e pertences.

A ostentação ou exibicionismo de hoje é mais de cunho psicológico, quando determinada pessoa quer aparecer diante das outras por seus dotes intelectuais ou morais, procurando chamar a atenção.

Tempos atrás, nos estertores* (uma das 100 Palavras Exóticas Que Você Um Dia Deverá Pronunciar) da Ditadura, ou Regime Militar, dois políticos participavam de um debate televisivo; Tancredo Neves representava o MDB, enquanto Jarbas Passarinho pontuava em favor da Arena, sendo MDB e Arena os dois partidos políticos permitidos então.

Logo no Prefácio do debate, Jarbas Passarinho gastou todos seus trunfos, com seis ou sete citações, algumas delas em língua estrangeira. Assim, já pelo meio do programa, estava refém de Tancredo, uma esperta raposa na arte de argumentar, que tratou de colocar aquele passarinho em uma gaiola, terminando a discussão sendo ovacionado pelos telespectadores em suas casas.

Tempos depois, um Presidente da República, que se elegeu usando o slogan de “caçador de marajás”, prometeu matar a Inflação com um único tiro. Esqueceu-se de que aquele monstro requeria até mais do que uma rajada de metralhadora. Essa foi uma das razões pelas quais se tornou desacreditado, mesmo tendo, depois, recorrido a outros planos para remendar seu deslize verbal.

Vez por outra, ouvimos alguém anunciar o fim do mundo. Certos líderes arrebanham seus seguidores e os preparam para a hecatombe anunciada. Imagina a cara desses fulanos quando, passando a data fatal, nada de mais aconteceu! O “hit” do momento vem de um Calendário Maia e sua previsão de uma catástrofe para 21 de dezembro de 2012. Vamos ver no que vai dar. Aposto, com quem quiser, que não vai dar em nada. Se nada acontecer, estarei ganhando a aposta; se acontecer o pior, não estarei aqui para pagar o devido.

Ainda nessa linha de ostentação e exibicionismo, devo lembrar um professor de Geografia que, na primeira aula, dramatizou uma situação em que iríamos conhecer a Floresta Amazônica por meio de um voo de avião. Essa pessoa era mais um ator do que um professor. Pessoalmente, senti todas as expectativas e emoções proporcionadas pela aventura. Recorrendo à memória, entretanto, vejo ser esse o extrato de todo seu trabalho. Parece que o avião caiu no meio da floresta, por falta de combustível.

Tenho um parente que, por volta do término de sua terceira... quarta... não, de sua segunda relação matrimonial, apresentou-se perante o juiz todo arrumado, perfumado, sapato pra lá de social, calça presa por suspensório, camisa de manga comprida, enfim, estava todo elegante. Sua ex, no entanto, colocou um vestido de terceira categoria, até mesmo tomado de remendos, deixou os cabelos desalinhados, colocou umas sandálias tipo “havaianas” e parece que passou cinzas no rosto, para aparentar um aspecto sombrio e doentio. Quando confrontados perante o juiz, esse não pensou duas vezes para proferir a sentença: deu ganho de causa para todas as pretensões da ex, enquanto que meu parente voltou para casa sem nada, quase tendo perdido a própria calça, que se desprendeu do suspensório.

Falando tudo isso, vejo como é fácil enxergar um cisco no olho do vizinho. Entretanto, olhando para mim mesmo, observo que o sentimento de fracasso como professor, sentimento que carrego como uma cruz e uma dor permanente, vem de quando, nos primeiros contatos com os alunos, na pretensão de seduzi-los, esgotava meu repertório de trunfos, lançava-me na aventura de uma viagem sem combustível suficiente, ostentava uma aparência que contrariava radicalmente com minha pobreza franciscana, usava de uma erudição contrária à minha maneira de ser. Talvez se eu fosse eu mesmo, honestamente, colhesse melhores resultados. Poderia não ser bem sucedido, mas estaria sendo sincero, e a sinceridade é sempre um valor.

Pelo que foi dito e descrito, fica a certeza de que, no final, caso alguém possa se sentir ofendido com minhas palavras, esse alguém só pode ser eu mesmo.
Etelvaldo Vieira de Melo   



AQUARELA

 De que caixa
de lápis de cor
Deus tirou
o beija-flor?
0037242fb 650x433 Fotos da Lua Cheia em noite de superlua
 Man had to go to the moon ‘cause moonlight wasn’t  enough.




NO MÍNIMO
Por que não pagam
salário
às abelhas operárias?

QUEM ROUBOU MEU ANEL DE FORMATURA?

Se acreditasse em metempsicose, creio que em outras encarnações teria sido um bicho de preguiça ou uma tartaruga. Tudo porque, comigo, as reações demoram a ocorrer, custo a acompanhar o ritmo das pessoas; nas conversas, tenho sempre que pedir para repetirem o que andam dizendo; não entendo nada o que falam na TV, a não ser que haja uma legenda. Está bem que o otorrino, médico muito distinto e que me inspirou a mais pura simpatia, disse que tenho uma pequena perda auditiva, coisa insignificante, que só preciso ter o cuidado de olhar para os lábios da pessoa enquanto ela fala. Esse médico tem até uma teoria interessante a respeito do casamento, que eu gostaria de comentar, ainda que superficialmente. Segundo ele, o casamento tende a dar mais certo, quanto mais afastados estiverem marido e mulher, em camas separadas, em quartos ou andares diferentes, em cidades ou – melhor – países diferentes! Muito divertido esse médico, mas eu não sei se ele falou sério ou fazia troça de mim, quando elogiou a calça esportiva que eu estava vestindo. Aí, eu disse pra ele: “O senhor está gozando a minha cara, doutor?” E ele: “Não, absolutamente. Achei muito chique, deveras.” Então, como estava dizendo, agora me servindo de atestado médico, minha lentidão para entender as coisas é uma herança genética. Sou parecido com um italiano que conheci no meu tempo de adolescência. As pessoas contavam uma piada para ele e sua reação, de momento, era ficar sério; daí a três, quatro horas, ele se dava conta da graça e ria até chorar. Para muitas coisas, eu me vejo assim também. Não quero que pensem que sou um retardado mental, fico ofendido quando me tratam dessa maneira. Já captei, através de olhares, pessoas me considerando como lerdo, débil mental, e não gostei nem um pouco. Existem pessoas que, por conveniência, se deixam passar por surdas, distraídas. É o caso do colega Marízio, que se fazia de ouvidos moucos, quando lhe solicitavam um favor, mas respondia com presteza quando se tratava de um agrado. Estou explicando essas coisas em sinal de minha sinceridade, uma vez que até existe um nome científico para designar meu problema: “prolapso de fim de curso”, uma denominação esquisita, mistura de termo médico com de eletrônica, desses usados em portões e cercas elétricas. Mas traduzindo para um português bem traduzido, com direito à nova regra ortográfica, o termo significa que apresento uma demora, às vezes mediana, às vezes acentuada, para dar uma resposta aos estímulos externos. Se você está tendo dificuldade em entender o assunto, vou me servir de fatos acontecidos, como exemplos. Já faz bastante tempo que concluí os estudos de oitava série. Tenho uma foto da formatura, onde apareço fazendo o discurso. Eu quero dizer que fui o orador da turma! Na foto, lá estou eu lendo tranquilamente o meu discurso; anos depois, com essa mesma foto nas mãos, fui tomado pela síndrome do pânico, com direito a taquicardia, calafrios, tremedeira, dando início a um quadro de hipertensão do qual trato até hoje. Isso é que vem a ser prolapso de fim de curso, ou efeito retardado. Estou me lembrando que, durante minha adolescência, fiz parte de um coral, com direito, inclusive, a apresentações em TV! Fico pensando como foi possível uma coisa assim, pois se fosse agora, ao abrir a boca para cantar, iria desencadear a maior tempestade da história! Sem contar que uma câmera de TV na minha frente iria, no mínimo, me ocasionar um desmaio. Como pode ser observado, esse retardo neuro-psíquico-motor até que tem suas compensações. Pena que ele não se faz presente em todas as situações estressantes pelas quais passo. O maior vexame pelo qual passei se deu quando a cidade ainda não era tão povoada por automóveis. Altas horas da noite e lá ia eu como carona de um amigo em seu carro, quando, por fatalidade, um dos pneus fura. Estávamos na descida em reta de uma avenida praticamente deserta e, por coincidência, relativamente pertos de onde esse amigo morava. Ele foi, então, até a sua casa e trouxe um pneu reserva em outro carro. Assim que terminou o conserto, ele me falou: “Olha, estou colocando o carro em ponto morto, você só terá o trabalho de ir soltando o freio e mantendo a direção.” Por favor, não ria de mim, mas quem diz que eu consegui fazer aquilo? Arranjei uma tremedeira nos pés e nem consegui tirar o carro do lugar. Meu amigo é que teve que ir se revezando entre os dois veículos, levando um até certo ponto para, depois, seguir com o outro e, assim, por quase um quilômetro, até chegar em casa. Mas estou contando essas coisas porque minha filha, dias desses, me perguntou em que ano eu havia me formado e se lembrava de um colega chamado Marcos, nome do pai de sua amiga. Não me lembro direito do ano de minha formatura e conheci muitos Marcos, mas não sei se algum deles atende aos requisitos. A pergunta, entretanto, resgatou a lembrança daquela época. Lembrei-me de que fui chamado à sala do diretor da Faculdade. Eu havia sido seu aluno, embora ele nem soubesse o meu nome. Mas tratava-se de uma figura extraordinária, um tipo bonachão e de grande sabedoria. Dentro de minha insignificância e mediocridade, eu o admirava. Suas palavras: “Olha, tenho aqui comigo um anel de formatura de um professor, morto recentemente. Era seu desejo que fosse doado para um formando de pouca condição financeira, isto é, que seja pobre. Decidimos que esse alguém seja você. Portanto, não se preocupe com seu anel de formatura, pois você já tem o seu.” Por causa de meu distúrbio neuro-psíquico-motor ou prolapso de fim de curso, confesso que não sei descrever qual foi minha reação no momento. Mas A-G-O-R-A, passados já tantos séculos, eu me dou conta que não vi nem sombra do dito anel. Estou ficando nervoso, começo a ter palpitação, estou suando frio, sofro de vertigem, meu estômago embrulha, ameaço ter uma crise de hipertensão, quero saber quem me passou a perna, quero, preciso saber: QUEM ROUBOU MEU ANEL DE FORMATURA?
Etelvaldo Vieira de Melo
Fotos de margaridas

Ninguém me ama,
ninguém me quer.
Ninguém me chama
de Baudelaire.

Amor

tece
dores.




O RATO NÃO ROEU A ROUPA DA RAINHA

Não, não tenho nenhuma disposição de crítica quanto ao modo inglês de ser, muito pelo contrário. Olhando para meu histórico de vida, percebo heranças que remontam a acordos comerciais entre aquele reino e Portugal, quando o Brasil não passava de incipiente colônia.

Não haveria problema se eu assumisse uma postura ácida quanto ao tema, embora, dada a minha insignificância, isso não viesse a afetar a ordem das coisas. Contudo, na perspectiva do velho Protágoras de que sou a medida de todas as coisas, das que são enquanto são e das que não são enquanto não são, experimento um certo prazer – de mim para mim mesmo – ao saber que tenho o direito de ter opiniões extravagantes sobre qualquer assunto que seja.

Não é o caso da estimada Inglaterra, tirando algumas esquisitices que anoto no comportamento de seu povo. Mas vamos falar, primeiro, das reverências.

Na Literatura, relegando o ícone da dramaturgia William Shakespeare, destaco as lembranças de Charles Dickens, com seus romances de crítica social, notadamente Oliver Twist e David Copperfield, além de seus memoráveis contos de Natal; Thomas Hardy, com seu melancólico Judas, o Obscuro; W. Somerset Maugham, autor do clássico Servidão Humana.

Quase cometo o deslize de incluir A. J. Cronin nesta relação de escritores fantásticos, ele que foi autor de obras memoráveis que embalaram muitos sonhos de minha adolescência: A Cidadela, O Castelo do Homem sem Alma, Sob a Luz das Estrelas e tantos outros. É quando me dou conta que não se trata de um escritor inglês, mas escocês. Como na busca de compreensão do mistério da Santíssima Trindade, torna-se difícil para um simples mortal latino-americano, sem dinheiro no bolso e vindo do interior, entender que a Grã-Bretanha é uma das ilhas Britânicas, composta por Escócia, Inglaterra e País de Gales; juntamente com a Irlanda do Norte – além de outras ilhas menores e diversos territórios ultramarinhos - formam o Reino Unido.

No mundo do cinema, a Inglaterra se notabiliza com elenco de excepcionais atores: Julie Andrews, Albert Finney, Jeremy Irons, Boris Karloff, Vanessa Redgrave, Tim Roth, Peter Ustinov, Rachel Wisz, Kate Winslet e - por que não? – Elizabeth Taylor. Mas como deixar de mencionar Sarah Miles e seu desempenho em A Filha de Ryan? Como ignorar Jean Simmons, memorável em Spartacus e em Deus e o Pecado? Uma citação menor, mas de especial significado para mim e de quem guardava pedaços de película, é a da musa de minha adolescência Hayley Mills, que fez sucesso em filmes da Disney, destaque para Pollyanna.
           
E o que dizer dos diretores ingleses?
           
Por que não começar com o indescritível Charlie Chaplin, de O Garoto e Tempos Modernos? Como esquecer seu discurso em O Grande Ditador? Depois, vem a lembrança do mestre do suspense Alfred Hitchcock, de Os Pássaros, Um Corpo que Cai e Psicose. Depois, David Lean, com Lawrence da Arábia, Dr. Jivago e Passagem para a Índia. Termino essa relação com Ridley Scott, diretor de Prometheus, Gladiador e o diferenciado Blade Runner – O Caçador de Androides.
           
Terminando essa série de referências culturais, resta falar da música. A Inglaterra parece ser a nação que abriga maior quantidade de músicos por metro quadrado. É inumerável a quantidade de intérpretes e bandas. Exemplos? Podemos começar com aquela banda que foi a maior de todos os tempos, não só marcando a música como também os costumes: The Beatles. Mas existem outras e outros famosos: Black Sabbath, Coldplay, The Hollies, Led Zeppelin, Oasis, Pink Floyd, Status Quo, The Holling Stones, The Animals (pela música The House of the Rising Sun), ficando só no universo das bandas.
           
Os ingleses inventaram o futebol e a Inglaterra abriga as principais escuderias da Fórmula 1. Os eventos culturais e esportivos ali primam pela organização e qualidade. Daí, a nossa observação ciumenta e invejosa “pra inglês ver”, quando queremos algo pelo menos aparentemente bem cuidado.
           
No plano das esquisitices, chama a atenção o fato dos carros ingleses terem a direção do lado direito. Remonta esse costume ao tempo das carruagens, quando os cocheiros ficavam assentados do lado direito dos coches, para não trocarem agressões com chicotadas quando cruzassem com outros cocheiros? Sei que o costume das pessoas se cumprimentarem apertando as mãos se deve ao receio de serem agredidas com socos; por isso, o cuidado de segurar a mão do outro num aperto...
           
Outra coisa estranha e peculiar aos ingleses é a mania de aposta. A Inglaterra é chamada de reino das apostas. Em recente casamento real, tudo era motivo de apostas: se a noiva deixaria o noivo no altar, se o carro dela iria quebrar a caminho da igreja, quem seria o primeiro a chorar, se a mãe da noiva ou o cantor Elton John. A Bolsa de Apostas de Londres opera tanto quanto as Bolsas do Mercado Financeiro...
           
Mania de inglês é a de promover leilões até de coisas banais e insignificantes. Frequentemente, tomamos conhecimento de eventos em que peças íntimas de personalidades são leiloadas. Resumo da ópera: qualquer bugiganga passível de render algum trocado pode ser levada a leilão. Como os ingleses são exímios negociadores, peças encalhadas podem render bons dividendos. Assim, o vestido que Amy Winehouse usou na capa de Back to Black foi vendido pela bagatela 43.200 libras; o excêntrico artista plástico Damien Hirst leiloou um touro em tanque de formol, com cascos, chifres e cabeça coroada por um disco de ouro por US$18,6 milhões; um anuário com foto de Madonna aos 13 anos de idade foi a leilão na Casa Christie’s, com expectativa de venda no valor de R$4.900,00. A Casa também iria leiloar uma calçola usada pela artista no filme Procura-se Susan desesperadamente, de 1985, avaliada em R$2.600,00 (800 libras). Se um suposto dente de John Lennon foi arrematado por 10 mil libras em outubro de 2011 e colheres do navio Titanic, que afundou em 1912, foram vendidas como preciosidades, não é o caso de baixar desespero para alguém em dificuldade financeira. Basta descobrir, encontrar ou até mesmo inventar algo exótico e extravagante, enviar para uma Casa de Leilão na Inglaterra e torcer para obter bons dividendos.
           
Como minhas finanças não estão voando em céu de brigadeiro, estou propenso a estabelecer uma aposta. Em comemoração do Jubileu de Diamante da Rainha Elizabeth II, o mundo assistiu a eventos que realçavam uma peculiaridade do inglês: o culto da autoridade. Casualmente assisti ao desfile de carruagem real, acompanhada pela cavalariça. O locutor descrevia os cavalos que puxavam a carruagem. Nós, simples mortais, ficamos sabendo que eram da raça Cleveland Bay, o mais antigo dos cavalos nativos da Grã-Bretanha, cuja seleção enfrenta controles rígidos; que se trata de um cavalo de temperamento estável, versátil e resistente; que 30 desses cavalos são mantidos no estábulo real... Enquanto tantas informações relevantes eram repassadas, percebi que muita sujeira era deixada no asfalto. Pois bem, creio que alguém, após o desfile se deu ao trabalho de juntar um tanto daquele cocô e de guardá-lo em casa. Daqui a cem anos, um dos herdeiros irá levar aquela preciosidade para leilão, possivelmente na Christie’s. Minha aposta, na proporção de 3 para 1, é a de que isso vai ocorrer. Meus descendentes e os de meu opositor poderão acertar o resultado dessa disputa. No mais, God save the Queen!
Etelvaldo Vieira de Melo