QUANDO
A ORDEM DOS FATORES ALTERA O PRODUTO
Muitas e muitas vezes, eu questiono se vale a pena a vida
do ser humano aqui neste planeta, se não seria melhor que tudo fosse como no
tempo em que a Terra era informe e vazia, com as trevas cobrindo o abismo e
apenas o Espírito de Deus pairava sobre as águas. Eu não estaria aqui, neste
momento, escrevendo essas palavras, o relógio não estaria aqui na minha frente,
arrastando os minutos e as horas para o fim, enquanto lá fora, no mundo, uma
imensidão de coisas explode a cada segundo e se derrama em cores e tons por
sobre países e continentes, matando, provocando a destruição e o caos.
Muitas e muitas vezes, eu me vejo pensando sobre a vida,
seu encantamento, sua beleza. Mesmo entendendo quase nada sobre seu sentido,
penso que Deus tinha toda a razão quando, depois de ter criado as coisas,
contemplou sua obra e viu que tudo era muito bom. Aqui estou, neste momento,
escrevendo essas palavras, o relógio está aqui na minha frente, registrando a
passagem do tempo, enquanto que lá fora, no mundo, a vida explode em cores e
sons, sob os reflexos do Sol.
Eu não sei, mas – às vezes – gostaria de que tudo não
passasse de um sonho. Poderia ser um sonho meu, estando em outra dimensão.
Poderia ser até que eu não existisse, não passasse da fantasia de um sonho de
outra pessoa, do próprio Deus, quem sabe, entediado do próprio poder ou no
exercício de suas infinitas habilidades.
É a vida um sonho? Prefiro entendê-la como um mistério. A
aceitação do mistério não significa fechar as portas do entendimento, decretar
o fracasso da razão. Significa reconhecer que a vida vai sempre mais além da
percepção de momento, que há um mundo de revelações logo ali, após a curva do
caminho. Aceitar a dimensão de mistério é ter a humildade de reconhecer que a
vida nos surpreende a cada momento com novas manifestações de beleza e sentido.
Eu não sei, mas acho atraente a ideia do vazio, da
ausência, do nada. Porque, se tudo fosse reduzido a nada, a maioria das pessoas
estaria ganhando, lucrando. Porque essas pessoas só levam da vida o prejuízo:
dor, sofrimento, lágrimas, decepções, tristeza, desilusão. Se tudo fosse
reduzido a nada, não haveria alguma coisa de bom, mas também não existiria nada
de mau, de ruim, de errado, estaria tudo em equilíbrio, em paz, em silêncio, na
imobilidade do vazio, do nada.
Eu nada sei, já disse e posso repetir mil vezes. Não
tenho a pretensão de ser dono da verdade. Observo e vejo pessoas que, apesar de
tudo conspirar contra, sempre encontram um motivo para viver, para construir
seus sonhos. Para elas, o sofrimento é fortaleza, meio de eliminar falsas
ilusões a fim de alcançar os verdadeiros objetivos. É preciso tirar essa
conotação negativa das dificuldades, pois são elas que nos ajudam a crescer e a
nos tornarmos pessoas melhores.
Eu não sei se o que está aí e denominamos vida é
fantasia, projeção ou realidade verdadeira. Sei que se trata de manifestação de
um princípio só. Parece que as pessoas não nasceram para compartilhar,
respeitar e fazer valer os direitos dos outros. Elas nasceram marcadas pelo
estigma desse pecado original chamado egoísmo. Os mais injuriados diante dessas
palavras são justamente os mais falsos, pois se escondem atrás da hipocrisia,
tentando passar despercebido seu egocentrismo. Se não, como calar e tapar os
olhos diante da perversão do trabalho, da inversão de valores – onde o ter se
sobrepõe ao ser, da demagogia, corrupção, da exploração dos mais fracos, da
fome e falta de moradia, da pobreza e miséria, tudo isso num quadro de guerra e
violência?
Eu não sei se o que está aí e denominamos vida é
fantasia, projeção ou realidade verdadeira. Poderia ficar lamentando os erros
cometidos pelos humanos. Eles estão aí, como a lama na terra após um momento de
chuva. Eu sei, porque meus olhos não estão fechados e nem meus ouvidos estão
vedados. No entanto, esses erros são menores, valem menos que os acertos. O ser
humano não é, por natureza, ruim. O seu egoísmo resulta de uma má educação, que
pode ser reparada. O amor é uma força superior, embora seja muitas vezes
abafado, como na trágica história de Orfeu e Eurídice, porque – infelizmente -
as coisas ruins conseguem falar mais alto, aparecem mais. Por isso, quase passa
a ser estranho falar do sorriso de uma criança, da beleza da Natureza, dos
cuidados de uma mãe e seu amor incondicional, dos sonhos que se realizam, das
palavras amigas, do perdão, da beleza de uma pintura ou de uma música, das
pessoas que fazem o bem e trabalham pela Paz.
Enfim, tem razão o Jó das Escrituras,
quando diz: “Por que não saí num aborto escondido? A vida do homem sobre a
Terra é uma guerra. A minha carne está coberta de podridão e imundície do pó. A
minha pele está seca e enrugada. A minha fortaleza não é como a das pedras. Nem
minha carne é de bronze.”
Enfim, tem razão o Eclesiastes, quando, refletindo sobre
a vida, chega à seguinte resposta e conselho: “Vai e come teu pão com alegria,
bebe teu vinho com o coração alegre, pois tuas ações já foram há muito aprovadas
por Deus.... Tudo que possas fazer, faze com todas as forças.”
Etelvaldo Vieira de Melo
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