O RATO NÃO ROEU A ROUPA DA RAINHA

Não, não tenho nenhuma disposição de crítica quanto ao modo inglês de ser, muito pelo contrário. Olhando para meu histórico de vida, percebo heranças que remontam a acordos comerciais entre aquele reino e Portugal, quando o Brasil não passava de incipiente colônia.

Não haveria problema se eu assumisse uma postura ácida quanto ao tema, embora, dada a minha insignificância, isso não viesse a afetar a ordem das coisas. Contudo, na perspectiva do velho Protágoras de que sou a medida de todas as coisas, das que são enquanto são e das que não são enquanto não são, experimento um certo prazer – de mim para mim mesmo – ao saber que tenho o direito de ter opiniões extravagantes sobre qualquer assunto que seja.

Não é o caso da estimada Inglaterra, tirando algumas esquisitices que anoto no comportamento de seu povo. Mas vamos falar, primeiro, das reverências.

Na Literatura, relegando o ícone da dramaturgia William Shakespeare, destaco as lembranças de Charles Dickens, com seus romances de crítica social, notadamente Oliver Twist e David Copperfield, além de seus memoráveis contos de Natal; Thomas Hardy, com seu melancólico Judas, o Obscuro; W. Somerset Maugham, autor do clássico Servidão Humana.

Quase cometo o deslize de incluir A. J. Cronin nesta relação de escritores fantásticos, ele que foi autor de obras memoráveis que embalaram muitos sonhos de minha adolescência: A Cidadela, O Castelo do Homem sem Alma, Sob a Luz das Estrelas e tantos outros. É quando me dou conta que não se trata de um escritor inglês, mas escocês. Como na busca de compreensão do mistério da Santíssima Trindade, torna-se difícil para um simples mortal latino-americano, sem dinheiro no bolso e vindo do interior, entender que a Grã-Bretanha é uma das ilhas Britânicas, composta por Escócia, Inglaterra e País de Gales; juntamente com a Irlanda do Norte – além de outras ilhas menores e diversos territórios ultramarinhos - formam o Reino Unido.

No mundo do cinema, a Inglaterra se notabiliza com elenco de excepcionais atores: Julie Andrews, Albert Finney, Jeremy Irons, Boris Karloff, Vanessa Redgrave, Tim Roth, Peter Ustinov, Rachel Wisz, Kate Winslet e - por que não? – Elizabeth Taylor. Mas como deixar de mencionar Sarah Miles e seu desempenho em A Filha de Ryan? Como ignorar Jean Simmons, memorável em Spartacus e em Deus e o Pecado? Uma citação menor, mas de especial significado para mim e de quem guardava pedaços de película, é a da musa de minha adolescência Hayley Mills, que fez sucesso em filmes da Disney, destaque para Pollyanna.
           
E o que dizer dos diretores ingleses?
           
Por que não começar com o indescritível Charlie Chaplin, de O Garoto e Tempos Modernos? Como esquecer seu discurso em O Grande Ditador? Depois, vem a lembrança do mestre do suspense Alfred Hitchcock, de Os Pássaros, Um Corpo que Cai e Psicose. Depois, David Lean, com Lawrence da Arábia, Dr. Jivago e Passagem para a Índia. Termino essa relação com Ridley Scott, diretor de Prometheus, Gladiador e o diferenciado Blade Runner – O Caçador de Androides.
           
Terminando essa série de referências culturais, resta falar da música. A Inglaterra parece ser a nação que abriga maior quantidade de músicos por metro quadrado. É inumerável a quantidade de intérpretes e bandas. Exemplos? Podemos começar com aquela banda que foi a maior de todos os tempos, não só marcando a música como também os costumes: The Beatles. Mas existem outras e outros famosos: Black Sabbath, Coldplay, The Hollies, Led Zeppelin, Oasis, Pink Floyd, Status Quo, The Holling Stones, The Animals (pela música The House of the Rising Sun), ficando só no universo das bandas.
           
Os ingleses inventaram o futebol e a Inglaterra abriga as principais escuderias da Fórmula 1. Os eventos culturais e esportivos ali primam pela organização e qualidade. Daí, a nossa observação ciumenta e invejosa “pra inglês ver”, quando queremos algo pelo menos aparentemente bem cuidado.
           
No plano das esquisitices, chama a atenção o fato dos carros ingleses terem a direção do lado direito. Remonta esse costume ao tempo das carruagens, quando os cocheiros ficavam assentados do lado direito dos coches, para não trocarem agressões com chicotadas quando cruzassem com outros cocheiros? Sei que o costume das pessoas se cumprimentarem apertando as mãos se deve ao receio de serem agredidas com socos; por isso, o cuidado de segurar a mão do outro num aperto...
           
Outra coisa estranha e peculiar aos ingleses é a mania de aposta. A Inglaterra é chamada de reino das apostas. Em recente casamento real, tudo era motivo de apostas: se a noiva deixaria o noivo no altar, se o carro dela iria quebrar a caminho da igreja, quem seria o primeiro a chorar, se a mãe da noiva ou o cantor Elton John. A Bolsa de Apostas de Londres opera tanto quanto as Bolsas do Mercado Financeiro...
           
Mania de inglês é a de promover leilões até de coisas banais e insignificantes. Frequentemente, tomamos conhecimento de eventos em que peças íntimas de personalidades são leiloadas. Resumo da ópera: qualquer bugiganga passível de render algum trocado pode ser levada a leilão. Como os ingleses são exímios negociadores, peças encalhadas podem render bons dividendos. Assim, o vestido que Amy Winehouse usou na capa de Back to Black foi vendido pela bagatela 43.200 libras; o excêntrico artista plástico Damien Hirst leiloou um touro em tanque de formol, com cascos, chifres e cabeça coroada por um disco de ouro por US$18,6 milhões; um anuário com foto de Madonna aos 13 anos de idade foi a leilão na Casa Christie’s, com expectativa de venda no valor de R$4.900,00. A Casa também iria leiloar uma calçola usada pela artista no filme Procura-se Susan desesperadamente, de 1985, avaliada em R$2.600,00 (800 libras). Se um suposto dente de John Lennon foi arrematado por 10 mil libras em outubro de 2011 e colheres do navio Titanic, que afundou em 1912, foram vendidas como preciosidades, não é o caso de baixar desespero para alguém em dificuldade financeira. Basta descobrir, encontrar ou até mesmo inventar algo exótico e extravagante, enviar para uma Casa de Leilão na Inglaterra e torcer para obter bons dividendos.
           
Como minhas finanças não estão voando em céu de brigadeiro, estou propenso a estabelecer uma aposta. Em comemoração do Jubileu de Diamante da Rainha Elizabeth II, o mundo assistiu a eventos que realçavam uma peculiaridade do inglês: o culto da autoridade. Casualmente assisti ao desfile de carruagem real, acompanhada pela cavalariça. O locutor descrevia os cavalos que puxavam a carruagem. Nós, simples mortais, ficamos sabendo que eram da raça Cleveland Bay, o mais antigo dos cavalos nativos da Grã-Bretanha, cuja seleção enfrenta controles rígidos; que se trata de um cavalo de temperamento estável, versátil e resistente; que 30 desses cavalos são mantidos no estábulo real... Enquanto tantas informações relevantes eram repassadas, percebi que muita sujeira era deixada no asfalto. Pois bem, creio que alguém, após o desfile se deu ao trabalho de juntar um tanto daquele cocô e de guardá-lo em casa. Daqui a cem anos, um dos herdeiros irá levar aquela preciosidade para leilão, possivelmente na Christie’s. Minha aposta, na proporção de 3 para 1, é a de que isso vai ocorrer. Meus descendentes e os de meu opositor poderão acertar o resultado dessa disputa. No mais, God save the Queen!
Etelvaldo Vieira de Melo


2 comentários:

Anônimo disse...

Incrível!
Gostei!
Viva sua criatividade, sua cultura, seu vasto vocabulário e sua magnífica arte de escrever.
Quem escreve bem assim, no fundo sabe... que habita o mundo dos transformadores, porque ele toca corações e almas... penadas ou não...
Felizes aqueles que carregam em si a capacidade de mudar o mundo! Divulgue!Fale! Mostre!
Nina Assis (Pedro Leopoldo - MG)

Graça Rios disse...

Etelvaldo. Suas crônicas são esplêndidas. Aprendo muito com você. Muito obrigada. Graça.

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