MEA CULPA
Mal acabo de gestar um texto onde
falo de meu quase estado de alienação, quando vejo o país ser sacudido por uma
onda de manifestações e passeatas, como há muito tempo não se via.
Velhas raposas políticas passam a
ocupar espaço na mídia, convidadas a fazer uma leitura dos fatos. São raposas
que cuidam de seus galinheiros ou que estão de olho no galinheiro agora tomado
por outras.
Impressionante como nenhum desses
manifestantes chama atenção para o óbvio: o povo está cansado, cansado de tantos
desmandos, impunidade e corrupção, de passar vergonha, de ter que se
responsabilizar na escolha de políticos que cuidam dos próprios interesses ou
dos interesses da minoria que detém o poder econômico. O povo está cansado e
ele sabe que não basta fazer um remendo em um tecido velho e podre. Não basta
trocar figuras, personagens que irão repetir os mesmos scripts. O que já não
permite demora é uma reforma política, uma mudança nesse sistema, que dá
direito, por exemplo, a um cidadão que pode ser preso em 181 países do mundo,
ser eleito deputado federal. Caso
necessário, que se faça uma reforma constitucional e o país adote, de fato, um
regime presidencialista ou parlamentarista, onde um poder não é mais refém de
outro e não se torne usual o suborno, a compra de votos. Importa é que tenhamos
partidos fortes e representativos, uma classe política enxuta e saída de bases
distritais (e não mais paraquedista), que haja fidelidade partidária e que se
acabe com excrescências como as figuras do suplente, do vice e de duas câmaras
legislativas.
Aí está o texto produzido em
13/06/2013. Está prematuro, pois não passou por todo o processo de
amadurecimento, como normalmente faço acontecer. A urgência dos fatos me pede
para que seja postado agora, já.
Confesso: ando descuidado
com as notícias do país, ando me aproximando daquele terreno tenebroso que a
esquerda radical e raivosa de antigamente chamava de alienação. Pode você não
saber, mas se existia uma expressão que nos provocava arrepios era ser chamado
de alienado. Muitos dos que enchiam a boca para jogar esse termo na cara dos
outros até que se deram bem: recebem indenizações do governo, isto é, do povo
que paga os impostos, ou estão agarrados, quais carrapatos, em empregos
públicos e burocráticos.
Tenho um amigo que não
jogava nesse time de oportunistas, mas que carrega uma frustração de todo
tamanho, o trauma de não ter caído nos porões da ditadura. Se tivesse sido
preso pelo menos um dia, hoje estaria bem resolvido psicologicamente e com um
dinheirinho extra para aliviar suas agruras financeiras.
Estou, como disse
anteriormente, vivendo numa espécie de ilha da fantasia. Melhor assim. Quando
procurava, par e passo, acompanhar os desdobramentos do que acontecia no país,
era tomado por tamanha indignação, que chegava a passar mal. Minha revolta
começava com o próprio jornal que me repassava, usando de seus filtros, a sua
leitura dos fatos. Todos os dias, tinha eu que enviar mensagem de protesto
contra a forma tendenciosa de como as notícias eram apresentadas. A conclusão é
de que nunca se dignaram transcrever meu comentário em seu painel do leitor.
Agora, vez por outra,
assisto a um jornal de TV, ouço um noticiário no rádio ou dou uma garimpada nas
notícias pela Internet. É assim que me sinto razoavelmente inteirado do que
acontece, sem que meu frágil estado de saúde fique ainda mais abalado.
Estou na iminência de me
tornar aquele eleitor sonhado e idealizado por todos os políticos (claro que
com algumas exceções, o que faz parte da regra): um ser passivo e acomodado,
desinformado dos conchavos, das mutretas e falcatruas que o nosso sistema
político permite e abençoa. Eu disse: quase; não disse que sou. Por isso, é bom
que minhas palavras tenham crédito, pois elas traduzem, se fôssemos usar de uma
analogia geográfica, os sentimentos de alguém lá do interior do Amapá em
relação a Brasília, ou seja, quando abro a boca para reclamar alguma coisa é
porque a situação está pra lá de Bagdá, está pra lá de feia.
Eu sei, apesar dos pesares,
que devo buscar mais informações, mesmo que sejam aquelas expostas
gratuitamente nas bancas de jornal. Porque sei que não podemos dar trégua para
uma espécie humana que, por qualquer descuido, apronta das suas, aqueles que se
escondem por detrás de um verniz, aparentando ser o que não são, enrolando o
povo como se ele fosse bobina de motor. O poeta Mário Quintana fazia o mesmo
tipo de desabafo: em geral, os sorrisos (e discursos) mais encantadores que a
gente recebe na vida são os desses políticos em véspera de eleições. De dois em
dois anos, exercemos o direito de levar tapinhas amistosos nas costas, enquanto
os passeios das ruas ficam atulhados de cavaletes e nossas caixas de correio
entupidas de “santinhos”, como se fossem latas de lixo.
PS: Antes que você conclua
que apresento todos os sintomas de alguém mordido por um cão atacado de raiva,
esclareço (como procuro sempre tentar esclarecer, cf. Terrível, Assustador, Perigoso, crônica postada em 03/11/2012; Cada Cabeça, Uma Sentença, de 24/11/2012):
até disponho de grande simpatia para com o pensamento de Rousseau, de que o ser
humano é, por natureza, bom, mas a sociedade o corrompe. Portanto, não tenho
nada contra a pessoa do político; os sistemas eleitoral e político é que são os
vilões da história. Enquanto forem assim desse jeito, não há como produzir algo
que preste. A não ser como exceção, o que vem para confirmar o ditado, o de que
toda exceção tem uma regra.
Etelvaldo Vieira de
Melo
1 comentários:
Prezado cronista: "A regra é clara", diz um comentarista esportivo. Haja exceções nesse país... Sentir-se alienado nos dias de hoje, num mundo globalizado pela força da internet, é de doer. Estou aprendendo com você: a gente roda, roda, roda e roda e cai no famigerado "sistema". Sem mudanças radicais no "sistema" tudo terá sido em vão. Como você disse, mudar de fiigurinha de nada adianta. A cirurgia tem que ser radical para extirpar o mal pela raiz. estou aprendendo e me sinto menos perdido. Parabéns, mais uma vez, pelas sábias reflexões. Abraços.
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