VIÚVA-NEGRA

R
aimundinho de Geovita era um sujeito de muita artimanha, mais manha do que arte; sua idade era indefinida acima dos sessenta, mas demonstrava muita disposição, por causa da baixa estatura, um bigodinho saliente, um inseparável boné e um carrinho de mão, enquanto circulava pelas ruas do bairro, prestando serviço de capina nos quintais das casas.
           
Conheci Raimundinho por causa de uma limpeza no quintal de minha própria, indicado que foi por um vizinho, irmão seu de crença religiosa.
           
Logo fiquei sabendo de seu transtorno por estar casado com uma mulher que havia sofrido um derrame, estando entrevada em cadeira de roda.
           
Raimundinho falou do drama, dando a entender que o problema era mais sério para o seu lado, ele que se julgava com toda a disposição de ataque, já não mais podendo contar com a mulher para fazer as respectivas defesas.
           
Talvez em razão de seu impasse existencial, acabou desenvolvendo o hábito de terminar as frases com um risinho nervoso, que repicava por duas, três vezes. Certamente pela mesma razão, era só entusiasmo quando encontrava mocinhas de sua igreja, agindo igual a galinho novo em galinheiro cheinho de frangas.
           
Sem atentar para detalhes que abonavam seu comportamento, eu achava tudo aquilo muito estranho, especialmente quando não o via jogando conversa fora com outro homem, irmão de igreja que fosse. Mas eu pensava: Deixa pra lá, cada um sabe de si.
           
O tempo passou, como tudo na vida passa, e a mulher de Raimundinho partiu desta para aquela outra, deixando-lhe o sinal verde para que seu carro pudesse sair da primeira marcha, da qual estava refém até então.
           
Foi ele mesmo quem me contou tudo isso, tempos depois, com fisionomia aliviada, bigodinho aparado e pintado de preto (e sem o risinho aborrecido).
           
Para meu espanto, ele disse mais:
           
- Sabe que me casei novamente? Deixei a casa onde morava para meus filhos e estou morando na casa de minha esposa. Também voltei para meu antigo emprego de porteiro noturno.
           
Como aprecio algumas tiradas bíblicas, pensei comigo: Como bem diz o apóstolo, melhor casar do que abrasar. – Depois, olhando sua fisionomia satisfeita, de quem havia ganho uma partida de futebol e com o título de artilheiro: Não há nada nesta vida que não se ajeite, a não ser a morte.
           
Depois deste encontro, não vi mais Raimundinho. Tive notícias suas dias desses, quando me encontrei com um senhor amigo e, entre conversas de falar mal da vida alheia (um de meus inúmeros defeitos), fiquei sabendo de sua nova situação de vida.
           
Raimundinho havia se casado com uma mulher muito boa, excelente cozinheira. O detalhe preocupante é que ela já estava no seu quarto casamento, tendo todos os três maridos anteriores morrido de morte morrida, sendo o último deles pastor de sua própria igreja.
           
O senhor amigo me adiantou:
           
- Quando Raimundinho chega do serviço, deve tomar um banho e ir nuzinho para a cama com a mulher.
           
Ao ouvir aquilo, fui tomado de preocupação. Está certo que Raimundinho guardou muita lenha pra queimar, mas, no ritmo empreendido, vai acabar com o estoque logo. Coitado, não sabia que havia se casado com uma “viúva-negra”, aquela espécie aracnídea que devora os machos após o sexo. Alguém que seja mais íntimo de Raimundinho precisa alertá-lo do risco de vida que corre. Por acaso, estimado leitor, não seria você esse amigo?
Etelvaldo Vieira de Melo 

1 comentários:

Anônimo disse...

Boa!!!
Coitado do Raimundinho!
Prof. Marcos Soares

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