utro dia, encontrei o
Raimundinho da Geovita, sim, aquele mesmo que havia se casado com a
Viúva-Negra, tema de um relato já postado em 14/12/2013. Apesar de seu aparente
bom humor, notei seu semblante um tanto quanto abatido, com uma incipiente
barba branca, em contraste com o bigode ainda preto. Pensei: será que seu estoque de lenha anda no
fim e a Viúva-Negra já começou a devorar o pobre coitado?
Quando
me despedi, essa preocupação me acompanhou, junto com uma revelação que nos
mostra a sabedoria dos idosos:
_ Bem
dizia meu pai – falou Raimundinho, fazendo-se acompanhar de um sorriso maroto:
- Procure agradar sua mulher de todas as maneiras, varrendo a casa, lavando os
talheres, passando pano nos móveis, pois, quando pedir-lhe um beijinho, ela não
terá como negar!
Meu
amigo, aquele que anda tomado de dores por tudo quanto é lado, resmungou que na
casa dele não é assim, não. De minha parte, falei que ainda não havia pensado
no assunto daquela maneira, mas que sempre tivera o cuidado de agradar minha
mulher, com esse propósito, quem sabe, ainda gravado no plano inconsciente. Foi
então que me dei conta de uma das serventias da classe dos terapeutas: a de
trazer para o plano consciente aquilo que anda dormindo nos lugares mais
escondidos de nossa mente.
Sem mais
divagações, quero dizer que vivemos numa sociedade que cultua a juventude e a
aparência física. A indústria da beleza prospera a todo vapor e seu comércio se
multiplica. O ser humano enfrenta ferozmente a marcha do envelhecimento e só
entrega os pontos quando não tem mais jeito de fazer os remendos.
Minha
flor da juventude já foi linda, mas agora está murchando. Nesse momento, tento
ver as qualidades da fase mais madura à qual estou adentrando. Tirando a
rabugice, a língua solta e as dores que se espalham por todos os lados, a
maturidade tem muito de bom. Afinal, a vida, ao mesmo tempo em que tira muito
de nós, nos oferece sabedoria, que é sapiência, sabor, saber. Depois, com a
aposentadoria, você enterra de vez aquela máxima “engana trouxa” de que o
trabalho enobrece o ser humano. Quem inventou isso não sabe como é agradável
acordar numa segunda-feira como se fosse domingo.
Infelizmente,
como tudo se tornou descartável hoje em dia, a experiência de vida virou coisa
de se jogar no lixo. Vez por outra assisto a um filme, onde um problema crucial
de determinada comunidade é discutido e resolvido por um conselho de anciãos.
Pode ser que em sociedades secretas, isso exista entre nós, só que – até o
presente – ninguém me fez qualquer espécie de convite para participar de uma
delas.
Em
termos políticos, o Senado da República poderia ser algo assim, mas, por causa
de nosso Sistema, tornou-se cabide de emprego nada confiável. Os velhinhos que
ali sobrevivem nem mesmo se assumem como tais. Grande parte da produção das
tinturas de cabelo e bigode é para ali destinada, a fim de atender aos anseios
e desesperos de pessoas que buscam ostentar juventude.
Creio
que, se um político assumisse sua idade verdadeira, estaria dando um belo
exemplo para a sociedade, contribuindo para a valorização dos mais idosos.
Quando recorrem a tinturas, plásticas e botox, passam a mensagem subliminar de
que podem aprontar atos indecorosos, como pecadilhos de jovens. Caso
ostentassem seus reais cabelos e bigodes brancos, haveriam de ser reprimidos:
- Isso é
uma vergonha! Um senhor de cabelos brancos escondendo dinheiro na cueca!
Em
países da Europa, legislações tentam inibir publicidades que abusam de imagens
produzidas por Photoshop, já que elas enganam os consumidores. Nossos políticos
custam a engolir a petição popular da Ficha Limpa, mas eu quero mais: quero que
eles limpem suas caras e se tornem mais transparentes. Ficha Limpa e Cara
Limpa, para orgulho dos idosos e felicidade geral da Nação!
Etelvaldo Vieira de Melo