O GRANDE CIRCO BRASIL




CENÁRIO:       Picadeiro do Circo.
PERSONAGENS:   Palhaço, bailarina, engolidor de fogo, mágico,                   domador,equilibrista, mulher barbada, outros                      palhaços.
PALHAÇO: Senhores e senhoras,
         caldeirões e caçarolas,
         venho anunciar
         o Grande Circo Brasil.
         Agora no picadeiro,
         a nossa bailarina
         menina muito gentil.
BAILARINA: Sou a linda bailarina
           menina que dança
           sol, dó, ré.
           Sei fazer mil estrelinhas
           e ficar na ponta do pé.
           Olé!
PALHAÇO: Agora, meus senhores,
         o engolidor de fogo.
ENGOLIDOR DE FOGO: Dentro de minha barriga
                   ponho fogo e não me queimo.
                   Sou o artista do fogo
                   e com o fogo sempre teimo.
PALHAÇO: Aí vem o mágico!
MÁGICO: Vejam aqui estas flores
        e este anel.
        Vou botá-los no chapéu
        e retirar lencinhos
        cor-do-céu.
        Quedê o anel?
PALHAÇO: Recebam com alegria
         a magia do equilibrista.
EQUILIBRISTA: Equilibro-me no arame
              ou no ar.
              Minha função, cá do alto,
              é andar, andar, andar.
PALHAÇO: Eu, o palhaço,
         chamo ao palco
         o domador de feras.
DOMADOR: Pula no chão,
         leão!
Imagem: www.portalnco.com.br
         Entra na garrafa,
         girafa.
         Faça algum caco,
         macaco.
         Sobe no morro,
         cachorro.
         Come esse rato,
         seu gato.
         Eu sou o grande domador
         que às feras faz horror.
PALHAÇO: Admirem a mulher barbada,
         batam palmas
         à sua chegada.
MULHER BARBADA: Eu sou a mulher barbada
                que folia!
                Faço muita estrepolia
                e trago muita alegria.
PALHAÇO: Eis aí o nosso circo
         para criança brincar.
         Quem quiser cantar comigo
         pode começar a pular.
FINAL: (Desfile dos personagens,
       com música de circo).

AH, SENHORA LIBERDADE, ABRA AS ASAS SOBRE NÓS!

        Um amigo de bairro, que sumiu depois de ter se mudado para outro, tinha um grande senso de humor, apesar de ter ficado encostado do serviço por mais de ano, tudo por causa dos assaltos de que foi vítima, ele que era motorista de ônibus.
           
Esse amigo muitas vezes me falava assim:
           
- Desculpe eu ter de sair, mas é que estou num corrimento danado.
           
Ao que eu retrucava:
           
- Melhor você procurar um ginecologista, que com corrimento não se brinca.
           
Estou me lembrando dele não por causa do corrimento, mas da correria em que ando e que tem me afastado de muitas coisas.
           
Os afazeres domésticos, o acompanhamento de uma reforma no imóvel e os irrecusáveis jogos de videogame têm me afastado dos programas de TV. Ao pouco que assisto, salta aos olhos e assusta a quantidade de publicidade massiva sobre a Copa do Mundo. A propaganda é tanta que, fiquei sabendo, levou um parente, com mais de 60 anos de idade, a fazer coleção de figurinhas da Copa. Regularmente, lá estava ele no shopping da cidade onde reside, trocando figurinhas com crianças e adolescentes. Dia desses, completou seu álbum e, em conversa pelo telefone, me deixou a impressão de que haviam lhe tirado um pirulito da boca.
           
- Acho que vou fazer outro álbum – falou ele, depois de ter me contado haver doado as figurinhas repetidas para um menino, que ficou conhecendo em seus negócios de permuta.
           
Quis saber se utilizavam daquele expediente de nossos tempos de infância: o jogo de tampão. Não, eles não chegaram a isso. Como a cidade onde mora é reduto de espíritas e imagino que exista “campanha do quilo” pra tudo quanto é lado, sugeri que, aproveitando a onda do momento, lançasse a “campanha das figurinhas”, para abastecer os álbuns de crianças e adolescentes desafortunados.
           
Brincadeiras à parte, eu não fazia ideia de que o esquema da Copa fosse tão bem estruturado. Ele me faz lembrar aquelas campanhas de dedetização contra a dengue, com inseticida sendo borrifado pra tudo quanto é lado. Assim acontece com esse torneio da FIFA. Eu que, por princípio, odeio a Copa do Mundo, já me sinto balançando, sem muita convicção. Por trás de tudo está a publicidade orquestrada para levar a nocaute as resistências. Não demora muito e já estou dependurando a bandeira do país na janela de casa e me abastecendo com foguetes para espocar nas vitórias (caso isso venha a ocorrer, preciso providenciar um tampão para os ouvidos de Thor, nosso cãozinho de estimação).
           
Olho com muita desconfiança para essa tal de liberdade, esse dom maior da vida. Já dizia um cronista, há tempos, que chegará o dia em que a publicidade irá nos levar a comer grama, cacos de vidro e arame farpado. Em sentido figurado, ela já faz isso.
Etelvaldo Vieira de Melo  

CURRAL DEL REY


Belo Horizonte,
terra onde não se enfiam
os pés pelas mãos.
Gente nova, sorrisos batalhadores
vivos que se mostram
à jovem corrida do amanhecer.

Curral del Rey,
não a cidade dos políticos
que expulsam os pobres
para a fundação da capital
ou que anunciam a limpeza da Pampulha
e a deixam para a próxima gestão.

Belo Horizonte
que, apesar do crescimento,
continua meio roça
toda gente dizendo
uai, esse trem aí!

Belo Horizonte
história em quadrinhos
de frágeis super-heróis que se levantam
para ordenhar as fábricas
ou as escolas.
Imagem: www.metro.org.br

Embora seja pouco                                 
o dinheiro de muitos
ainda se desce a Floresta
para comer no Mercado Central
ou maldizer a vida no Maleta.

Belo Horizonte é a minha pátria
pertinho dos Inconfidentes
que se manifestam contra o Arrudas,
nos meses de dezembro.
Belo Horizonte, ainda seus mendigos
promovendo o folclore da pobreza.

Curral del Rey dos candidatos
que cheiram pó
e espirram caviar.
Mesmo assim eu te louvo
pelo sol que pinga
alguma luz sobre as faces humildes
e pela chuva
que às vezes sai derribando
Os barracos do morro
e as plantações dos fazendeiros.

Mesmo assim não vou para Pasárgada.
Belo Horizonte é o meu país
malgrado os andares que se amontoam
até que o povo cansado
escreve embaixo “Edifício”.

Belo Horizonte é onde eu
sempre classe B
tenho um travesseiro
para amaciar os sonhos.
Alegria, Alegria
como diz o Caetano.




PASTEL & PASTEL

       
D
e repente, vejo-me intrigado com o termo “pastel”. Fico sem entender como ele pode designar uma pessoa moleirona, molenga, preguiçosa, babaca (aquele que, entre outros defeitos, quer linhas de metrô até os estádios para o campeonato da FIFA [i]) já que, no seu sentido original, designa um delicioso petisco, um lanche que remedia a fome em muitas situações de emergência. Tanto é verdade que as cidades vivem abarrotadas de pastelarias. Fico sem entender como um termo pode designar conceitos tão distintos, um cheio de nobreza e deferência, o outro tão vulgar e pejorativo.
        
Quando o Muro de Berlim caiu para mim e outros colegas de internato, ou seja, quando fomos expulsos de um confinamento e obrigados a sobreviver comendo do pão conquistado á custo de nosso suor, tive três colegas que foram morar em uma república. Numa das visitas que lhes fiz, encontrei-os entusiasmados, devorando um prato de mingau de fubá, regado a folhas de couve. Pensei comigo, eu que não era dado a perceber de imediato as coisas: A vida anda difícil para esses meus amigos! Todos eles, hoje, já ultrapassaram a casa do milhão. Um deles, que já ultrapassou a casa do bilhão, naquela ocasião, além do mingau de fubá, vivia à custa de pastéis. Tenho uma vontade danada de ir até sua casa, levando uma porção de pastéis, só para ver sua reação, se ele demonstra um pouco de reconhecimento para aquele alimento que foi seu maná nos tempos de vida no deserto, agora que tem um cardápio que vai de caviar para cima.
        
Estive numa cidade turística do Estado de São Paulo, onde existe uma famosa pastelaria que presta homenagem a políticos, identificando com seus nomes os diferentes tipos de pastéis que produz. Assim, temos, por exemplo, um pastel que homenageia aquele político que não pode colocar o dedinho do pé fora do país, para não ir pro xilindró (presídio). Como todo turista acometido de bobeira, acabei comendo alguns daqueles pastéis, mal sabendo que poderia ter uma indigestão ou uma morte por envenenamento.
        
Agora, estou sabendo que, numa cidade turística do Sul Maravilha, existe uma pastelaria do gênero que homenageia artistas de cinema. Desse modo, as mulheres poderão saborear um Brad Pitt, um Bradley Cooper, um Johnny Depp, um Channing Tatum, um Leonardo diCaprio, um Ray Gosling ou um George Cloney. Tenho uma amiga que era apaixonada por Richard Gere. Se for para olhar com olhos de hoje, ele irá parecer um pastel frio, e não existe nada pior do que um pastel frio. Por isso, ele pode ser lembrado por seus melhores momentos, como seria o caso do Harrison Ford e até mesmo Tom Cruise, impecável nos tempos de Ases Indomáveis. Quanto ao rol feminino, os homens poderão se deliciar com uma Scarlett Johansson, uma Jennifer Lawrence, uma Emma Stone ou uma Charlize Theron. Deixando de lado os desgastes temporais, deve ser pra lá de bom um pastel de Ava Gardner, Ingrid Bergman, Elizabeth Taylor e um de Marilyn Monroe, fazendo justiça ao dito cujo em Quanto Mais Quente Melhor.

Etelvaldo Vieira de Melo




[i]  Por mim, gostaria que a FIFA se fifasse.

ODE AO BURGUÊS




Quem é essa mulher
no Facebook
parecendo louca
querendo fazer look
falando mal da classe
a que pertence
dizendo ódio
a tudo que se ofenda?
À classe média chama
inconsequente.
Ela, que é alta
nas literaturas,
como pode se pôr
nessas baixuras?

Ódio ao burguês,
diz ela, displicente,
pensando que sua fala
impunemente
não vai ter a resposta
em nota à mídia?

Ouça, senhora,
que a palavra falada
não perpasse
a fera gente
nunca indiferente.

Abaixo seu discurso,
viva a gente boa
que trabalha e produz
não anda à toa
dizendo à classe B
que seja A.

Por mais culta
que seja sua letra
pra nós é curta
e não se soletra
em frente à classe
média do país.

Pare essa boca,
Imagem: escrevalolaescreva.blogspot.com
cale essa palavra
que mais é pá
vazia, pois não lavra
o solo pátrio
e a brava classe média. 

A DISCRETA ARROGÂNCIA DA PEQUENA BURGUESIA (VERSÃO LIGHT)

            Eu odeio a classe média”: esta frase foi o estopim para uma onda de protestos nas redes sociais, com palavrões explodindo para todos os lados. Um deles passou tirando casquinha no telhado de casa e acertou um galho do pé de lichia no quintal. Thor, nosso cãozinho de estimação, sem ainda dispor da coragem e ferocidade de um adulto, saiu correndo sem destino, com o rabo entre as pernas. A origem de tudo foi uma palestra proferida por eminente intelectual, onde ela declarou – em alto e bom som – que odiava essa classe, a média. Ficou a eminente na iminência de um linchamento, tamanha a repercussão negativa à sua fala.
        
Como tenho uma índole pacifista, quero dar razão às duas partes do imbróglio. Vejo que a digna senhora, apesar de toda sua propriedade intelectual, atirou num bicho e acabou acertando outro. Quando ele se refere ao casal ostentando “um gigantesco carro prateado, um Mercedes”, evidente que ela não poderia designá-los como representantes da classe média. Eles representam, segundo minha terminologia, a pequena burguesia - exatamente o tema da presente postagem. O que ocorreu foi uma confusão semântica, onde as partes trocaram alhos por bugalhos, com representantes da classe média vestindo uma carapuça que não lhes era endereçada.
        
Assim, esperando estar contribuindo para o bem geral da nação, peço que os ânimos se acalmem e que as partes em conflito se cumprimentem, num gesto de fair-play, num avant-première do fenomenal campeonato mundial de futebol, que já bate às portas.
        
Quanto ao pequeno burguês, aqui está a sua descrição simples e acabada:   
                    

O compositor Martinho da Vila se defende da acusação de ser chamado de burguês, contando como foi difícil conseguir o seu “canudo de papel”, ou seja, o seu diploma universitário. Isso ele cantava na música “O Pequeno Burguês”. A letra mostra como, já naquele tempo de 1969, o termo “burguês” era objeto de desentendimento.
           

Segundo meu conceito, pequeno burguês é aquele cidadão que, por uma circunstância ou outra, subiu alguns degraus da escala social, sem, contudo, atingir o topo. Ele é pequeno justamente por ter escalado aqueles degraus. Esse é o diferencial primeiro do burguês legítimo, de nascença e de direito.
           
O pequeno burguês é portador de alguns cacoetes, trejeitos ou manias. Um deles é o da arrogância, que se manifesta não de uma forma virulenta, mas de maneira discreta, sutil. Isso não pode ser creditado à boa educação e aos bons princípios, já que não os possui. Simplesmente, é a maneira que ele utiliza para rir daqueles que estão degraus abaixo na escala social.
           
Você poderia perguntar, com razão, se toda pessoa que ascende socialmente se torna um pequeno burguês. A resposta é: não. Primeiro, porque é preciso atingir certo nível de cifrões; depois, muitos que sobem na escala social conseguem preservar valores como simplicidade e empatia.
           
Já o pequeno burguês é misantropo e gosta de ostentação. Só que, como lhe falta bom gosto, seus arranjos acabam se tornando feios e desalinhados. Como exemplo, os móveis de sua casa, apesar de caros, esteticamente são mal dispostos e acabam causando uma má impressão.
           
Pode ser que esta análise sociológica do pequeno burguês esteja toda errada, temperada que foi com notas psicológicas, desconsiderando os critérios de escolaridade e renda. Talvez eu estivesse pensando uma coisa, enquanto escrevia outra. Na verdade, eu queria era ser ofensivo com determinada pessoa e resolvi rotulá-la de “pequeno burguês”. Mas sei que existem pessoas assim, pessoas que, no jargão popular, “comem salame e arrotam caviar”. Elas se julgam os tais, são arrogantes e gostam de humilhar pessoas mais simples, nem que seja através de um olhar ou de um gesto.
           
Para que não pensem estar eu divagando, cito o exemplo de um amigo, Antenor da Cotinha, que, por contingência, foi até o casarão de um conhecido, desses que ascenderam socialmente, para quem eu usaria o rótulo de pequeno burguês.
           
Eles eram conhecidos de infância, só que Antenor parou como auxiliar em escritório de advocacia, enquanto que o outro subiu vários degraus do estrato social. Foi justamente a serviço que meu amigo chegou à casa do outro, levando-lhe alguns papéis para serem assinados.
           
Quando lá chegou, meu amigo foi recebido de maneira fria e formal: um aperto de mão que era um chega pra lá, não me venha com intimidades.
           
Antenor estranhou aquele tratamento frio e, durante o tempo em que permaneceu na casa do outro, a recepção continuou com monossílabos e silêncios irritantes.
           
A arquitetura da casa copiava a dos burgueses, com ambientes de grandes salões para refeições e festas, salas de música e de leitura. No escritório, estava uma cadelinha, dessas emplumadas, com fitinhas e outros adereços. Assim que ela avistou o Antenor, desandou a latir raivosamente. Meu amigo quis saber o porquê de tanto nervosismo, ao que o outro respondeu, candidamente:
           
- Ela está assim porque detesta visitas.
           
Este é um exemplo de arrogância. Meu amigo chega a pensar que aquele pequeno burguês combinou um código secreto com o cão para afastar visitas inconvenientes. Ele observou que, por alguns momentos, o outro alisava o lóbulo da orelha esquerda. Estava ali um código de comando para o cachorro latir e expulsar a visita indesejada.
           
É por esta e por outras que só tenho uma expressão para adjetivar meus sentimentos para com esses indivíduos: Odeio a pequena burguesia!
Etelvaldo Vieira de Melo





MÃE DUAS VEZES



                                                             

Ser avó de longe
morando a neta no Maranhão
torna-se um desmanchar
fibra por fibra todo dia
o coração.

Pelo MSM
lá está ela, Clara,
a neta preferida
(mesmo porque é a única)
mostrando seus brinquedos
e dentinhos novos
Imagem: jornaljanelaaberta.blogspot.com
para a mais que mãe,
avó.

A avó
promete enviar um gato,
da mesma maneira
como enviou um cão skatista
pelo Sedex.

- Vem, vovó, no Dia das Mães.
Vovó não pode,
só irá em outubro
para o aniversário.

A bela diz:
- Está longe, vó.
E a vó não sabe
se longe no tempo
ou no espaço.

Mas, neste Dia das Mães,
recebe o afeto
que se encerra
no peito da garotinha.

Enquanto não se dá o encontro,
vão as bênçãos e os beijos
da mamamãe cheia de graça. 

CORAÇÃO MATERNO

D
e repente, neste espaço blogosférico (coberto de nuvens), deixei de lado as referências humanas e passei a olhar para outras espécies animais, notadamente a raça canina.
        
Acho que fica tudo do mesmo tamanho, pois, como dizia um ex-ministro, de péssima memória, “cachorro é também um ser humano”.
        
Thor - não aquele deus da mitologia nórdica, mas o cãozinho que recebemos de herança da irmã de minha esposa - tem uma história de vida pequena (ele só tem dois meses), mas de muita lição de humanidade e sabedoria.
        
Sua árvore genealógica é assim constituída: sua mãe se chama Bebel e sua avó, Tequinha – duas vira-latas; o pai, Zau, é da raça Sharpei, de origem chinesa, todo enrugado e que aparenta um aspecto de cansaço e tristeza. E os galhos da árvore de Thor terminam por aqui, já que não possui pedigree.
        
O marida da irmã de minha esposa fala que Zau só tem dez minutos de lucidez canina durante o dia: cinco minutos pela manhã e cinco à noite, quando devora sua fatia de pão. Deve ter sido nesse espaço de tempo que ele fez o favor de engravidar mãe e filha (acho que ficou sem pão naqueles dias, como acontece em lares onde falta televisão). Bebel teve uma ninhada de cinco filhotes, sendo um natimorto; Tequinha teve outros cinco.
        
Além da dificuldade de designar o parentesco entre os nove filhotes, chamou minha atenção o fato de terem compartilhado o leite das duas mães. Como Thor era filho da primeira ninhada, ele se destacava pela ferocidade com que procurava as tetas, ora da mãe, ora da avó. Fiquei observando isso de longe, quando fomos ao sítio, porque sabia que, se me aproximasse, estaria irremediavelmente amarrado por laços afetivos. E eu não queria saber de cachorro, mesmo porque minha esposa gosta de cuidar de jardim, fato que a indispõe com essa espécie. O que aconteceu, no final de tudo, é que ela ficou sensibilizada com o aperto da irmã e resolveu adotar um filhote.
        
Enquanto Bebel e Tequinha dividiam seus leites, Zau ficava observando a cena de longe, aparentando ar de indiferença, como se não tivesse nada a ver com a confusão que havia sido criada.
        
Este fato passaria batido pela minha cabeça se não fosse associado a outro, esse a envolver seres humanos. Estava eu ao telefone, conversando com uma amiga, de quem havia perdido contato há muito tempo. E seu histórico de vida é bastante original.
        
Seu pai teve filhos com sua esposa e com outra mulher, que trabalhava em sua casa. As duas combinavam tanto que, quando ele morreu - e elas se separaram - os filhos ficaram trocados, Essa minha amiga, por exemplo, foi morar com a mãe de outros filhos, enquanto que esses outros ficaram com sua mãe.
        
Enquanto conversávamos, ela me falou ter administrado a construção de um prédio, onde os apartamentos foram divididos entre os irmãos.
        
Ponderei que isso não pode dar certo, que parente é bom quando mora bem longe e a gente se vê vez por outra. Minha amiga discordou; para ela, quanto mais juntinhos estiverem os irmãos, melhor será. Sei que ela tem lá suas razões. Afinal, ela foi criada por duas mães - de direito e de fato.
        
Estas considerações são deixadas aqui na data em que se comemora o Dia das Mães. Gostaria que o exemplo da família de minha amiga servisse de lição para muitos filhos que fazem pouco caso de suas mães. Quantos existem que se preocupam com a saúde e o bem estar de seus cãezinhos de estimação, enquanto suas próprias mães são esquecidas!

O amor materno é, via de regra, incondicional, enquanto o amor dos filhos, muitas vezes, acontece na hora errada, quando não tem como consertar.  O amor é gratuito, não se prende a obrigações. Uma mãe, apesar de mãe, é um ser humano que tem sentimentos. Pode parecer que não, mas ela quer ser amada e se sentir amada. Ela espera, sim, gestos de afeto dos filhos, mas que sejam simples, para não incomodar, para não dar trabalho.

- Mãe, estou ligando pra dizer “alô”, pra dizer que amo você.

Um gesto desses, que não vai machucá-lo, deixará sua mãe feliz pro resto da vida.

Etelvaldo Vieira de Melo
         

CARTILHA


                              

Olhe para mim.
Eu estou caído aqui,
embriagado e pobre
quero ser humano.

Eu estou caído aqui
e você passa
(nem disfarça)
Imagem:menacemovimento.blogspot.com.br
com sua indiferença
e preconceito.

Olhe para mim.
Caído aqui,
sem teto e sem voto,
enquanto você ganha
roubando nas eleições.

Olhe para mim.
Eu sou pária social
o doente, a escória
que tanto o envergonham.

Eu não posso falar,
porque não tenho voz
nem opinião.
De qualquer forma
estou aqui atrapalhando
o seu domingão.

É chato
você ter o seu emprego,
o seu talão de cheques
que eu ameaço roubar.

Se tiver jeito,
escape do comum dos homens
e observe que eu estou aqui,
caído, 
sem esperar ninguém
para me levantar.

PARA A CLASSE POLÍTICA, AFETUOSAMENTE

Em ano eleitoral, político pula mais que milho de pipoca em frigideira quente.

Como não existe pessoa mais agradável que um político em véspera de eleição, é preciso considerar que isso lhe custa caro, não só em termos monetários, como no dispêndio de esforço físico, no corre-corre para atender uma agenda com compromissos ultrapassando as 24 horas do dia e tantas coisas mais. Sem considerar a montagem do sorriso 3D, o lustra-móveis passado no rosto e o cuidado preventivo para com os calos das mãos, em decorrência dos cumprimentos aos eleitores.

Condoído com tanto aperto, andei pesquisando ditados populares apropriados ao contexto, procurando ser útil a essa nobre classe, que enobrece, cada vez mais, nosso valoroso Brasil. Ei-los:

01 – Se é “de grão em grão que a galinha enche o papo”, lembre-se que, de voto em voto, você poderá, depois, encher os bolsos ou as cuecas.

02 – Eleição é um jogo de vale tudo, onde “os fins justificam os meios”. Por isso, não se acanhe em fazer um agradozinho para aqueles que se disponham a serem eleitores de cabresto.

03 – Esconda suas reais intenções. Nesse sistema eleitoral que temos, “quem vê cara não vê coração”. Por isso, capriche no visual, pois eleitores gostam de gente bonita. Invista numa plástica ou num botox.

04 – “Em poço que tem piranha, macaco bebe água com canudinho”. Eleitor não é piranha, nem macaco; ele é um pobre coitado. Piranhas são seus concorrentes; portanto, cuidado com seu rabo.

05 – “Quem tudo quer, tudo perde”. Modere sua ambição, pois nem sempre você poderá recorrer a um recurso infringente para livrá-lo da degola.

06 – 07 – 08 – Três em um: Antes do resultado oficial, não pense que as eleições já são “favas contadas”, pois – com essa tal de urna eletrônica – é preciso “colocar as barbas de molho”; além disso, “prudência e caldo de galinha não fazem mal a ninguém”.

09 – Como bem diz a marchinha de carnaval: vai com jeito, se não um dia a casa cai. Dois provérbios a preço de um: “Bezerro manso mama na mãe dele e nas dos outros” e “Quando a carroça anda é que as melancias se ajeitam”.

10 – Política se faz com dinheiro e idealismo de mais dinheiro. Quanto à verdade, não se preocupe: “Quando o dinheiro fala, a verdade se cala”.

11 – Existe um provérbio judeu que diz: “Não se aproxime de uma cabra pela frente, de um cavalo por trás ou de um idiota por qualquer dos lados”. Tudo bem, quanto ao cavalo e a cabra. Já o idiota, veja se está portando um título de eleitor. Se estiver, pode se aproximar sem susto, com direito a dar-lhe tapinhas nas costas.
Etelvaldo Vieira de Melo