“Eu odeio a
classe média”: esta frase foi o estopim para uma onda de protestos nas
redes sociais, com palavrões explodindo para todos os lados. Um deles passou
tirando casquinha no telhado de casa e acertou um galho do pé de lichia no
quintal. Thor, nosso cãozinho de estimação, sem ainda dispor da coragem e
ferocidade de um adulto, saiu correndo sem destino, com o rabo entre as pernas. A origem
de tudo foi uma palestra proferida por eminente intelectual, onde ela declarou
– em alto e bom som – que odiava essa classe, a média. Ficou a eminente na iminência
de um linchamento, tamanha a repercussão negativa à sua fala.
Como
tenho uma índole pacifista, quero dar razão às duas partes do imbróglio. Vejo
que a digna senhora, apesar de toda sua propriedade intelectual, atirou num
bicho e acabou acertando outro. Quando ele se refere ao casal ostentando “um gigantesco carro prateado, um Mercedes”,
evidente que ela não poderia designá-los como representantes da classe média.
Eles representam, segundo minha terminologia, a pequena burguesia - exatamente
o tema da presente postagem. O que ocorreu foi uma confusão semântica, onde as
partes trocaram alhos por bugalhos, com representantes da classe média vestindo
uma carapuça que não lhes era endereçada.
Assim,
esperando estar contribuindo para o bem geral da nação, peço que os ânimos se
acalmem e que as partes em conflito se cumprimentem, num gesto de fair-play,
num avant-première do fenomenal campeonato mundial de futebol, que já bate às
portas.
Quanto ao
pequeno burguês, aqui está a sua descrição simples e acabada:
O
compositor Martinho da Vila se defende da acusação de ser chamado de burguês,
contando como foi difícil conseguir o seu “canudo de papel”, ou seja, o seu
diploma universitário. Isso ele cantava na música “O Pequeno Burguês”. A letra mostra como, já naquele tempo
de 1969, o termo “burguês” era objeto de desentendimento.
Segundo
meu conceito, pequeno burguês é aquele cidadão que, por uma circunstância ou
outra, subiu alguns degraus da escala social, sem, contudo, atingir o topo. Ele
é pequeno justamente por ter escalado aqueles degraus. Esse é o diferencial
primeiro do burguês legítimo, de nascença e de direito.
O
pequeno burguês é portador de alguns cacoetes, trejeitos ou manias. Um deles é
o da arrogância, que se manifesta não de uma forma virulenta, mas de maneira
discreta, sutil. Isso não pode ser creditado à boa educação e aos bons
princípios, já que não os possui. Simplesmente, é a maneira que ele utiliza
para rir daqueles que estão degraus abaixo na escala social.
Você
poderia perguntar, com razão, se toda pessoa que ascende socialmente se torna
um pequeno burguês. A resposta é: não. Primeiro, porque é preciso atingir certo
nível de cifrões; depois, muitos que sobem na escala social conseguem preservar
valores como simplicidade e empatia.
Já o
pequeno burguês é misantropo e gosta de ostentação. Só que, como lhe falta bom
gosto, seus arranjos acabam se tornando feios e desalinhados. Como exemplo, os
móveis de sua casa, apesar de caros, esteticamente são mal dispostos e acabam
causando uma má impressão.
Pode
ser que esta análise sociológica do pequeno burguês esteja toda errada,
temperada que foi com notas psicológicas, desconsiderando os critérios de
escolaridade e renda. Talvez eu estivesse pensando uma coisa, enquanto escrevia
outra. Na verdade, eu queria era ser ofensivo com determinada pessoa e resolvi
rotulá-la de “pequeno burguês”. Mas sei que existem pessoas assim, pessoas que,
no jargão popular, “comem salame e arrotam caviar”. Elas se julgam os tais, são
arrogantes e gostam de humilhar pessoas mais simples, nem que seja através de
um olhar ou de um gesto.
Para
que não pensem estar eu divagando, cito o exemplo de um amigo, Antenor da
Cotinha, que, por contingência, foi até o casarão de um conhecido, desses que
ascenderam socialmente, para quem eu usaria o rótulo de pequeno burguês.
Eles
eram conhecidos de infância, só que Antenor parou como auxiliar em escritório
de advocacia, enquanto que o outro subiu vários degraus do estrato social. Foi
justamente a serviço que meu amigo chegou à casa do outro, levando-lhe alguns
papéis para serem assinados.
Quando
lá chegou, meu amigo foi recebido de maneira fria e formal: um aperto de mão
que era um chega pra lá, não me venha com intimidades.
Antenor
estranhou aquele tratamento frio e, durante o tempo em que permaneceu na casa
do outro, a recepção continuou com monossílabos e silêncios irritantes.
A
arquitetura da casa copiava a dos burgueses, com ambientes de grandes salões
para refeições e festas, salas de música e de leitura. No escritório, estava uma
cadelinha, dessas emplumadas, com fitinhas e outros adereços. Assim que ela
avistou o Antenor, desandou a latir raivosamente. Meu amigo quis saber o porquê
de tanto nervosismo, ao que o outro respondeu, candidamente:
- Ela
está assim porque detesta visitas.
Este é
um exemplo de arrogância. Meu amigo chega a pensar que aquele pequeno burguês
combinou um código secreto com o cão para afastar visitas inconvenientes. Ele
observou que, por alguns momentos, o outro alisava o lóbulo da orelha esquerda.
Estava ali um código de comando para o cachorro latir e expulsar a visita
indesejada.
É por
esta e por outras que só tenho uma expressão para adjetivar meus sentimentos
para com esses indivíduos: Odeio a
pequena burguesia!
Etelvaldo Vieira de Melo
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