PIMENTA NOS OLHOS DOS OUTROS


M
elidônio Ferrara, morando “onde não mora ninguém, onde não passa ninguém, onde não vive ninguém”, sente-se razoavelmente confortável para falar o que “lhe dá na telha”, isto é, o que bem quiser, sem se preocupar com a veracidade de suas palavras.
            Assim, ele recorre ao Dalai Lama, pedindo-lhe emprestados os termos “compaixão” e “empatia”. Pensando bem, ele quer mais: quer que o guru venha ao Brasil ministrar uma série de palestras sobre o tema compaixão, tentando sensibilizar o brasileiro para as agruras alheias.
            Que vai ser duro de roer tentar amolecer o coração do povo, isso vai. Melidônio chega à suposição de que o Dalai vai gastar todo seu estoque de cândido sorriso. Quanto ao resultado final, o tempo dirá.
            Por enquanto, Melidônio anda colhendo uma decepção atrás da outra, quando vê que ninguém se toca com suas aperturas. Até o Amador (que ama a dor – segundo expressão do Cleber), aquele da “Atração Fatal”, postagem de 13/04/2013, pessoa de grande coração, outro dia, falava que quase tivera um derrame cerebral, com sua pressão arterial indo lá nas alturas. Quando Melidônio falou que havia tido um infarto, o outro ponderou, rapidamente, sem querer maiores detalhes:
            - Foi um infartozinho à toa, não é mesmo? – e continuou a discorrer sobre suas próprias mazelas.
            Melidônio confabulou com seus botões: “Bem diz o ditado que pimenta nos olhos dos outros é colírio”. E arrematou o pensamento: “Até tu, Amadeus?”.
            Outros já deram mostras de insensibilidade, como foi o caso do Floriano Fatiota, aquele do bode velho, personagem de postagem em 22/03/2014. Estava ele fazendo um serviço na residência de Melidônio, quando este foi chamado ao portão. Tratava-se de Clotoaldo Ribelino, um rapazinho que se acostumara a retirar o entulho da calçada a troco de alguns trocados e de um cafezinho com pão. Melidônio explicou ao dito cujo que seria melhor esperar um pouco até que o volume de entulho fosse maior. E perguntou: “- Quer um cafezinho com pão?”, ao que o outro respondeu: “- Quero, sim”.
            Melidônio buscou o lanche, mas, na hora de descer o lance de três degraus da escada, escorregou, levando o maior tombo, caindo de costas e batendo com a cabeça no piso da área. Os ajudantes de Floriano acorreram e levantaram Melidônio, pálido feito uma cal – de susto e de dor.
            Quando ficou sabendo do acidente, Floriano (que estava nos fundos da casa), ao invés de mostrar condolência e preocupação, foi logo dizendo:
            - O meu tombo foi pior do que o seu. Caí de cima de uma escada e bati com a cabeça numa tampa de caixa d’água.
            Melidônio pensou: “- Pode ser que seu acidente tenha sido mais grave, mas é o meu que está na parada de sucesso; o seu é água passada”. Essa falta de apoio moral deixa Melidônio aborrecido.
            É na soma desses pequenos detalhes que Melidônio resolve recorrer aos préstimos de Dalai Lama. O país gasta horrores com segurança e policiamento, quase tudo a troco de nada.
            Falando de policiamento e querendo chegar a um desfecho para esta dissertação, Melidônio lembra que foi abordado no centro da cidade por um senhor, que lhe perguntou:
            - Por acaso, polícia é bom para dor de garganta?
            - Sei lá – respondeu Melidônio. – Por que a pergunta?
            - Porque – falou, rindo, o outro – esbarrei sem querer num jovem e ele me falou: “- Quando eu chamar a polícia, você, velho, vai ver o que é bom para tosse”.
            Melidônio aguarda ansioso a visita do Dalai Lama. O país vive um clima de violência, de agressividade sem igual. Insufladas por parte da imprensa, sensacionalista e inconsequente, pessoas influenciáveis fazem linchamento de mãe de família; por causa da ganância e de um egoísmo exacerbado, mulher envenena enteado. O país parece estar sentado sobre um barril de pólvora. Não será dinheiro que irá nos tirar dessa. Porque tudo é uma questão de ética, uma questão de valores e que começa com um gesto simples de julgar que “pimenta nos olhos dos outros é colírio”. Mais do que polícia, o país necessita de compaixão, conclui Melidônio Ferrara.
            Etelvaldo Vieira de Melo


            

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