TRÊS PASSOS PARA FRENTE, UM DE LADO

E
stava Alterliano todo entusiasmado, comentando com seu amigo Elidério as novidades de seu dia:
           

- Como está sabendo, voltei a fazer Análise, e hoje foi um dia especial. Sou uma pessoa impulsiva, não avalio as condições do momento e tomo atitudes erradas. Por isso, foi extremamente proveitoso o terapeuta ter me repassado a Técnica das Três Competências (TTC).
           
- E quais são essas competências? – quis saber Elidério.
           
- A terminologia é um pouco complicada, mas acredito que seja assim:
           
1ª) Sensibilidade Situacional – onde você procura contextualizar o fato, buscando compreendê-lo em todos os seus ângulos, fazendo uma leitura adequada das demandas;
           
2ª) Flexibilidade de Estilos – quando analisa as diferentes posturas possíveis de serem tomadas;
           
3ª) Gestão Situacional – quando, após refletir sobre a situação de conflito e ter escolhido a mais adequada alternativa de ação, você parte efetivamente para uma intervenção de mudança.
           
- Entendi sua explanação – disse Elidério. – Gostaria que me repassasse um exemplo concreto, se possível.
           
- Veja você que, no Dia das Mães, minha esposa levantou, segundo expressão antiga, com a “avó atrás do toco”. Ela estava muito aborrecida e eu não sabia explica o porquê daquilo. Pensei comigo: “- O que fiz de errado?”. Como não encontrava resposta, achei que nosso relacionamento estava “indo pro brejo”, isto é, estava acabado. Fiquei deprimido e comecei a somatizar aquilo: palpitação, dormência nos pés, suor frio. Só no dia seguinte é que a situação foi esclarecida. Minha esposa era muito ligada à mãe, já falecida, e foi precisamente no Dia das Mães que seu pai, com quem ela se dava às mil maravilhas, também morreu. Conclusão: aquela data não lhe trazia boas lembranças; daí, o seu mau humor e aborrecimento. Se eu tivesse aplicado a Técnica das Três Competências (TTC), teria me saído melhor. Eu tinha conhecimento de seu histórico de vida, seria fácil ter uma sensibilidade situacional, saberia como me posicionar diante do fato, além de ter tomado uma atitude condizente com o que acontecia.
           
- Brilhante a sua colocação, meu amigo – falou Elidério. – Só um detalhe é que lhe escapa.
           

- Qual? – quis saber, curioso, Alterliano.
           
- Que essa terminologia rebuscada nada mais é do que uma roupagem nova para o velho Ver, Julgar e Agir de seu tempo de JOC e Ação Católica.
           
- Caramba! Não é que você tem razão?
           
- Quero dizer que devemos levar mais a sério a Lei de Lavoisier (na natureza, nada se cria, nada se perde, tudo se transforma) e a máxima de Chacrinha (nada se cria, tudo se copia), sendo esta uma cópia daquela. Não importa. A propósito, minha amiga Isaurina diz que ser original é saber a quem copiar.
           
- Muito engraçada essa ideia de que a história se repete.
           
- Você quer saber onde está o princípio de tudo? Esses métodos nada mais são do que a explicitação da inteligência humana.
           
- Um exemplo, por favor.
           
- Vamos supor que exista um adolescente chamado Juquinha e que esteja estudando, enquanto ouve uma Rádio FM tocando músicas orquestradas. Isso é apenas uma suposição, principalmente a ideia de ter um adolescente estudando. De repente, o rádio fica mudo e Juquinha se pergunta: “- O que aconteceu?”. Antes de ligar para a distribuidora de energia ou pegar uma chave de fenda para desmontar o rádio (e depois não saber onde recolocar tanto parafuso), Juquinha vai até o Quadro de Distribuição de Energia (QDE) e constata um fusível queimado. Como não havia um sobressalente, faz uma ligação direta, tomando o cuidado de anotar a compra de fusíveis para reposição. Depois, volta a estudar, ouvindo as músicas do rádio. Isso, caro Alterliano, que é ser “inteligente”: interrogar-se sobre uma situação, buscar compreendê-la e agir em consequência. É daí que brotam todas as invenções e todos os métodos, inclusive os terapêuticos.
           
- Gostaria de saber, meu caro Elidério, se eu posso aplicar esse método, TTC, na política, numa situação eleitoral, por exemplo.
           
- É possível, mas existe um problema: como o sistema eleitoral coloca os políticos afastados dos eleitores, fica difícil a sensibilidade situacional e, por consequência, o voto consciente. É por isso que um ex-esportista disse que o brasileiro não sabe votar. Ele não pode saber mesmo, nesse contexto.
           
- Elidério, eu gostaria de repassar esta nossa conversa para o Avercílio, para que ele a postasse no Blog (ele que se encontra acometido de insônia, sem Rivotril que dê conta, buscando ansiosamente material para suas crônicas). Acontece que nossa conversa tem um tom muito sério. Você não tem um exemplo leve para ilustrar a TTC?
           
- Pois não, caro Alterliano. Estava eu e minha esposa no interior de um supermercado. Um outro casal estava em frente ao caixa e discutia aparentemente sobre a conveniência de levar um produto. Eles aparentavam um ar de mau humor, o que levaria outras pessoas a julgá-los chatos e aborrecidos.  Desenvolvendo uma Sensibilidade Situacional, procurei visualizar o produto que tinham à mão: era um desentupidor à base de soda cáustica, cujo nome não vou mencionar (para não fazer publicidade gratuita). Quanto à Flexibilidade de Estilos, considerei que não há nada mais desagradável do que um vaso sanitário entupido numa manhã de domingo (era domingo). Daí, entendi perfeitamente o mau humor e o ar de aborrecimento do casal. E a Gestão Situacional, quer saber? Caso eu conhecesse e tivesse intimidade com o casal, poderia ajudá-los na avaliação do produto ou na sugestão de outras alternativas. Como se tratava de ilustres desconhecidos, tratei de passar adiante, com os olhos abaixados, só fazendo esse comentário com minha esposa; “- Quem vê cara não vê coração; bem sabemos que não existe coisa mais aborrecida do que uma rede de esgoto entupida, especialmente numa manhã de domingo”.
Etelvaldo Vieira de Melo  

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