Quando
inverto o ditado, estou falando em nome da Sociedade Protetora dos Animais,
embora ninguém me tenha dado procuração para tal. Meu propósito é resgatar a
dignidade de um animal que tem sua imagem deturpada por questão de... burrice.
O texto também passa sem reprovação pelo novo acordo ortográfico entre os
países de língua portuguesa, com ressalva apenas quanto ao uso do hífen, cujas
regras quase sempre me deixam com a “pulga atrás da orelha”.
Quando
um burro empaca, querem crer que faz isso por teimosia; ninguém se dá conta de
que ele esteja praticando um ato inteligente. Existe uma razão que o faz parar,
mas que não é compreendida pelas pessoas movidas pela ignorância. Como ninguém
lhe pergunta “Por que parou? Parou por quê?”, o mal-entendido (!) fica
estabelecido e a má fama se alastra. Não é próprio do burro cometer burrice;
burrice é achar que ela, a burrice, seja próprio do burro. Não é. O burro age
com inteligência, pois só comete uma burrice por vez, enquanto os humanos, ao
cometerem um erro, o repetem por duas ou mais vezes.
Muitos
exemplos de burrice podem ser encontrados num esporte muito apreciado pela
maioria da população: o futebol.
No
mundo do futebol, as maiores burrices são praticadas pelo torcedor, a começar
pelo fato de ser torcedor, um sofredor: ele sofre pelo seu time, chegando a
verter lágrimas, gasta horrores indo aos campos (no caso do Brasil, sendo
tratado com toda falta de respeito), vê dirigentes nacionais e internacionais
cometendo toda espécie de roubalheira, usando do futebol – assim como locutores
esportivos e ex-jogadores – como trampolins para carreiras políticas, perde
tempo acompanhando o noticiário esportivo, tudo a troco de algumas alegrias
pífias que evaporam na próxima derrota ou no próximo torneio. Tudo isso sem
contar as chateações das torcidas rivais. Os torcedores merecem que os
jogadores de seus times não só desfilem pelos gramados, mas que comam a grama
efetivamente, tais as cifras astronômicas que acabam em seus bolsos.
Não
comete burrice uma espécie de mulher, chamada de maria-chuteira (!), que se
aproxima do jogador e, na primeira oportunidade, o fisga, como se ele fosse um
panaca. Depois, passa a frequentar as redes sociais, exibindo o corpo como a
dizer: “Vocês falam que eu me vendi, mas vejam com seus olhos se não valho o
quanto peso”.
Gosto
de futebol, cometo a burrice de ser torcedor de um time desde os tempos em que
seus jogadores eram formados nas categorias de base, no tempo em que as
transações eram raríssimas. Hoje, um jogador está beijando uma camisa; amanhã,
lá está ele beijando a camisa do maior rival. Tem jogador que já cometeu a
façanha de passar por mais de vinte clubes.
Técnico
consegue ainda maior façanha, experimentando o gosto de quase todas as torcidas
do país. Consegue também cometer muitas burrices.
O
atual técnico do time pelo qual torço (ia escrever “meu time”) insistiu com um
zagueiro que sempre entregava os jogos. Até o dia em que se deu conta do
tamanho de sua burrice. Entretanto, acabou trocando uma burrice por outra:
colocou na zaga outro jogador em péssima fase.
Todo
jogador, assim como a Lua, tem suas fases. Tem vez em que está na fase da lua
cheia, jogando um bolão, mas tem outras em que está na minguante, com a bola
murcha. Como a fase do jogador muda repentinamente, cabe ao técnico ter o
desconfiômetro ligado para efetivar as substituições. O que ele faz? Por ser
medroso, comete a burrice de fazer as trocas já passados 15 e 30 minutos do
segundo tempo, quando a porteira já está aberta e a vaca foi pro brejo.
Tentando segurar um placar, coloca todo mundo na defesa (e todo mundo fala que
a melhor defesa é o ataque); tomando um gol, tira os jogadores do meio e enche
o ataque, achando que pode fazer ligação direta entre defesa e ataque. Outra
burrice: ligação direta é coisa de eletricista ou de “gato”.
Maior
burrice é insistir com jogador que mostra estar em fase minguante aguda. No
entanto, quer o técnico provar para a imprensa e para a torcida que ele é um
cara coerente, que prestigia seus atletas. Baboseira. Na realidade, ele está
“queimando” jogadores, indispondo-os com os torcedores. Ao invés de coerência,
seu atestado é de burrice. Falta-lhe humildade para reconhecer seus erros e
reconhecer que os torcedores sempre têm razão, mesmo estando errados.
Burrice,
ao final, é algo que ocorre com todo ser humano: um presidente na escolha de
seus ministros e os eleitores na escolha de seus dirigentes, um diretor
escolhendo seus assessores, as decisões que tomamos. Como não damos “o braço a
torcer”, insistimos na burrice, dando com os burros n’água. Por isso é que
digo: insistir no erro não é coisa de burro, mas de humano.
PS:
Assim que acabei de produzir o texto, fiquei sabendo que o técnico em questão
havia sido demitido. Como nos romances policiais, onde os mordomos são sempre
os primeiros suspeitos (romances policiais ingleses – pois é só lá na
Inglaterra que encontramos essa categoria de profissional), no futebol,quando
um time sofre uma série de derrotas, o técnico, além de suspeito, acaba sendo
demitido. Burrice da diretoria? O tempo, que é “senhor da razão” (não é mesmo,
senhor ex-presidente?) haverá de dizer.
Etelvaldo
Vieira de Melo