ROENDO OSSO


Para que não fique no ar a suspeita que minha vida gira em torno de cachorros ou, o que é pior, que dou mais valor a essa espécie animal do que ao ser humano, prometo que tal assunto será tratado aqui pela última vez. Ou, pelo menos, por enquanto.
Em um programa de TV, um adestrador de cães disse: “Os cães não são aprendizes, eles são professores”. Passando pelas ruas de meu bairro, vi um poodle toy ser conduzido por sua dona (cuidadora). A cada metro, ele parava para focinhar alguma coisa. Tenho certeza de que, ao final do passeio, ele terá feito grandes descobertas, mas não sei se poderei dizer o mesmo de sua cuidadora. É esta a lição que acabo de aprender com aquele professorzinho: cultivar a curiosidade, prestar atenção em tudo que for possível.
            Casualmente, estava eu indo até uma casa de ração comprar um daqueles ossos bem grandes para o felino que mora lá em casa, o Thor. Para justificar a compra, falei uma coisa que me pareceu ser a maior besteira:
            - Olha – disse ao dono do estabelecimento – isto não é para mim, não, viu? Estou levando este osso para o cachorro lá de casa, que anda com uma coceira danada nos dentes, mordendo tudo que vê pela frente. Quero ver se, assim, ele se acalma.
            Quando Thor viu aquele ossão, senti em sua expressão uma dúvida, que tornou seu rosto ainda mais enrugado, como se isso fosse possível: “Será que vou dar conta de destroçar isto que você está me oferecendo?”.
            

           Como tenho procurado decodificar os ditos e expressões populares, lembrei-me daquela do “osso duro pra roer”. Ela é lembrada quando alguém enfrenta uma situação difícil, daquela que exige muito esforço para resolver.
            Enquanto Thor tem pela frente um osso duro de roer de fato, muitas vezes, enfrentamos situações difíceis de roer, em sentido figurado. Um exemplo de osso duro ocorre de dois em dois anos, quando somos intimados, obrigados a exercer nosso direito democrático de votar na escolha de nossos dirigentes e legisladores. Em outras circunstâncias, seria um motivo de prazer e orgulho, mas, por enquanto, por causa dos sistemas eleitoral e político, não deixa de ser um osso duro votar na menos ruim das opções.
            Com tal exemplo, fica sem justificativa aquele olhar de deboche, ou dó, do vendedor, achando que eu não estava bem da cabeça, falando aquilo que falei.
Quando eu tentei lhe explicar que a gente, vira e mexe, encontra um osso duro de roer, o dono do pet shop acabou entendendo a frase em sentido literal. Ele disse:
            - Sim, a gente também rói osso. Quando chegar em casa, vou roer um junto com uma cervejinha.
            - Não, estou falando em sentido figurado – corrigi.
            - Ah, está certo! Durante o dia, estou eu aqui na loja “roendo osso”. Na vida, todos temos nossos ossos pra roer.
            Foi, então, que aprendi esta segunda lição com os cachorros: eles não se incomodam em ter que roer osso, parece até que gostam de fazer tanto esforço. Por analogia, se temos que roer ossos, precisamos entender que muitos desses “ossos duros de roer”, fazem parte de nosso aprendizado e de nosso processo de amadurecimento.
            Muitos pais fazem de tudo para que seus filhos não tenham que “roer ossos”. Conclusão: quando é de todo impossível deixar de roer um, a criança, o adolescente ou o jovem não dá conta, acaba quebrando os dentes!
Etelvaldo Vieira de Melo 








            

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