PELAS RUAS DO BAIRRO, EM UM SÁBADO

  
N
este sábado em questão, tive que sair da cama mais cedo, por volta das 8:40 (madrugada para os meus padrões), já que teria a manhã tomada por compromissos; entre eles, o de passar na casa de ração comprar um comprimido para o Thor, que apresentava um quadro de baixa imunidade, com suspeita de cinomose ou outra doença que ataca filhotes de cães.
Em frente ao Pet Shop, havia uma barraca de plástico; ali dentro, num quadril, estavam uma meia dúzia de seis cães, entre eles um - não sei se macho ou fêmea - de porte elegante e rara beleza. Devia estar pensando: “Como é cruel a vida de um animal, ter que se sujeitar à humilhação de mendigar uma casa onde morar!” O Thorzinho, perto dele, parece um Frankenstein, o que destaca a sabedoria das palavras de Saint-Exupéry: “Foi o tempo que perdeste com tua rosa que a tornou tão importante”. Assim acontece com os animais de estimação, assim acontece nas amizades e no amor.
            Tão nobres pensamentos foram danificados, quando eu me perguntei o porquê de tamanha filantropia dos pet shops, preocupados em arranjar um lar para cães abandonados e órfãos. Somando um mais um, concluí que tudo aquilo acontecia porque iria proporcionar dividendos com a venda de rações, medicamentos e atendimentos veterinários. Tive, então, que concordar com um ex-amigo, que tem como máxima o princípio de que em toda ação há uma oculta razão.
            Saindo da casa de ração, passei num frango assado e comprei um feijão tropeiro para incrementar o almoço do dia. Depois foi a vez de um sacolão, onde comprei legumes, um tanto de frutas e folhas. Ali eu me deparei com a degradação da batata inglesa, que estava chegando a preços aviltantes. Coitada, logo aquela que era descendente das terras da rainha-mãe! Será por que ela não conseguia manter a dignidade, como tão bem sabem fazer o cará e a banana? O cará sempre manteve seu preço lá nas alturas; a banana, desde que os políticos começaram a dar (banana) para o povo, também se manteve em níveis elevados.
            No sacolão, esbarrei com o Raimundinho da Jeovita, aquele que se casou com a Viúva-Negra. Olhei bem pra sua fisionomia tentando visualizar uma ameaça de internação em UTI, mas vi que ele se encontrava ainda bem disposto.
            Não sei por que, mas o Raimundinho acha que não regulo bem da cabeça, pois, toda vez que a gente se encontra, ele tem que repetir: Você sabe, depois que fiquei viúvo, arranjei uma namoradinha e a gente, bem, a gente se casou.
            No encontro deste sábado, estava interessado em comprar um tanto de mandioca, “uma das maiores conquistas do Brasil” – segundo ouvi dizer. Ele disse que, da última vez, a mulher havia feito um caldinho de mandioca com umas carnes cozidas. Estava muito bom, ainda mais tendo tomado um tanto de vinho. Como provocação, falei:
            - Aí, subiu...
            - Subiu tudo – falou ele, dando aquela risadinha nervosa, uma de suas características.
            Voltando para casa, esbarrei com aquele senhor, aquele das cinzas de sabugo de milho misturadas com sal grosso, o bode velho que queria capim novo.  Ele estava próximo a uma pequena floricultura. Como o Dia dos Namorados havia sido comemorado por aqueles dias, ainda estava afixado no portal de entrada da loja este poema, que faço o favor de transcrever:
Imagem: sobre Píramo e Tisbe / Texto: etelvaldo v melo

 Quando quase alcançava o portão de casa, fui assaltado por um cão, tentando abocanhar o tropeiro.  Por pouco, o almoço especial de sábado não foi embora, roubando a alegria de um texto que celebrava aquele dia tão especial que, no dizer do poeta Vinícius... “todos os namorados estão de mãos entrelaçadas, todos os maridos estão funcionando regularmente, todas as mulheres estão atentas... porque hoje é sábado”.
Etelvaldo Vieira de Melo


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