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O Professor de Redação mandou que eu
botasse pra fora o animal que existe dentro de mim:
- Liberte o animal que existe em você –
vociferou ele!
Fiquei por longo tempo pensando com os meus botões (de onde
será que veio esta expressão esquisita?), tentando encontrar um animal com quem
me identificasse. Por princípio, descartei os animais selvagens. Acho o mundo
deles muito selvagem, com um querendo comer o outro, cada um tendo que comer
pra não ser comido – ou seja (e possíveis leitores de mente poluída não façam
inferências maliciosas): no mundo animal, é “matar
ou morrer”, numa alusão ao famoso western estrelado por Gary Cooper.
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Definitivamente, pelo que vejo nos
programas de TV, esses animais não têm um minuto de sossego, vivem em
permanente estado de tensão. Talvez exista um que fuja à regra, e que seria o
caso das hienas. Entretanto, uma hiena é a última coisa que eu queria ser na
vida: aquele animal feio, horroroso, e que, ainda mais, fica dando risada. Uma
hiena ri porque ninguém ainda teve a ideia de colocar na sua frente um espelho.
Se ela se visse no espelho, iria chorar amargamente, quem sabe, chegando ao
ponto de dar um tiro na própria cabeça. Vai ser feia assim lá no caixa-prego!
Entre os animais domésticos, existem os
jumentos, cavalos, burros e bois. A possibilidade de ser um boi não é de todo
ruim, caso eu dê crédito ao Madurino Cruz que, quando vai até Iguaçu, tem tido
longas e agradáveis conversas com a vaca Mimosa, aquela de olhar afetuoso.
Quanto a ser burro, precisei de um
tempo para pesquisar seu sentido. Por princípio, confundia burro com o asno, o
que não tinha nada a ver. Debruçado em
laboriosa pesquisa, para atender às exigências intelectuais dos leitores, vi: quando
um jumento (asno) “pula a cerca” e cruza com uma égua, nasce uma mula ou um
burro; quando uma jumenta cruza com um cavalo, sai um bardoto. Estou falando
isto por duas razões: primeira, restabelecer a dignidade dos jumentos, jegues
ou anos; segunda, dizer que os burros, as mulas e os bardotos são os párias na
escala animal, ao ponto de serem estéreis. Portanto, quando quiser, de fato,
falar mal de alguém, chame-o de burro, mula ou bardoto, já que jumento (ou
asno) não é burro coisíssima nenhuma (as éguas que o digam). Fechando a
estafante pesquisa, quero dizer que descarto a possibilidade de ser um burro;
um jumento, talvez.
Agora, retomando o fio da meada, que
quase havia se partido por causa de preocupações genealógicas, o que eu não
gostaria é de ser um cachorro. Está certo que muitos deles atingiram patamares
de astros, estrelas. Já foi o tempo em que o cão comia o pão que o diabo
amassou com o rabo. Agora, ele come de caviar para cima, com o quilo de ração
ultrapassando o preço do filé mignon.
Depois, tem mais um detalhe
desabonador: de tanto conviver com os humanos, os cães começaram a adquirir
suas neuroses. Outro dia, fiquei sabendo, um pequeno burguês, chegando de uma
viagem internacional de passeio, teve que levar correndo seu animalzinho de
estimação ao psiquiatra, pois apresentava sintomas de stress e depressão. Está,
agora, o queridinho, fazendo terapia, com duas sessões semanais.
Quando estudante, meu tio Elidério
quase foi expulso do colégio. Um dia, ele foi chamado à sala do diretor. Esse
lhe disse:
- Os bedéis falam que você é um
adolescente autossuficiente, indiferente e revoltado. Estou pensando seriamente
em expulsá-lo do colégio.
Não fez isso porque nem ele mesmo sabia
o significado do termo “autossuficiente”. O diretor ficou na dúvida se aquilo
era uma crítica ou um elogio. Meu tio foi salvo por um termo obscuro.
Voltando à minha pesquisa de um animal
confiável, creio que o gato reúne esses predicados ditos acima. Além disso, ele
é afetuoso, gosta de passar o rabo entre as pernas das pessoas, é tido como o
maior amigo dos poetas (!), é discreto, muito diferente do cachorro, que faz de
tudo para chamar a atenção e, no fim, acaba passando a perna nos próprios
antigos donos, agora chamados tutores.
O gato também fica muito na dele, tem
um senso de independência que admiro. O inconveniente é, como sempre, a
proximidade dos humanos e o risco de virar carne para churrasco.
Chegando aos termos, lembro-me de
Pierre Weil quando disse que cada ser humano carrega dentro de si estes três
animais: um boi, um leão e uma águia. Talvez por isso a vida seja essa luta
irreconciliável do indivíduo consigo mesmo em busca de uma paz inalcançável,
com o boi arrebentando com a camada de ozônio, a águia dando bicadas no leão,
que tenta comer o boi. Quando chega à outra margem, o sujeito está em
frangalhos, sem nenhum tipo de conclusão sobre o que veio fazer aqui deste lado
do rio.
De minha parte, eu já disse, em tempos
passados, que tudo é relativo, até o pronome relativo. Se
está certa a teoria da transmigração, fazem bem os hindus que cultuam animais,
notadamente os bois, as vacas e os ratos. Se for de todo impossível driblar a
ordem do professor de redação, vou me mandar para a Índia na pele de um desses
animais.
Etelvaldo
Vieira de Melo
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