Prezado
Leiturino:
A razão desta carta é particular,
mas, por falar de um tema provocativo, acho por bem torná-la de domínio
público.
Estarei falando de meu amigo
Elidério e de seu descrédito em relação a um dos valores mais cultuados pelo
ser humano: a amizade.
Elidério chegou a um ponto da vida
em que passou a duvidar da existência desse sentimento, e tudo por causa de uma
decepção grave com uma pessoa que ele tinha na conta de grande amigo, o Maurilênio.
Como provocação, eu lhe pergunto,
Leiturino: acredita você na amizade sincera? Ou será que você acredita que as
pessoas só se aproximam das outras movidas por interesses?
No fundo e a bem da verdade, acho
que estou me precipitando ao fazer estas indagações. Melhor será narrar os
fatos, para que você tire suas próprias conclusões.
A amizade entre Elidério e
Maurilênio começou na adolescência e perdurou por muitos anos, já adultos. Em
certos momentos, por razões profissionais, ficaram alguns anos sem se ver, mas
sempre procuravam repassar notícias um para o outro. Nos últimos anos, ficaram
bem próximos, tendo, inclusive, feito juntos várias viagens de passeio.
Anos atrás, Maurilênio propôs a
Elidério escreverem um livro. Tinha ele relações com editores, fazendo crer não
ser difícil encontrar um que levasse em frente a publicação do trabalho.
Elidério se entusiasmou com a proposta, logo dando conta da parte que lhe
coube.
Foi então que Maurilênio começou um
jogo de protelar a ida até a editora, fato que deixava o amigo cada vez mais
frustrado.
Como a situação não se resolvia,
Elidério resolveu publicar por conta própria o que havia escrito. Mas ele
precisava de alguém para fazer uma revisão do texto. Pediu esse favor ao
Maurilênio que, mais uma vez, ficou adiando sua avaliação. Adiou tanto até
Elidério perder a paciência:
- Sinto muito ter tomado o seu tempo
– falou ele, certo dia, estando sentados á mesa em sua casa. – Peço-lhe
desculpas por querer que você se ocupe com coisas menores, insignificantes.
No fundo e a bem da verdade, foi a
partir daí que eles cortaram as relações, não mais se falaram.
Elidério recorreu, então, a uma
ex-cunhada que, prestativa, fez a revisão e o prefácio do livro, editado com
recursos particulares.
- Que coisa feia a atitude do
Maurilênio, enchendo a cabeça de Elidério de promessas não cumpridas! – estou,
aqui, falando por você, Leiturino.
- Mas isso não foi tão ruim –
haveria de ponderar o Elidério. – Acabou que eu mesmo banquei a edição do
livro.
A partir de agora, Leiturino,
transcrevo um diálogo que tive com Elidério.
- Que ótimo! – falei. No fundo e a
bem da verdade, quer dizer que valeu o ditado “há males que vêm para bem”.
- Em termos, porque, como não tenho
jeito para vendas, o livro saiu pouco e acabei tendo prejuízo financeiro.
- Que pena! Isto é ruim, deveras.
- Mas não, não foi tão ruim assim.
Teve uma amiga que, ela só, comprou cinquenta exemplares para presentear alguns
conhecidos, fazendo questão de pagar o dobro do valor de cada livro. Ela disse
que o preço que eu cobrava era irrisório, muito aquém do valor real.
- Que bom! Só por essa, teria valido
todo seu sacrifício.
- Embora tenha tido o caso de uma
pessoa que, mesmo tendo recebido o livro como doação (contrariando o ditado “de
cavalo dado não se olha os dentes”), achou que eu estava ofendendo o povo de minha
cidade natal em um dos textos, quando disse que o cinema de lá tinha pulga, além
de falar outros desaforos.
- Que coisa! Um escritor está
sujeito a ouvir elogios e críticas.
- Como desdobramento – falou
Elidério – acabei fazendo parceria com minha ex-cunhada e criamos um blog, que, no próximo vinte e seis de outubro, completa três anos de vida, tendo, só eu, publicado 156 crônicas.
- Isso é que é coisa boa, não é
mesmo?
- Em termos, pois não conseguimos
expandir o número de leitores, o que não deixa de ser frustrante.
- Está aí uma coisa chata.
- Pode ser, mas eu penso que escrevo
para as “nuvens”, isto é, para leitores do futuro. E tem também a frase dita
por minha parceira que eu acho bonita: “escrever é a arte de resistir”, embora
eu não saiba a que estou resistindo.
- Esta frase é meio enigmática, mas,
no frigir dos ovos, tudo acaba bem, não é mesmo?
- Sei não. Com os escritos, passei a
frequentar ambientes literários.
- Que ótimo!
- Foi lá que me dei conta de que
escritores são ególatras, não suportam concorrência. Quando são especialistas
em gêneros diferentes, até que há certa tolerância; agora, quando são do mesmo
gênero, aí eles não se bicam mesmo.
- Puxa, eu não sabia desta!
- É o que acontece. Quando você lê
entrevista de um escritor, ele só tem elogios para os que estão mortos e enterrados.
Estou falando assim porque tem escritor morto, mas que ainda não foi enterrado.
- É, eu li, tempos atrás, entrevista
de um famoso que, perguntado sobre os autores que admira, só teve elogios para
Shakespeare e outros que se foram há muito tempo; para os atuais, nem uma
palavrinha de elogio.
- É o que você está vendo.
- Pelo que consta, estou vendo
também que a falta de consideração e respeito é generalizada. Daí, no fundo e a
bem da verdade, eu não entender sua mágoa com Maurilênio.
- Eu não estou magoado de maneira
séria. É só uma magoazinha e, pelo que você viu, a enrolação do Maurilênio
acabou me proporcionando alguns bens. Eu quero que você conte isso para o
Leiturino, para que ele repasse ao Maurilênio.
- Algum outro recado?
- Pode dizer que tive um infarto,
mas que me recuperei bem.
- Algo mais?
- Pode falar também que fizemos,
minha esposa e eu, juntamente com sua irmã e marido, um passeio até a Europa,
com visita a três países.
- Você está falando isto para deixar
o Maurilênio mordendo o dedo de raiva e inveja?
- Absolutamente. Ele é muito mais
viajado que eu. Meu currículo de viagens é fichinha diante dele. Mas fala
também do livro, só a parte boa: que a capa ficou bonita e a impressão bem
feita. Não se esqueça de mencionar o blog, que já teve acesso de leitores de
vários países.
- Estou achando que você pede para
dizer estas coisas porque está se sentindo magoado.
- Que nada! Estou bem, mas não faz
mal deixar o Maurilênio com um pouco de sentimento de culpa. Fala para o
Leiturno não se esquecer de mencionar que minha filha já está terminando a
segunda residência médica, que ela já passou num concurso da Prefeitura.
- Algo mais?
- Aproveita para dizer que fizemos
uma reforma na casa (o Maurilênio gostava muito de passar umas horas aqui); ela
ficou tão acolhedora que muitas pessoas dizem que nem preciso sair para buscar
distração e descanso.
Leiturino, este foi o teor de minha
conversa com Elidério. Peço-lhe o favor de repassar todas estas informações
para o Maurilênio.
Quanto à minha opinião, no fundo e a
bem da verdade, eu creio que uma amizade sincera só mesmo naquela música de
Renato Teixeira, que estou lhe enviando em anexo, via Youtube. As pessoas
tendem a tolher o potencial dos amigos, por não acreditar em suas capacidades.
Não foi isso que ocorreu quando Maurilênio desacreditou da capacidade do Eleutério?
Será que não existe amizade com pesos iguais, tendo sempre um que se destacar?
Será que nossos piores inimigos são os nossos amigos?
Desculpe, Leiturino, mas, depois da
conversa com Elidério, minha cabeça anda um tanto confusa, ainda amais com esse calor de "rachar mamona" e estorricar os neurônios. No fundo e a bem da
verdade, não seriam todos os humanos ególatras? Será que só poderei encontrar
amor sincero no cãozinho lá de casa, o Thor? Pensando em tudo isso, estou me
lembrando da frase pronunciada pelo Maurilênio, ele próprio: “As pessoas só se
aproximam de você motivadas por secretos interesses. Em outras palavras, não
existe amizade desinteressada”. Estas foram as suas palavras, no fundo e a bem
da verdade.
Etelvaldo
Vieira de Melo
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