FLORES DO CERRADO

Imagem: floresdocerrado.fot.br

Cipó amargoso

Cipó amargoso
      que vais, docemente,
           subindo e descendo
                em  longa espiral
                     aonde tu vais
                          com tantos botões
                               de flores de cores
                          deixando no ar
                     as folhas ovadas
                chamando das estrelas 
           ararinhas-azuis
      asas-brancas
 e Marias-faceiras
                                   para brincar?

       


Imagem: floresquecuram.wordpress.com
       
DORME- DORME

Malícia-de-mulher
arranhadeira
não-me-toque :
mimosa pudica
                             posso desmaiar.         


CARTA PARA UM VELHO AMIGO



Para Teixeira
Caro amigo,
Cá estou eu me servindo deste prosaico e convencional meio de comunicação, uma carta, quando os avanços tecnológicos poderiam nos colocar frente a frente, com os recursos de vozes e até de imagens.
Entretanto, por razões que irei alinhavar em seguida, prefiro me “esconder” atrás de uma carta, quando não sei qual o seu tipo de resposta. Como sou um cara pra lá de medroso, dependendo do conteúdo de seu retorno (se houver), poderei sofrer um abalo ainda maior na minha abalada e combalida saúde. Os termos se equivalem? Estou cometendo um pleonasmo? Que seja, mas que tal redundância lhe sirva de alerta para os danos que poderá me causar.
Primeiro ponto: como haveria de dizer Belchior, ainda sou o mesmo, e só não continuo como meus pais porque eles viveram em épocas tão remotas, que não tem como transportar aquele jeito para os dias atuais, tantas foram as mudanças.
Mas continuo o mesmo dos tempos de convivência. Até mesmo quanto ao físico, costumo ouvir de pessoa que ficou longo tempo sem me ver: “Você continua o mesmo, não mudou nada!”. Ou ele fala isso para “dourar a pílula”, amenizar a dor de uma revelação verdadeira e crua, ou, por um distúrbio funcional, nunca, até recentemente, consegui me ver como sou de fato. Quanto estou frente a um espelho, o que sei é que minha imagem refletida tem me desagradado cada vez mais.
Do ponto de vista psicológico, creio que me tornei uma versão melhorada de mim mesmo. A primeira constatação que salta aos olhos, ou melhor, que fere os ouvidos de quem está à minha frente: como minha fluidez verbal evoluiu! Creio que em decorrência do tempo (que parece lavar nossa vergonha e timidez), sinto minha língua se tornar cada vez mais solta e descontraída. Corro o risco, dependendo do assunto, de falar “pelos cotovelos” – uma expressão usada para nomear aqueles que sofrem de verborragia.
Associado a essa fluidez verbal, noto que meu retardo mental (os especialistas o designam “prolapso de fim de curso”) tem melhorado consideravelmente. Quando alguém me fala algo desagradável, sou capaz de dar um revide de imediato, coisa que era impossível nos tempos de juventude.
Esta nova característica – reverso do verso que já fui: uma pessoa monossilábica, mais ouvinte do que falante – pode não lhe ser agradável, talvez prefira que eu continue na versão mono, eu que já passei da fase estéreo e vivencio, agora, a versão dolby digital.
Mas você pode ficar sossegado, pois não abandonei de vez a capacidade auditiva. Se acha que estou falando demais, isso se deve ao recurso que utilizo para me comunicar com você: uma carta, que não deixa de ser um monólogo, por mais dialógica que seja sua tentativa.
Saber ouvir é uma grande coisa, talvez uma das melhores da vida. E foi você, meu caro amigo, quem me ensinou essa preciosidade. Meus familiares costumam rir de mim, quando pego alguém pela frente e começo a usar de seu método um tanto quanto socrático. Aquele tinha o propósito de busca da verdade, enquanto o seu incentivava o outro a falar, a se apresentar, a se expor.
Você continua assim? Ou será que o tempo acabou com sua paciência e, na pressa de resultados palpáveis, você passou a prescrever receitas e formulários?
Não sei, estou falando isto porque, nos raros contatos que tivemos, você me repassou mensagens de terceiros, quando poderia falar por você mesmo ou, então, usar de sua técnica de “botar a língua dos outros pra fora”, para que eu dissesse aquilo que é importante. Para ser franco, não gostei nem um pouco de sua nova versão. Só espero que esteja fazendo um juízo incorreto.
Você tem uma história de vida rica e que admiro profundamente. Ao longo do tempo, pode até ter feito uma ou outra opção equivocada, pode ter feito leituras da realidade incorretas (coisas que faço de montão), mas nunca deixou de ser aquilo que importava: honesto, sincero. De nosso tempo de convivência, só tenho lembrança de um defeito seu: quando ia coar café, tinha mania de colocar o pó misturado com a água a ser fervida – uma coisa que não se faz e que aprendi depois, desenvolvendo algumas habilidades culinárias.
A honestidade é um valor pra lá de importante, não acha? Faz muita falta no mundo de hoje, quando fica relegada a segundo plano sob a argumentação de que os fins justificam os meios. Quando alguém abre mão da honestidade está abrindo portas para corrupção, conchavos espúrios, toda sorte de coisa errada e que mancha a história de qualquer um.
Agir com honestidade não é garantia de que os resultados serão perfeitos, mas a honestidade sempre deixa algo de bom. E foi isso que você fez ao longo de suas caminhadas: plantou boas sementes, que haverão de germinar, mais dia, menos dia.
Pois bem, estou chegando ao fim desta carta. O propósito principal (mesmo sendo repetitivo – cacoete de professor) é de deixar registrada minha admiração pelo seu jeito de ser e pela sua história de vida. Se for de alguma serventia, junto com um grande abraço, estou lhe enviando também os votos de que tenha muita felicidade, um termo genérico para designar tudo de bom que a gente pode imaginar e viver.

Etelvaldo Vieira de Melo


OUTRAS FLORES DO CERRADO

imagem: biologo.com.br

Mangaba (hancornia speciosa)


Lá vêm os mariposos

polinizar as mangabas.

As levadas abrem as pétalas ( cinco!)

e unidas na base

chamam os esposos:

- Venham, venham.

Os mariposos pousam suas asas

nas flores pálidas de (a) gosto.

Depois se vão, speciosos,

isto, formosos, formosos,

cobertos de perfumes

brancos, calorosos.



Imagem; pirenopolis.tur.br
UMBURUÇU


Na Trilha do Vale da Lua,
contempla o  umburuçu
a paisagem ressecada.
A Chapada dos Veadeiros
surge escaldada pelo fogo,
mas a flor permanece  
alerta e pranteada.
_ Onde estão os homens
que mataram as plantas?
O umburuçu conhece
os vilões de ontem.
A face prateada
dos pistilos
está em guarda
 e encontra no luar
os vestígios dos dragões.         


ENCICLOPÉDIA DE DITADOS POPULARES (VOLUME III)

Imagem: ofunil.blogspot.com


Muitos dos ditados populares surgem assim por acaso, sem nenhuma intenção ou propósito. Caem no domínio público e se alastram como jerimum.
Falo isto tendo por base o que aconteceu na ferraria do Osvaldo Faspalha. Tratava-se de um galpão coberto com folhas de zinco. Um forno ficava ao fundo; ao lado havia uma espécie de mesa de ferro, junto a marretas e bigornas; dependuradas em varais estavam muitas ferraduras; um armário, com muitas bugigangas e um rádio em cima, ficava escorado bem distante do forno. Na entrada, uma tabuleta com os dizeres:
Osvaldinho ferreiro – cervissos onesto.
Foi ele, o Osvaldo, em determinado dia, colocar um jogo de ferraduras no burro que era usado nas lidas diárias, o Celestino. Quando não tinha nada pra fazer, Osvaldinho o arrendava para vizinhos e interessados. No dia anterior, tinha sido alugado pelo Jorjão, para o carreto de cascalho. O Jorjão, preguiçoso como ele só, além de entupir a carroça de cascalho, ainda teve o atrevimento de fazer as viagens sentado com sua bunda e tudo na boleia. Quando foi devolvido à tarde, o Celestino estava arriado, isto é, com meio metro de língua pra fora, tanto o seu cansaço. Estava, no entanto, cumprindo sua sina de “trabalhar pra burro”.
Antes de ajeitar os cravos e as ferraduras, Osvaldinho passou na cozinha de casa para tomar um gole de café, tentando com isso espantar a ressaca, ele que, na noite anterior, havia bebido mais de uma garrafa de cachaça. Junto com o café, tomado em caneca esmaltada, mastigou um pedaço de carne seca e que estava ajeitada em espeto sobre o fogão a lenha. O espeto era de ferro, contrariando o ditado que diz “em casa de ferreiro o espeto é de pau”. Entretanto, foi daí a origem de outro, o de que “toda regra tem sua exceção, e vice-versa”.
Osvaldinho tinha necessidade de tomar umas pingas, segundo ele, para se refrescar um pouco, já que o galpão era um local muito quente, ainda mais com o fogareiro aceso.
Antes de colocar as novas ferraduras, levantou as patas de Celestino e, com uma torquês, soltou os cravos, liberando as quatro ferraduras antigas, já bem gastas.
Enquanto Celestino ficava olhando desconfiado, Osvaldo Paspalha retirou um cigarro de palha de detrás da orelha e o acendeu com isqueiro à base de querosene. Foi até o armário e ligou o rádio, sintonizando sua emissora favorita, especializada em músicas populares, também chamadas de bregas. Um cantor contava a história de um cara que havia se apaixonado por uma mulher da zona, uma coisa que existia em tempos mais antigos.
Quando começou a pregar as ferraduras nas patas de Celestino, Osvaldo se deu conta de que não estava num bom dia para trabalho: era uma marretada no cravo, outra na ferradura. Foi daí que veio esta expressão “um no cravo, outro na ferradura” para dizer que uma coisa certa é feita junto com outra errada.
Celestino acusou as pancadas e, através de seus olhos tristes, assim falou pro seu dono:
            - Lembre-se, Osvaldinho, “quem com ferro fere, com ferro será ferido!”.
Osvaldo parece não ter ouvido a recomendação do burro: continuou com suas marretadas, ora acertando o cravo, ora a ferradura, ora as patas de Celestino. Teve até hora que acertou o dedo polegar. Foi quando soltou um palavrão:
            - Puta que pariu!
Palavrão é uma palavra que acorre à nossa boca sem pedir licença. Quando a gente se dá conta, ele já foi pro ar. Muitas vezes deixa a gente envergonhado, querendo pedir desculpas. O palavrão – que pode ser uma palavra curta – é solto de acordo com o contexto. Quando Osvaldinho falou “Puta que pariu!”, ele estava inconscientemente fazendo referência à música que tocava no rádio. Se estivesse com dor de barriga, iria dizer: “Puta merda!”; em outras circunstâncias, diria “Putzgrila!” (e não sei a que pode ser associada esta expressão).
Assim, depois de muitos “um no cravo, outro na ferradura”, depois de muitas marretadas nas patas do coitado do Celestino e outro tanto no dedo polegar direito, já que era canhoto, Osvaldo acabou de ferrar com quatro ferraduras as patas de seu burro. Distraído, nem reparou no olhar insistente de Celestino com seu vaticínio de que “quem com ferro fere, com ferro será ferido”.
Foi só o intervalo de uma noite com outro tanto de cachaça para que a profecia celestina se concretizasse.
Nem bem amanheceu o dia e lá estava Clotildes, esposa de Osvaldinho, a sacudi-lo, raivosa:
            - Seu desgraçado, filho de jumento.
            - O que foi, Crô? – perguntou Osvaldo se estrebuchando.
            - O que que foi foi você passar a noite toda falando: “Boazinha, meu bem; Boazinha, querida do meu coração”. Quem é essa sirigaita?
            - Ah, Boazinha é o nome de minha cachaça preferida.
            - Que cachaça, que nada, seu excomungado! – gritou, mais raivosa, Clotildes, enquanto atirava um ferro de passar roupa, desses pesadões à base de brasa, em direção ao marido.
O ferro passou raspando a cabeça de Osvaldo, que por pouco “não bate a caçuleta”.
Clotildes pegou um espeto, agora de pau, e foi empurrando Osvaldinho que, apavorado, ia recuando de costas até chegar à oficina.
Quando lá chegou, Celestino, vendo Osvaldinho de costas, não pensou duas vezes: deu-lhe um coice duplo com as patas, estreando com louvor suas novas ferraduras.
Osvaldinho saiu “catando cavaco” e se estatelou dez metros adiante. Antes de desmaiar, teve o seguinte pensamento:
- Putz caramba, “fui sair do espeto pra cair na brasa!”.
Estou registrando estes fatos não para ficar mangando com Osvaldo Paspalha, que ele descanse em paz, tendo já partido deste mundo. Faço isto tão somente para documentar um fato histórico e que deu origem a um tanto de ditos populares.
Etelvaldo Vieira de Melo

NOVAS FLORES DO CERRADO



Imagem: www.sementerara.com.br


Sempre-viva

Sempre-viva
no deserto onde as areias 
dançam cobrindo
a vida e a morte
do Jalapão, no Tocantins.
Viva ela, viva sempre
a flor de aço.

Imagem: www.viveiroipe.com.br





                

Aleluia de renda (Cassia macranthera)

                                                Concerto amarelo
                                                de notas lá e cá
                                                despencando na pauta
                                                do solo em si.
                                                Conjunto de flautas
                                                e vozes tangidas
                                                por todo o verão.
                                                Orquestra fedegosa
                                                encenando alegria
                                                sob os clarins folhosos
                                                                                                                  em douradas harmonias
                                                                                                                  n'outra ópera de Haendel.
                                                                                                                    Aleluia, aleluiaaah!                           

EXTRA! EXTRA! OPERAÇÃO FRANGO NO ESPETO

Imagem: nabrasacolumbia.com.br

Como bem diz o ditado, nada como um dia após o outro e uma noite espremida no meio.  Outro dia mesmo, estava alardeando aos quatro ventos (ventos Alísio, Elísio, Basílio e Heloísio – segundo internauta brincalhão; Bóreas, Notus, Eurus e Zéfiro – N, S, L e O – segundo a mitologia grega), estava, pois, dizendo de meu renovado sentimento de crença na salvação da humanidade, tudo porque uma mocinha havia me oferecido seu assento num lotação de transporte coletivo.
Pouco mais de uma semana depois de tão notável feito, estou aqui escorregando em casca de banana e dando com a cara no chão.
Existe uma fase na vida do ser humano em que ele se torna invisível. Só pode ser esta a explicação para o que aconteceu comigo, Anatalino Reguete.
No bairro onde moro tem um comércio chamado “Ponto do Frango”. Em certos dias, quando a preguiça em pilotar um fogão se alia ao desejo de digerir algo diferente, é lá que eu me abasteço com um frango assado e um feijão tropeiro. Assim, a preço módico, fica “salva a lavoura” e todos lá de casa podem sorrir felizes.
Como marco ponto com regularidade no Ponto do Frango, noto que o dono me trata com certa deferência, seja me atendendo pessoalmente, seja me entregando uma ficha de atendimento preferencial.
Sábado último, ele não estava presente, e o caixa era uma moça, que me deu uma ficha normal com a letra “F”. Resignado, fui para a fila, essa instituição sempre presente na vida dos brasileiros.
Uma mulher veio logo após, mas, ao invés de ficar atrás de mim, como manda o Manual de Orientações Básicas para se Enfrentar uma Fila (MOBEF), ficou ao meu lado. Quando o entregador de frango perguntou “quem é o próximo?”, ela, mais do que depressa, entregou sua ficha e indicou aquele frango que iria levar, um que estava bem no meio do espeto. Como sofro de certa lerdeza por causa da idade, além de passar por invisível, eu não disse nada na hora. Engoli o desaforo, não lhe chamei atenção para seu atrevimento e sua falta de educação.
Estou fazendo tudo isso agora, não para exercitar minha assertividade, nem pra fazer uma delação premiada nesta Operação Frango no Espeto, mas para refletir sobre como o sentido de justiça pode ser entendido nos pequenos gestos. (A propósito, eu acho que quem faz delação premiada não passa de um indivíduo sem caráter, hombridade, vergonha na cara; quem comete ato de corrupção e se arrepende pode fazer delação gratuita.)
Platão, em seu livro “A República”, dizia que justiça é cada um ter e fazer o que lhe é de direito. No meu caso, justiça era ter sido atendido preferencialmente. Platão adiantava que somente pela educação a justiça iria ser possível. Sem educação, a justiça padece, o egoísmo aflora, explode a corrupção.
Um simples fato, a compra de um frango assado, nos ajuda a entender os problemas maiores do país. É por isso que Fridolino Xexeo, sempre dado a tiradas pseudopoéticas e humorísticas, veio me apresentar este arremedo de Manoel Bandeira:
Vá embora pra Europa
Aqui não dá pra ficar
Se as mulheres daqui são mais belas
Mais inteligentes são as de lá.

Vai embora pra Europa
Pois aqui não dá pra ficar?
Sei: os políticos daqui são corruptos
Honestos são os de lá.

Vá embora pra Europa
Aqui não dá pra ficar
Os frangos assados de lá são os mesmos
E você não tem desaforo que aturar.

E mais Fridolino Xexeo não disse, pois sua mulher, Percilina Predilecta, veio lhe entregar uma lista de compras no sacolão e no supermercado.
            - Ah, antes que me esqueça – arrematou ela: - Não deixe de passar no “Ponto do Frango” e traz um bem passado, mais um tropeiro e um salpicão!
            PS: Assim que acabo de contar esta história, vem minha filha dizendo que já não tolera mais o cardápio de sábado, à base de frango assado e feijão tropeiro. Por acaso, estimado leitor, tem como me indicar um curso de culinária, um que seja compatível como meus desgastados neurônios?
Etelvaldo Vieira de Melo



MAIS FLOR DO CERRADO

Imagem: caliandradocerrado.com.br

Para-tudo            

           
                      Para o desastre
Para o fogo
Para a extinção
dos bichos do cerrado
(socorro ao quenquém-da-teia-de solo
ao cachorro-do-mato-vinagre
ao gato-maracujá
ao tamanduá-bandeira
entre outros)
Para a matança
das árvores e das águas
(salvamento ao araticum
ao baru
ao buriti
à cagaita
à mutamba
ao saputá
à munguba
entre tantos)

Deixa em paz a Para-tudo
e as crisálidas de suas folhas,
as penugens de suas sépalas.
Não perturba a Para-tudo
(sempre Panaceia, Raiz-de-padre,
Perpétua,
a flor que nunca morre)

NOSSO PLANETA ESTÁ DOENTE



Para mim, uma coisa que pode provocar grande desavença é ser chamado de alienado. No meu tempo de juventude, esta expressão andou rondando perigosamente a minha porta. Era um tempo difícil, onde viver significava se equilibrar em corda bamba. Se caísse prum lado, havia a repressão com seus cassetetes e porões; se caísse prum outro, seria trucidado por uma enxurrada de palavrões proferidos pelos patrulheiros ideológicos. Em caso de tombo, como se vê, a gente estava fodido.
O termo “alienação” é complexo. Dizer que um indivíduo é alienado vai além de afirmar que ele está desligado dos problemas sociais e políticos. Significa dizer que tal indivíduo não tem a posse de sua vida, que transferiu para outros o poder de decisão sobre seus atos, não dispõe de liberdade.
No fundo, é isso que se observa na sociedade moderna, de consumo. Os indivíduos não têm autonomia em suas decisões e, mesmo aqueles que não são manipulados pelo “sistema”, mesmo esses que correm pelas margens são monitorados e patrulhados através das “redes sociais”.
Deixando de lado essas considerações conceituais, tentando me livrar da pecha de “alienado”, trago ao domínio público temas que me incomodam e que requerem providências urgentíssimas. Para não cansar a beleza de ninguém, vou me ater, hoje, tão somente a um deles.
AQUECIMENTO GLOBAL
Imagem: sintomasdadengue.net.br
Enquanto o planeta Terra agoniza, uma das ameaças para a humanidade pode ser vista a olhos despidos e sentida na pele. O mosquito aedes aegypti aprendeu rápido as técnicas capitalistas para se tornar um empreendedor bem sucedido: expandiu sua área de atuação, ao tempo em que criava novas franquias. Hoje, é um oligopólio formado por transmissores dos vírus da dengue 1, 2, 3 e 4, além do Zica e da Chicungunya.
Imagem: oportaln10.com.br
O mesmo aquecimento global, responsável pela disseminação desenfreada do danado do mosquito, também provoca degelo na Antártida e, como consequência, avaliam os especialistas, os oceanos podem aumentar seu volume em até um metro. Isso pode trazer trágicas consequências para países como Bangladesh. 
Aqui no Brasil, me causa preocupação a cidade de Recife, que aprendi a amar, mesmo sem ter conhecido “a moça bonita da Praia da Boa Viagem”, a Belle de Jour do Alceu. Ela, a moça, quer dizer, a praia, melhor: a cidade, ela é baixa, está no nível do mar; qualquer mudança na configuração do oceano pode lhe causar desastrosas consequências.
Aproveito o ensejo para mandar um recado pros meus amigos recifenses, para que se mobilizem e se tornem recificientes, desencadeando uma campanha mundial em favor do gelo, contra o degelo. A título de exemplo, eles poderiam montar uma peça publicitária, mais ou menos nestes termos:
            *Primeira Tomada: Uma imagem do globo terrestre girando e pegando fogo. Como fundo musical, “Asa Branca”, com Luiz Gonzaga cantando:
            “Quando olhei a terra ardeno, qual fogueira de São João, eu perguntei, ai, a Deus do Céu, ai, porque tamanha judiação...”
            E a sanfona arremata: Nhem, nhem, nhem, nhem, nhem, nenhem, tcbumbumbumbum, tcbumbumbum...
            *Segunda Tomada: Uma jangada, transportando uma geladeira, um freezer ou um ar condicionado, vai se afastando do Recife, passa pela câmera e se perde no horizonte.
                    *Terceira Tomada (estilo abertura de Star Wars): Os dizeres
Destino
Polo Sul
“Algo deve ser
feito para frear o
aquecimento global.
Já sabe o que você
pode fazer?
Não seja
um alienado!”

Etelvaldo Vieira de Melo