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Como
bem diz o ditado, nada como um dia após o outro e uma noite espremida no
meio. Outro dia mesmo, estava alardeando
aos quatro ventos (ventos Alísio, Elísio, Basílio e Heloísio – segundo
internauta brincalhão; Bóreas, Notus, Eurus e Zéfiro – N, S, L e O – segundo a
mitologia grega), estava, pois, dizendo de meu renovado sentimento de crença na
salvação da humanidade, tudo porque uma mocinha havia me oferecido seu assento
num lotação de transporte coletivo.
Pouco
mais de uma semana depois de tão notável feito, estou aqui escorregando em
casca de banana e dando com a cara no chão.
Existe
uma fase na vida do ser humano em que ele se torna invisível. Só pode ser esta
a explicação para o que aconteceu comigo, Anatalino Reguete.
No
bairro onde moro tem um comércio chamado “Ponto do Frango”. Em certos dias,
quando a preguiça em pilotar um fogão se alia ao desejo de digerir algo
diferente, é lá que eu me abasteço com um frango assado e um feijão tropeiro.
Assim, a preço módico, fica “salva a lavoura” e todos lá de casa podem sorrir
felizes.
Como
marco ponto com regularidade no Ponto do Frango, noto que o dono me trata com
certa deferência, seja me atendendo pessoalmente, seja me entregando uma ficha
de atendimento preferencial.
Sábado
último, ele não estava presente, e o caixa era uma moça, que me deu uma ficha
normal com a letra “F”. Resignado, fui para a fila, essa instituição sempre
presente na vida dos brasileiros.
Uma
mulher veio logo após, mas, ao invés de ficar atrás de mim, como manda o Manual de Orientações Básicas para se
Enfrentar uma Fila (MOBEF), ficou ao meu lado. Quando o entregador de
frango perguntou “quem é o próximo?”, ela, mais do que depressa, entregou sua
ficha e indicou aquele frango que iria levar, um que estava bem no meio do
espeto. Como sofro de certa lerdeza por causa da idade, além de passar por
invisível, eu não disse nada na hora. Engoli o desaforo, não lhe chamei atenção
para seu atrevimento e sua falta de educação.
Estou
fazendo tudo isso agora, não para exercitar minha assertividade, nem pra fazer
uma delação premiada nesta Operação Frango no Espeto, mas para refletir sobre
como o sentido de justiça pode ser entendido nos pequenos gestos. (A propósito,
eu acho que quem faz delação premiada não passa de um indivíduo sem caráter,
hombridade, vergonha na cara; quem comete ato de corrupção e se arrepende pode fazer
delação gratuita.)
Platão,
em seu livro “A República”, dizia que justiça é cada um ter e fazer o que lhe é
de direito. No meu caso, justiça era ter sido atendido preferencialmente.
Platão adiantava que somente pela educação a justiça iria ser possível. Sem
educação, a justiça padece, o egoísmo aflora, explode a corrupção.
Um
simples fato, a compra de um frango assado, nos ajuda a entender os problemas
maiores do país. É por isso que Fridolino Xexeo, sempre dado a tiradas
pseudopoéticas e humorísticas, veio me apresentar este arremedo de Manoel
Bandeira:
Vá embora pra Europa
Aqui não dá pra ficar
Se as mulheres daqui são
mais belas
Mais inteligentes são as
de lá.
Vai embora pra Europa
Pois aqui não dá pra
ficar?
Sei: os políticos daqui
são corruptos
Honestos são os de lá.
Vá embora pra Europa
Aqui não dá pra ficar
Os frangos assados de lá
são os mesmos
E você não tem desaforo
que aturar.
E
mais Fridolino Xexeo não disse, pois sua mulher, Percilina Predilecta, veio lhe
entregar uma lista de compras no sacolão e no supermercado.
- Ah, antes que me esqueça –
arrematou ela: - Não deixe de passar no “Ponto do Frango” e traz um bem
passado, mais um tropeiro e um salpicão!
PS: Assim que acabo de contar esta
história, vem minha filha dizendo que já não tolera mais o cardápio de sábado,
à base de frango assado e feijão tropeiro. Por acaso, estimado leitor, tem como
me indicar um curso de culinária, um que seja compatível como meus desgastados
neurônios?
Etelvaldo
Vieira de Melo
1 comentários:
Delicioso, amigo!!! Ou amigo delicioso? Rsrsrs
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