CARTA PARA UM VELHO AMIGO



Para Teixeira
Caro amigo,
Cá estou eu me servindo deste prosaico e convencional meio de comunicação, uma carta, quando os avanços tecnológicos poderiam nos colocar frente a frente, com os recursos de vozes e até de imagens.
Entretanto, por razões que irei alinhavar em seguida, prefiro me “esconder” atrás de uma carta, quando não sei qual o seu tipo de resposta. Como sou um cara pra lá de medroso, dependendo do conteúdo de seu retorno (se houver), poderei sofrer um abalo ainda maior na minha abalada e combalida saúde. Os termos se equivalem? Estou cometendo um pleonasmo? Que seja, mas que tal redundância lhe sirva de alerta para os danos que poderá me causar.
Primeiro ponto: como haveria de dizer Belchior, ainda sou o mesmo, e só não continuo como meus pais porque eles viveram em épocas tão remotas, que não tem como transportar aquele jeito para os dias atuais, tantas foram as mudanças.
Mas continuo o mesmo dos tempos de convivência. Até mesmo quanto ao físico, costumo ouvir de pessoa que ficou longo tempo sem me ver: “Você continua o mesmo, não mudou nada!”. Ou ele fala isso para “dourar a pílula”, amenizar a dor de uma revelação verdadeira e crua, ou, por um distúrbio funcional, nunca, até recentemente, consegui me ver como sou de fato. Quanto estou frente a um espelho, o que sei é que minha imagem refletida tem me desagradado cada vez mais.
Do ponto de vista psicológico, creio que me tornei uma versão melhorada de mim mesmo. A primeira constatação que salta aos olhos, ou melhor, que fere os ouvidos de quem está à minha frente: como minha fluidez verbal evoluiu! Creio que em decorrência do tempo (que parece lavar nossa vergonha e timidez), sinto minha língua se tornar cada vez mais solta e descontraída. Corro o risco, dependendo do assunto, de falar “pelos cotovelos” – uma expressão usada para nomear aqueles que sofrem de verborragia.
Associado a essa fluidez verbal, noto que meu retardo mental (os especialistas o designam “prolapso de fim de curso”) tem melhorado consideravelmente. Quando alguém me fala algo desagradável, sou capaz de dar um revide de imediato, coisa que era impossível nos tempos de juventude.
Esta nova característica – reverso do verso que já fui: uma pessoa monossilábica, mais ouvinte do que falante – pode não lhe ser agradável, talvez prefira que eu continue na versão mono, eu que já passei da fase estéreo e vivencio, agora, a versão dolby digital.
Mas você pode ficar sossegado, pois não abandonei de vez a capacidade auditiva. Se acha que estou falando demais, isso se deve ao recurso que utilizo para me comunicar com você: uma carta, que não deixa de ser um monólogo, por mais dialógica que seja sua tentativa.
Saber ouvir é uma grande coisa, talvez uma das melhores da vida. E foi você, meu caro amigo, quem me ensinou essa preciosidade. Meus familiares costumam rir de mim, quando pego alguém pela frente e começo a usar de seu método um tanto quanto socrático. Aquele tinha o propósito de busca da verdade, enquanto o seu incentivava o outro a falar, a se apresentar, a se expor.
Você continua assim? Ou será que o tempo acabou com sua paciência e, na pressa de resultados palpáveis, você passou a prescrever receitas e formulários?
Não sei, estou falando isto porque, nos raros contatos que tivemos, você me repassou mensagens de terceiros, quando poderia falar por você mesmo ou, então, usar de sua técnica de “botar a língua dos outros pra fora”, para que eu dissesse aquilo que é importante. Para ser franco, não gostei nem um pouco de sua nova versão. Só espero que esteja fazendo um juízo incorreto.
Você tem uma história de vida rica e que admiro profundamente. Ao longo do tempo, pode até ter feito uma ou outra opção equivocada, pode ter feito leituras da realidade incorretas (coisas que faço de montão), mas nunca deixou de ser aquilo que importava: honesto, sincero. De nosso tempo de convivência, só tenho lembrança de um defeito seu: quando ia coar café, tinha mania de colocar o pó misturado com a água a ser fervida – uma coisa que não se faz e que aprendi depois, desenvolvendo algumas habilidades culinárias.
A honestidade é um valor pra lá de importante, não acha? Faz muita falta no mundo de hoje, quando fica relegada a segundo plano sob a argumentação de que os fins justificam os meios. Quando alguém abre mão da honestidade está abrindo portas para corrupção, conchavos espúrios, toda sorte de coisa errada e que mancha a história de qualquer um.
Agir com honestidade não é garantia de que os resultados serão perfeitos, mas a honestidade sempre deixa algo de bom. E foi isso que você fez ao longo de suas caminhadas: plantou boas sementes, que haverão de germinar, mais dia, menos dia.
Pois bem, estou chegando ao fim desta carta. O propósito principal (mesmo sendo repetitivo – cacoete de professor) é de deixar registrada minha admiração pelo seu jeito de ser e pela sua história de vida. Se for de alguma serventia, junto com um grande abraço, estou lhe enviando também os votos de que tenha muita felicidade, um termo genérico para designar tudo de bom que a gente pode imaginar e viver.

Etelvaldo Vieira de Melo


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