BLINDNESS

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BLINDNESS

                       o beijo que não beijei a carta que não escrevi a viagem que não fiz fim do
o amor que não gozei o voto que não anulei o dia que não vi passar o mote que não
          cantei a vida vil que me
morreu
a morte que
                     não vi o beijo
       __________________________________________________________________

Graça Rios

TANTO CHORO, OH, QUANTA TRISTEZA! (EXERCÍCIO DE REDAÇÃO)

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            Leovigildo – Leo, para os íntimos – teve uma infância e adolescência pra lá de difícil; até hoje, quando pensa no que passou, costuma ficar de boca aberta que nem burro que comeu urtiga. Sua mãe enviuvou cedo, tendo que dar conta sozinha do cuidado de sete rebentos, sendo Leo o que vinha na rabeira, a rapa do tacho, isso numa época em que as castas menos favorecidas não dispunham dos favores de bolsas família, educação, botijão e outras tantas mais.
            Leovigildo foi criado, pois, com rédea curta e estômago nas costas. Sua mãe, ao contrário do que se podia imaginar, não usava de coerção física. Ela incutia na mente dos filhos princípios religiosos e morais, através dos cujos exercia seus mátrios poderes. Fazia isso tão bem que parecia o Big Brother, de 1984, o Grande Irmão, uma sombra onipresente em todos os momentos da vida dos filhos.
            Leo sentia que seus atos, pensamentos e omissões eram monitorados 24 horas por dia. Só faltava ele vislumbrar pra tudo quanto é lado placas com os dizeres “Sorria, você está sendo filmado”. O coitado não se achava livre nem nos momentos em que se trancava no banheiro, ficando naquela posição de “O Pensador”, de Rodin.
            (Estou lhe repassando esses informes para que tenha uma ideia de como era a vida de nosso personagem, ao tempo em que lhe ofereço a oportunidade de aumentar seu acervo cultural. E não precisa me agradecer por isso; só espero que tenha paciência suficiente para levar a leitura até seu desfecho.)
            A pãe de Leo (pãe = mãe que assumiu a condição de pai, ou vice-versa) acalentava o sonho de ver seu rebentinho seguindo a carreira religiosa. Por isso, foi com um arrepio pelo corpo, seguido de vertigem, que ouviu dele, já beirando a fase da maioridade, a assertiva de que iria, finalmente, a um baile de carnaval.
            - Como pode pensar em fazer isso, filho do meu coração? – falou ela com voz prestes a irromper num choro. – Você não sabe que ali é um antro de perdição, casa do capeta e de todos os seus súditos?
            - Ora, mãe – falou Leo, tentando se armar de paciência. – Ali é apenas um clubezinho, onde as pessoas vão buscar distração inocente.
            - Distração inocente... – imitou ela, em tom de deboche. – Você não faz ideia do que mocinhas são capazes de aprontar, depois de terem tomado, Deus que me livre, bebida alcoólica. – A mãe falou isso com os olhos arregalados, a ponto de saltarem das órbitas.
            Leo pensou: “É isso mesmo que quero ver!”, mas o que disse foi:
            - Manhê, o meu diretor espiritual falou que o carnaval é uma festa religiosa que antecede a quaresma; a palavra significa “despedida da carne”: “carnis valles”. É uma festa que abre os quarenta dias de jejum e de abstinência até a Páscoa.
            - Muito bonito o que você falou, mas não me convence.
            - Veja, mãe, a senhora não sabe e nem tem obrigação de saber, mas o carnaval é mais animado onde a tradição religiosa é mais intensa, forte, como é o caso de Salvador, Olinda e até mesmo o Rio de Janeiro, com seu sincretismo, aquilo que Stanislaw Ponte Preta, em alegoria, chamava de Samba do Crioulo Doido. Aqui em Minas, o carnaval tem destaque em cidades como Sabará, São João Del Rei, Diamantina e Ouro Preto, todas fortemente marcadas pela tradição religiosa.
- Bah... – resmungou a mãe. – Agora – desferiu ela, com os olhos vertendo lágrimas, - se quer me matar de desgosto, vai.
E Leo foi, quer dizer, tentou ir. Chegou a entrar no salão de festas, mas carregava a sensação de que todos os presentes estavam a observá-lo. Soterrado de timidez, achou por bem tomar umas bebidas para animar. Acabou passando mal, indo “chamar o mico”, seus pais, todos os familiares, a micaiada toda. Voltou para casa amarrotado e amargurado. Não deu um pulo sequer no salão, nem viu as meninas em vestidos atrevidos e cheias de liberdade.
O tempo passou. Hoje, Leovigildo carrega o trauma de carnavais que não brincou, das sacanagens que não viu nem aprontou. Ele está fazendo um curso de redação. Sabe qual o tema da semana proposto pelo professor? Logo na abertura da aula, sem saber em quantas feridas estaria pisando, foi logo dizendo que o tema da aula seria o carnaval. Pediu pros alunos fecharem os olhos e vestirem uma fantasia ou desejo; depois, que descrevessem um encontro ou um beijo. Leovigildo ficou bloqueado. Quando saiu do curso, sentia-se como quem havia sido nocauteado com um cruzado no queixo, só chegando em casa às altas horas.
Foi se recuperar três dias depois quando, em conversa com Neguinho – não o da Beija-Flor, mas um jardineiro que prestava serviço em sua residência – este lhe disse que iria trabalhar de garçom num clube durante o carnaval. Os olhos de Leovigildo, que estavam opacos, brilharam, e ele pensou: Taí uma boa ideia. Se não for adotá-la este ano, que fique para o próximo. Trabalhando num clube e servindo bebidas para homens e mulheres, vou acabar vendo coisas que irão me redimir dos traumas de carnavais que não brinquei. Sei que, até em meus pensamentos, minha mãe haverá de ficar horrorizada diante de tanta pouca vergonha, mas eu lhe direi: "Não se aflija, mãe, que tudo isso é apenas carnaval. Quarta-feira haveremos de passar cinzas, entrando de vez na quaresma da vida”.
Etelvaldo Vieira de Melo

POMPOM, O FILÓSOFO

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Aí vem ela, com a comida.
Debruçada na gaiola,
contempla o seu objeto.

A panela está fervendo
de desejos saborosos.

Tem os olhos vermelhos
sobre mim, o amarelo.
Bem quisera o meu pelo
branco, ao esfolar-me.

Agora vem a cenoura,
o jornal, a ração.

Com a vassoura nervosa,
limpa o límpido cocô
(lírico, esferoidal).

Enquanto isso,
ouve Chopin.
“Esta noite, um chopinho...”

Meu trágico destino
é o jantar nietzschiano.

“O coelho está morto!”

À luz de velas
sou velado.
Graça Rios



FÁBULA NEBULOSA 13: O JABUTI E A COISA

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Imagem: Forum Outerpace
FÁBULA NEBULOSA 13: O JABUTI E A COISA (*)
Andava um jabuti calmamente, quando deparou não com uma pedra no meio do caminho, mas a algo parecido com uma maçã. Como gostava de jogar bola, enquanto tomava distância, falou:
            - E lá vai o cágado pela direita. Estica para o jabuti, que se prepara e atira!
Enquanto chutava o objeto, gritou:
            - É gol! Gooolll do jabuti!
Rolando, o objeto parecia ter dobrado o tamanho. O jabuti se aproximou lentamente, mesmo para os padrões de um jabuti. Cauteloso, pegou um pedaço de pau e deu uma porretada na coisa:
            - Plam!
A coisa dobrou de tamanho.
 O jabuti, assustado, desandou a dar porretadas:
            - Plam! Plam! Plam!
A cada cacetada, a coisa dobrava de tamanho.
Foi quando um sabiá falou, lá da copa de uma árvore:
            - Alto lá, jabuti! Se continuar a bater desse jeito, a coisa vai tomar todo o caminho. Se não mexer com ela, vai continuar como era no início.
Moral: Quando deixada em paz, a discórdia não prospera. Quando provocada, ela aumenta e se torna incontrolável.
(*) Invento e/ou leitura/releitura de Fábulas, Esopo
Etelvaldo Vieira de Melo


VER DE PLANTA

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Imagem: delas.ig.com.br
Veja
Miriveja
Bem de perto
Esta orquídea.

Toque em seus órgãos
_ Tão femininos! _
Não lhe parece
Os meandros róseos
Da sua vagina?

Vagina acesa
Em fogo e ardor
Força anímica
De vida e cor.

Assim a linguagem
Num jardim de delícias
floresce em orquídeas
Sob a água abundante
Do corpo criativo.

De um broto ou outro
A erótica flor
Ilumina
Invagina
Os lábios abertos
À alegre orgia
Da poesia.
Graça Rios

FÁBULA NEBULOSA 19: O PATO, A RAPOSA E O LEÃO

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FÁBULA NEBULOSA 19: O PATO, A RAPOSA E O LEÃO (*)
Certa vez, o leão procurou o pato e a raposa para, juntos, formarem uma associação: A Associação dos Vorazes Caçadores (AVC).
Logo na primeira caçada, conseguiram um bom número de presas, pois adotaram uma tática deveras interessante. Ei-la:
- Aproximando-se sorrateiramente por trás da vítima, o pato grasnava: - Quá! – Quá! - Quá! // Esta, assustada, corria em outra direção, dando de cara com o leão. // Ainda mais assustada, desviava à direita e, sem perceber, caía num alçapão armado pelo raposão.
Estando a gaiola cheia, pediu o leão para o pato efetuar a partilha dos bens arrecadados. Este pegou uma calculadora (Made in China) e fez as contas: A+B+C+...+Z = X  X : 3 = Y.
            - Pelos cálculos, caberá a quantia de Y para cada um – falou o pato, enquanto ajeitava os óculos todo orgulhoso, em pose quase patética.
            - Você é um analfabeto de pai e mãe e que não sabe fazer contas – falou o leão.
Enquanto assim falava, desferiu um potente tapa no meio da cara do pato, matando-o.
Depois, pediu para que a raposa refizesse as contas. Esta deixou praticamente tudo no monte do leão, reservando para si apenas algumas sobras do quinhão.
            - Estou tomado de admiração – falou o leão. – Qual a escola onde estudou, para fazer cálculos de tamanha precisão?
Falou a raposa:
            - Foi na escola da vida que aprendi esta lição / Ao ver a desgraça de um pato, vítima da própria ambição.
Moral:
Em certas circunstâncias, levar vantagem alguma já é muito vantajoso.
(*) Invento e/ou leitura/releitura de Fábulas, Esopo

Etelvaldo Vieira de Melo

POR QUE A MORTE?

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Imagem: astuciadeulisses.com.br


A debilidade dos seres
Calcula a permanência
No limite do sonho

Sobre oceanos e desertos
Um  t ( r ) emor  da espécie
Preserva-se       destruindo

Lento na atmosfera
O vago espaço
Com seus dentes de sabre e sombra
Voando em círculos

No ventre da noite
O vento galopa
Fibras de tempo
Plumas         obscuridade

Resta um sal de solidão
E a força abrupta das germinações
Em pedras florescendo
Graça Rios




FÁBULA NEBULOSA 12: A RAPOSA E O GALO

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Imagem: imagensanimadas.com

FÁBULA NEBULOSA 12: A RAPOSA E O GALO (*)
Quando prendeu o galo, a raposa quis porque quis comê-lo logo. Também quis que tal gesto aparentasse um ar de legalidade. Por isso, começou a acusá-lo, em busca de uma razão plausível. Falou:
            - Você é uma ave inconveniente.
            - Inconveniente eu? Se o fosse, os homens não iriam me criar - retrucou com veemência o galo.
A raposa não gostou de ser contestada. Continuou:
            - Sua barba é inconveniente.
            - Barba? Minha cara, o que você chama de barba não passa de meu pelo, minhas penas.
            - E o seu bico? Ele é inconveniente.
            - Ora, meu bico é assim para eu me alimentar e cantar.
            - Pois, então – retrucou a raposa. – Você canta feio e de madrugada. Não deixa ninguém dormir direito. Isso é inconveniente.
            - Canto de manhazinha pra acordar as pessoas para o trabalho.
Definitivamente, a raposa já estava perdendo a paciência. Além disso, corria o risco de ser ridicularizada por aquela ave insignificante, logo quando o interrogatório passou a ser transmitido via TV.
            - Você tem uma vida sexual desregrada. Cruza até com parentes. Vai dizer que isso não é uma grande inconveniência! – desferiu a raposa, os olhos injetados de raiva.
            - Ora, ora, pois, pois – falou o galo, imitando o jeito lusitano de falar. – Cruzo com qualquer galinha interessada, nem preciso tomar esse tal de Viagra. Meus donos andam até bem satisfeitos comigo, tal a quantidade de ovos produzidos no meu galinheiro.
Ao ouvir isso, a raposa considerou:
            - Pensa que suas defesas serão sempre bem-sucedidas, e eu não terei como comer você? Só de se achar com razão, você demonstra grande inconveniência.
Assim falando, a raposa torceu o pescoço do galo.
Moral: Democracia é bom até certo ponto; depois cansa.
         Ao fim de tudo, a verdade não passa do interesse de quem pode e de quem manda.
(*) Invento e/ou leitura/releitura de Fábulas, Esopo
Etelvaldo Vieira de Melo