BLOQUEANDO O DESBLOQUEIO

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Imagem: omipibuense.blogspot.com
Porque já chegou ao patamar da “melhor idade”, Loprefâncio Caparros dispõe de algumas regalias, criadas pelo Sistema para amenizar os impactos da devastação do Tempo. Entre essas regalias, está o passe livre em transportes coletivos.
Foi para revalidar um cartão de passe livre que ele se dirigiu a um guichê apropriado, instalado na estação rodoviária da cidade.
No trajeto de ônibus até o centro, estava ele sentado em um banco amarelo, reservado às pessoas idosas. Na sua frente, viajava um outro senhor de cabelos brancos que, cheio de entusiasmo, desandou a conversar com o fiscal de bordo, o trocador, outro senhor de cabelos brancos. O “pobrema” é que, por estarem um pouco distantes e em lados diferentes, para serem ouvidos, precisavam falar alto. Daí, que a viagem se tornou um “suplício chinês” (expressão que, a bem da verdade, não sei precisar o sentido, mas que achei pertinente ao caso) para Loprefâncio, com aquela quase gritaria no seu ouvido.
Se a conversa fosse de algum proveito intelectual, moral ou cívico (é bom a gente começar a falar disso aqui no Brasil), até que Loprefâncio aceitaria com prazer o desprazer de tolerar dois papagaios matraqueando em seu ouvido. No entanto, se a conversa – que durou mais de meia hora – fosse espremida feito laranja, não sobraria nada de caldo, só bagaço.
Para ser sincero e estar conforme à verdade (coisa que anda fazendo também muita falta no Brasil), eis o que ficou de tudo:
1 - Loprefâncio ficou sabendo de uma doença degenerativa chamada “ELA”.
2 - Um jogo de futebol, acontecido na noite anterior, provocou uma briga perto da casa do trocador, ali por volta da meia noite, com um morador de rua sendo ferido. (“- Você foi ver?” – perguntou o senhor, tomado de curiosidade. “- Não, só ouvi a briga” – respondeu o outro. “-Ah, se eu fosse você, iria assistir! Uma briga é coisa que não perco nunca!” – falou o senhor, com os olhos quase saltando das órbitas.)
3 - Falaram muito sobre a crise econômica que o país atravessa, dizendo que ninguém hoje pode recusar um emprego, por mais mal remunerado e insignificante que seja. Acabaram concordando com a tese de um dos candidatos a presidente da República, que dizia ser preferível ter emprego do que ter garantia trabalhista. Loprefâncio quis perguntar: “- Mesmo sendo trabalho escravo?”.
Quando chegou ao centro, Loprefâncio sentia seus ouvidos zumbindo. Custou a se acostumar com o zum-zum das ruas, os locutores propagandistas das lojas berrando seus anúncios, os barulhos dos motores de carros e ônibus.
Quando foi revalidar o cartão de passe livre, ficou sabendo que, para não ser bloqueado, ele teria que ser usado pelo menos uma vez por mês.
Como o cartão é intermunicipal e só serve para ônibus que servem à região metropolitana, Loprefâncio – que só o usaria uma vez ao ano com certeza, indo até prefeitura da cidade onde se aposentou fazer o recadastramento da chamada “Prova de Vida”, isto é, provar que ele ainda não passou desta, ainda não “bateu as botas” - Loprefânio, volto a dizer, viu que teria de seguir o exemplo de Anatalino Reguete, um conhecido.
Anatalino, mexe e vira, está pegando um ônibus intermunicipal para fazer jus ao seu cartão de passe livre. Da última vez que se encontraram, ele disse que estava indo até um bairro chamado Bernardo Monteiro, de uma cidade vizinha. Quando Loprefâncio lhe perguntou por que estava indo tão longe (quase quatro horas de ônibus, entre ida e volta), o outro explicou:
- Fiquei sabendo que lá tem um armarinho vendendo carretel de linha a um preço bem em conta.
Sabendo que estou transcrevendo tudo isso, Loprefâncio pede para transmitir esse recado:
- Senhor Leuturino, se na sua cidade tem um armazém vendendo fubá, caixa de fósforo ou pacote de sal com preço em conta, não deixe de me avisar. Fico agradecido.
Para os leitores em geral, que ficam incomodados ao verem tantos “pés-na-cova” dentro de transportes coletivos, peço que entendam: estão indo comprar fubá, desbloqueando o bloqueio de seus cartões de passe livre.
Etelvaldo Vieira de Melo

3 comentários:

Fátima Fonseca disse...

RS...muito divertido. Loprefâncio prazer em conhecer!

Unknown disse...

Kkkkk. Comprar fubá? Ah escritor Etelvaldo, como me divertes. Quanto ao respeito com os idosos, infelizmente as pessoas não tem sido ensinadas desde de criança sobre respeito ao próximo. Merece 5 🌟🌟🌟🌟🌟. 👏👏👏👏👏👏👏👏👏👏👏👏👏

Izabela de Deus disse...

�������� ótimo texto!!!"LoprefÂncio", acabei de ler o texto p minha avo ja com seus 84 anos,ela deu risada do nome!!!

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